470-(26) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 83
esta lei foi recebida cora apreensões. Trasbot, comentando-a, escreveu: «Le fondement économique et juridique de la loi parait assez faible. Depuis que dês lois incessantes viennent prasque chaque année modifier lês conditions dês contraís de louage librement consentis, au profit tantót du locataire, tantôt ãu propriétaire, U nexiste plus aucun set&timent de sécurité dons lês loca-tions immobilières. Nest-il pás permis de croire que Ics conséquences économiques regrettables et durables de cette instabilité dans lês rapports juriMques Vem-portent de bcaucoup ser lês avantages momentances es-comptés et inême obtenus par cês lois?»35.
Ainda em França, mas só muito cautelosamente, se estabeleceram também limites de rendas de casas para habitação. Segundo a lei de 30 de Junho de 1929 (artigo 11.º), expirada uma prorrogação, não poderia, até 1 de Julho de 1939, arrendar-se de novo o prédio por uma renda superior em 300 por cento ou em 325 por cento do valor locativo em 1 de Agosto de 1914, mas esta limitação só dizia respeito aos prédios construídos até esta data 36.
A fixação do tipo legal de renda a que teriam de submeter-se em qualquer caso ambos os contraentes, e a pedido de qualquer deles, apareceu sobretudo nos países germânicos até à guerra de 1939. Na Áustria, em 26 de Janeiro de 1917, em relação apenas a certas cidades, e depois, em 20 de Janeiro de 1918 e 7 de Dezembro de 1922, em relação a todo o país. Na Alemanha em 24 de Março de 1922 e 20 de Fevereiro de 1928. Estas leis alemãs não se aplicavam contudo, é preciso acentuá-lo, aos contratos concluídos de novo por mais de dois anos sobre locais desocupados ou que se desocupassem depois de 31 de Março de 1928. Tratava-se portanto de um sistema afinal correspondente ao da renovação imposta ao senhorio, adoptado pela generalidade dos países.
Vê-se, pois, que nenhuma destas medidas resolveria o problema que hoje é posto no nosso País, porque ele diz respeito precisamente, ou sobretudo, às rendas novas. O problema dos abusos dos senhorios só ficaria resolvido se se fixassem limites para as rendas dos contratos futuros e quaisquer que fossem os prédios arrendados, à semelhança do que se tem feito para os géneros necessários à alimentação. Ora é essa limitação que à Câmara Corporativa se afigura impraticável, além de poder ter as mais nocivas consequências no ponto de vista económico, consequências que nenhuma das bis citadas deixou de considerar.
A mercadoria habitação não é uma mercadoria sujeita, pela sua própria natureza, como o milho, o trigo ou o azeite, a ser lançada forçadamente no mercado em tudo o que exceder as necessidades do produtor. Salvo casos raros, que só se verificam nos grandes centros e, com relevo, apenas em Lisboa, a casa tanto pode servir para arrendar como para habitação do proprietário ou de quem o proprietário quiser, a título gratuito. Não se trata, portanto, de uma mercadoria susceptível de um regime de stockage, paralelo ao adoptado para aqueles géneros, ou de qualquer espécie de mobilização seguida de arrendamentos forçados. Ainda se poderia pensar em onerar com tal encargo os prédios que uma vez tivessem sido arrendados ou que, pela própria natureza da construção, se mostrassem destinados a esse fim. Mas o nascimento de um simples ónus, em consequência de um prévio arrendamento, podia ter consequências graves 37.
Dir-se-á, porém: ao proprietário convém sempre arrendar, porque sempre é melhor receber a renda justa do que não receber nada. Não é esta a questão. E que, continuando a iniciativa do arrendamento a ter de pertencer ao proprietário, .não há possibilidade de fiscalizar e de evitar o mercado negro das habitações. As rendas ficariam mais baratas, é certo, porque o inquilino teria a garantia de uma vez celebrado o contrato, pagar a renda fixada na lei, mas ver-se-iam imediatamente instituídos os sistemas de luvas, de pagamento das chaves, de intermediários, das vendas fictícias de mobílias, etc., por mais severas, que fossem as sanções legais. Esses expedientes serviriam para compensar a diminuição da renda; os senhorios não sofriam, portanto, uma real diminuição dos seus lucros excessivos, e os inquilinos, em vez de suportarem o encargo de uma renda exagerada, teriam de suportar um dispêndio imediato de capital, o que podia ser muito pior, porque seria para muitos incomportável.
O Estado não tem meios de evitar este mal (e podia citar-se o exemplo de alguns Estados estrangeiros), bem pior do que o de um transitório agravamento de rendas. Apenas se poderia, com certo optimismo, pensar que, assim como há proprietários rústicos que entregam todo o seu milho e todo o seu trigo ao Estado para uma distribuição equitativa pela população, sempre alguns proprietários cumpririam a lei, e o problema, ao menos, ia-se resolvendo em mais um sector. Simplesmente parece que são antieducativos todos os sistemas jurídicos restritivos que só tenham aplicação aos homens honestos. Só como medidas de extrema necessidade se deverão, pois, adoptar.
E essa extrema necessidade parece não existir neste caso.
A crise é grave porque as rendas são em alguns centros exageradíssimas; mas a crise não é profunda. Não houve cidades destruídas pela guerra; o que houve, sobretudo, foi, a par do aumento da população, uma diminuição no movimento das construções durante a última guerra, que se acentuou sobretudo no ano de 1941, em Lisboa e no Porto, e em 1943, em Coimbra 38, e tudo leva a crer que esse déficit possa ser preenchido nos anos próximos com uma adequada política económica por parte do Estado e das câmaras municipais.
37 Não atendendo ao período da guerra e às medidas excepcionais que foi preciso tomar em alguns países em consequência das devastações ou das deslocações em massa, houve no entanto um pais - a Alemanha, não sabemos se único - que adoptou um sistema de arrendamentos obrigatórios. A lei de 26 de Julho de 1923 impôs aos proprietários o dever de comunicarem às autoridades da região a existência de locais do habitação não utilizados (§ 3-º)» podendo essas autoridades obrigar, dentro de um prazo prudente, o proprietário ou usufrutuário a celebrar um contrato de arrendamento com pessoas necessitadas de habitação. Esta lei, todavia, não se aplicava aos novos edifícios (§ 12.º) nem às moradias caras, nem às casas existontus em povoações com monos de 15:000 habitantes.
38 Prédios para habitações construídos nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra e número de pavimentos:
35 Em Dalloz, Zoe. cit.
38 Aquele prazo foi prorrogado até 1 de Junho de 1939, pelo " " 31 de Dezembro de 1937. Esta matéria foi re-
artigo 9.º da lei de 31 de Dezembro de 1937. Esta matéria foi regulada ainda por leis posteriores, que continuaram a referir-se aos prédios antigos ou aos casos de prorrogação que tivessem expirado em virtude dessa lei (vide sobretudo leis de 28 de Fevereiro de 1941 e 30 de Março de 1943, já em pleno período de guerra).
[ver tabela na imagem]