5 DE FEVEREIRO DE 1947 470-(21)
dar as suas casas a inquilinos pobres; tem de constituir um encargo geral.
Simplesmente, o meio proposto não é eficiente, porque as receitas não podem cobrir todos os prejuízos. Já cautelosamente se prevê no § 7.º do artigo 5.º um rateio. Mas admiti-lo é admitir a negação do próprio princípio e a negação quase total, se esse rateio conduzir a uma indemnização muito baixa. Quaisquer que sejam as condições do funcionamento da devassa, é de prever uma despesa larga em indemnizações, e para essas despesas prevêem-se as seguinte receitas:
a) Multa imposta ao senhorio que arrendar o prédio sem oferecer a preferência, nos termos dos §§ 3.º, 4.º e 5.º do artigo 4.º;
b) Multa imposta ao arrendatário que alegar injustificadamente a impossibilidade económica de pagar as rendas, nos termos do § 6.º do artigo 5.º;
c) Aumento de renda no caso de sublocação, nas condições do § 2.º do artigo 11.º;
d) Multa imposta ao senhorio que não fizer o depósito referido no § 1.º do artigo 12.º (§ 2.º do mesmo artigo);
e) Restituição em dobro das quantias recebidas a título de cedência de chaves (artigo 15.º) ;
f) Multa imposta ao proprietário que, obtendo o despejo com o fundamento no n. º 4.º do § 1.º do artigo 17.º, arrende o prédio nos cinco anos posteriores.
A primeira já se fez referência, chamando-se a atenção para a falte, de interesse em se fazer a denúncia na secção de finanças. A Câmara Corporativa entende, de resto, como se disse já, que é inconveniente atribuir aquele direito de preferência.
Quanto à segunda, já se disse também o bastante para mostrar que não deve esperar-se receita sensível dessa fonte.
Não se antevêem também receitas apreciáveis no sistema proposto no artigo 11.º e seus parágrafos. Adiante, ao tratar-se do problema da sublocação, ver-se-á a inconveniência do meio proposto. Por agora bastará notar o seguinte: se o senhorio pretende efectivamente o despejo do prédio, pedirá certamente ao arrendatário uma renda exagerada e, como o arrendatário sai, desaparece a receita; se pretende manter o arrendamento, não tem interesse em exigir senão a renda antiga, acrescida dos 25 por cento que lhe cabem, e só exigirá mais se tiver o ânimo condenável de prejudicar, sem proveito para si, o arrendatário.
Quanto à doutrina do § 1.º do artigo 12.º, pode dizer-se o mesmo que se disse em relação ao artigo 11.º, e, quanto à multa referida no § 2.º, o mesmo que se disse a respeito do § 5.º do artigo 4.º
Restam duas multas: da do artigo 15.º, correspondente ao artigo 110.º do decreto n. º 5:411, não se pode esperar receita sensível; da do n.º 4.º do § 1.º do artigo 17.º também não, sobretudo porque é uma sanção demasiadamente grave para que o delito seja muitas vezes cometido.
Ora, postas em paralelo estas receitas, tão problemáticas e tão diminutas, com o problema das rendas, que se apresenta como problema de larga repercussão, e que por isso mesmo se tenta resolver, é de concluir que do sistema proposto não há que esperar qualquer benefício para os senhorios e sòmente uma profunda perturbação.
Fica ainda um último aspecto, que não é >menos importante do que qualquer dos outros. Como se há-de organizar esse fundo? Quem o dirige? Quem procede ao rateio previsto no § 7.º? Quem autoriza o levantamento das indemnizações? O projecto é omisso a este respeito e não vemos a que serviço ou repartição pública possam ser atribuídas tais funções. Dizendo respeito a lei a todo o território continental e insular, importaria criar um organismo central em Lisboa, designadamente para efeitos do rateio, e para tanto não se dispensaria uma nova repartição, com o seu chefe, oficiais, dactilógrafos e contínuos, e ao mesmo tempo criar-se-iam novos embaraços e encargos para os senhorios conseguirem levantar os respectivos complementos de renda, sempre sujeitos a oscilação, por aumento ou diminuição de receitas ou de despesas do respectivo fundo.
Por todas estas razões supõe a Câmara Corporativa impraticável e inútil o sistema apresentado para atenuar a situação de alguns inquilinos e sugere à Assembleia Nacional, na impossibilidade de se impor ao Estado, como se fez em França, o pagamento dos aumentos em relação às rendas das casas modestas, a aprovação de um outro que já foi proposto em 19,26 pela comissão nomeada pelo Ministro das Finanças para dar parecer sobre as bases de uma reforma tributária, nos seguintes termos: "É necessário que no período de transição se vá permitindo a elevação gradual das rendas antigas"26.
A admitir-se, na verdade, um aumento de rendas, e esse aumento parece ser de uma justiça indiscutível, só há um processo lógico de evitar fundas repercussões na economia privada dos inquilinos que se habituaram a usufruir, mediante o pagamento de rendas muito baixas, os prédios alheios e que criaram, por esse motivo, um nível de vida em desarmonia com a sua condição económica ou que, por motivos de economia geral, não têm ainda as suas receitas em correspondência com os encargos hoje exigidos para a satisfação de outra" necessidades primárias: não lhes impor bruscamente o aumento das rendas. Esta foi a política seguida em França desde a lei de 30 de Junho de 1929, como acima se disse.
O sistema que se apresenta como preferível à Câmara Corporativa, e que adiante aparece traduzido nos artigos 13.º a 20.º, atende às seguintes considerações fundamentais:
Em primeiro lugar, importa ter presente que se está perante dois problemas diversos.
Um, mais recente e mais geral, é o que respeita à desactualizarão das rendas verificada já depois do começo da guerra mundial de 1939-11940: toda as rendas que se encontravam fixadas - e quer estivessem actualizadas na altura em que a guerra começou, quer já então desactualizadas se mostrassem - sofreram nova e grave desactualização a partir de 1939, e especialmente a partir de 1942, mercê de circunstâncias que todos conhecem. O poder de compra da moeda baixou consideràvelmente, de forma que as situações do princípio da guerra, a esse tempo equilibradas, ou pelo menos estabilizadas, entraram em nova crise. Segundo o índice ponderado do custo da vida (alimentação e outros produtos de consumo doméstico em Lisboa), organizado pelo Instituto Nacional de Estatística, passou-se da, base média mensal de 100, relativa ao período de 1 de Julho de 1938 a 30 de Junho de 1939, para o índice de 187,9, em 1945, e para o índice de 207,9, nos primeiros dez meses de 1946. Segundo o índice dos preços por grosso, do Banco de Portugal, subiu-se, da base de 100, relativa a Junho de 1927, para 103,4 em 1939, 241 em 1945, e 237,1 nos referidos dez meses de 1940. Aumentaram os preços, aumentaram os salários, subiram em medida particularmente forte as despesas de conservação dos prédios, e as rendas mantiveram-se as mesmas. O contraste é flagrante.
Admitindo-se que no princípio da guerra, bem ou mal, as situações estavam de facto estabilizadas, há que
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26 Diário do Governo, 2.ª série, de 2 de Maio de 1928.