5 DE FEVEREIRO DE 1941 470-(31)
que o primeiro arrendatário figura como senhorio e o sublocatário como segundo arrendatário; noutra substitui-se a pessoa do arrendatário por outra que vem ocupar na relação jurídica a posição daquela. Simplesmente, a transmissão ou cessão do arrendamento não é permitida por negócios jurídicos intervivos, sendo para todos os efeitos havida como sublocação. E a própria lei, no § único do artigo 91.º do decreto n.º 5:411, que equipara as duas figuras, e com a referência no novo texto à cessão pode parecer que se pretende de alguma maneira autonomizá-la, criando-se uma figura que não deve existir senão nos domínios dos traspasses de estabelecimentos comerciais ou industriais. A autonomia dessa figura caracterizar-se-ia praticamente pelo facto de ficar o senhorio obrigado a receber directamente as rendas do cessionário, que seria para futuro havido como arrendatário directo.
CAPITULO VI
Recebimento de «chave»
32. Destino da multa. - Ao dispor-se no artigo 15.º do projecto que «o recebimento de chave para habitação continuará a ser punido nos termos do artigo 110.º do decreto n.º 5:411, mas o dobro da quantia recebida não será restituído ao sublocatário e reverte para o fundo mencionado», pretendeu-se, como é óbvio, simplesmente obter uma receita para o fundo de indemnizações dos senhorios. Eliminando-se no fundo, como se sugere, este artigo deve ser eliminado.
CAPITULO VII
Direito de preferência dos arrendatários na alienação dos prédios
33. O direito de preferência em relação aos prédios para habitação. - O artigo 16.º do projecto contém uma importante inovação em matéria de direitos de preferência resultantes do contrato de arrendamento ao conferir esse direito aos arrendatários e prédios destinados a habitação. Hoje, de uma maneira geral, só os arrendamentos para comércio ou indústria dão lugar à preferência nas vendas, nos termos do artigo 11.º da lei n.º 1:662.
É de parecer a Câmara Corporativa que esta inovação não deve ser aprovada.
O direito de preferência, quando direito real de aquisição, implica uma séria restrição ao direito de propriedade e, além disso, embaraça gravemente o comércio jurídico. Por isso esse direito tem carácter muito excepcional em todos os sistemas legislativos, sendo admitido apenas naqueles casos em que, acima de um interesse privado a satisfazer, há o interesse público em pôr termo a uma situação inconveniente sob o ponto de vista económico ou social. É deste meio que em geral as legislações se servem para reagir contra os condomínios e as figuras chamadas entre nós propriedades imperfeitas ou contra certos ónus ou restrições que prejudicam o livre ou melhor aproveitamento das coisas.
A nossa lei, em confronto com as legislações estrangeiras, é já bastante fértil neste domínio dos direitos de preferência. Haverá razões para ir mais longe ainda? Pensa a Câmara Corporativa que não.
Anteriormente ao Código Civil, e à parte o exercício dos direitos de avoenga, de carácter puramente familiar, apenas se admitia um caso de direito de preferência ou de opção: o conferido aos senhorios directos em relação às alienações do domínio útil (Ordenações, liv. IV, tít. 38). O Código criou vários: no artigo 1566.º, em matéria de alienação de quotas de coisas indivisíveis; nos artigos 1678.º e 1703.º, em relação às alienações do domínio útil e do domínio directo, e no artigo 2195.º, em matéria de quinhões. Em leis posteriores, tanto públicas como privadas, tem sido criados a todo o propósito direitos reais de preferência, dos quais alguns se encontram hoje regulados no Código Civil, onde foram introduzidos pela reforma de 1930.
A linha geral do pensamento do legislador tem-se mantido, no entanto, fiel ao princípio acima enunciado, de que só interesses económicos ou sociais, e portanto a inconveniência de certas situações jurídicas, justificam a atribuição de direitos de preferência como meio de lhes pôr termo.
Em matéria de arrendamentos há já, pelo menos, onze casos de preferência. Alguns não têm, porém, relevo jurídico, porque são determinados por motivos particulares que não interessam à construção do instituto (bairro da Ajuda, prédios do Estado, prédios construídos por associações de socorros mútuos, caixas de reforma e caixas económicas); outros não importam para a apreciação deste artigo do projecto, porque dizem respeito apenas aos arrendamentos por tempo superior a dez anos e tem em vista evitar que, por fraude, se dê a forma de arrendamento a longo prazo a uma alienação perpétua quando sobre essa alienação alguém possa exercer direitos de preferência; outro ainda do respeito ao traspasse do estabelecimento comercial. Da natureza do conferido no artigo 16.º do projecto há apenas um - o do artigo 11.º da lei n.º 1:662 -, que preceitua: «O principal locatário, comercial ou industrial, de prédio urbano pode usar do direito de opção, nos termos da legislação geral, quando o senhorio vender o prédio. § único. Se o principal locatário não puder ou não quiser usar desse direito, poderá usá-lo qualquer dos outros locatários, pela ordem decrescente das rendas».
Pelo projecto, atribuindo-se ainda o direito de preferência ao locatário do prédio onde se encontre instalado um estabelecimento comercial ou industrial, ele é atribuído também aos locatários de prédios arrendados para habitação.
A faculdade conferida pelo artigo 11.º da lei n.º 1:662 tem sido discutida, mas os autores procuram justificá-la dentro da índole geral do direito de preferência. A situação do prédio arrendado para um estabelecimento comercial ou industrial é muito semelhante à de uma propriedade imperfeita. Claro que, no rigor dos princípios, não há fraccionamento do domínio, pois o prédio pertence exclusivamente ao senhorio, sendo meros direitos de crédito os direitos de uso e fruição atribuídos ao arrendatário. Mas, de facto, desde que o legislador impõe àquele a renovação do contrato, desde que não se extingue o vínculo nem por morte de um nem por morte do outro, e sobretudo desde que é admitido livremente o traspasse e se reconhecem em certos casos aos inquilinos direitos sobre a mais valia do prédio, tudo aparece, afinal, como se existisse um fraccionamento perpétuo do direito de propriedade.
Em relação aos arrendamentos de casas destinadas a habitação as coisas passam-se de maneira muito diferente. Basta não se admitir o traspasse ou a cessão do direito ao arrendamento por negócio jurídico inter vivos nem o direito a indemnização pelo termo do arrendamento para a diferença ser sensível, vincando-se mais fortemente a natureza obrigacional do contrato, e isso parece ser o bastante para não se dever atribuir ao locatário, neste caso, o direito de preferência.
Deve notar-se que já é preciso forçar o rigor das situações jurídicas e atender antes às realidades para considerar legítimo o direito de preferência nos arrendamentos mercantis. Ora, é da economia do projecto, aliás revelada em várias das disposições a que se tem feito