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referência, e sobretudo na do artigo 17.º, a que se fará referência a seguir, o aproximar o contrato da sua natureza originária, isto é, de contrato criador de meros vínculos obrigacionais. Sobretudo, o carácter de quase perpetuidade que actualmente tem, e que o aproxima de uma verdadeira enfiteuse, é profundamente atingido, e isso parece que devia conduzir antes a uma revisão da doutrina do artigo 11.º da lei n.º 1:662, e não a uma ampliação do direito de preferência 40.
É a isto que conduz a lógica dos princípios. E parece que também a lógica dos factos.
A doutrina nova do artigo 16.º é, realmente, inconveniente sob vários aspectos.
Em primeiro lugar, e ao contrário do que acontece, nos casos de preferência admitidos pelo Código Civil, não há nos arrendamentos uma situação anómala que à lei caiba permitir, mas não proteger. O arrendamento importa uma situação normal, porque todos carecem de uma habitação e nem todos possuem ou podem possuir uma casa. É, pois, uma situação que o legislador não tem que contrariar, porque não é socialmente inconveniente, e o direito de preferência conferido sómente para proteger interesses privados não tem justificação. Não se esqueça que ele constitui uma grave restrição ao direito de propriedade, e que todas as restrições ou são impostas pelo interesse público ou pelas relações de vizinhança. Não há outras no nosso direito.
Mas os inconvenientes sobressairiam ainda sob outros aspectos: o proprietário teria de obter, para que pudesse alienar o prédio «em o perigo de uma acção de preferência, uma renúncia por escrito do arrendatário. Não renunciando o arrendatário, seria preciso notificá-lo judicialmente. Ora tudo isto demoraria, e às vezes há urgência em efectuar uma transacção; as notificações custam dinheiro, e só um prédio pode ter dez ou vinte inquilinos; as preferências diminuem o valor da propriedade, e os capitais destinados a construções precisam de ser protegidos e não afugentados.
Se se persistisse, pois, na ideia de que não há motivo para distinguir entre arrendamentos para fins comerciais e arrendamentos para habitação, a Câmara Corporativa entenderia então, ser preferível revogar o artigo 11.º da lei n.º 1:662, e o correspondente § único do artigo 9.º da mesma lei, a atribuir o direito de preferência neste caso.
34. O direito de preferencia em relação a prédios destinados ao comércio ou à indústria. - Mantido o direito de preferência em matéria de arrendamentos para comércio ou indústria - mais pela razão, tantas vezes invocada pelos jurisconsultos do século passado, de que é absolutamente necessário não alterar as leis quando não seja absolutamente necessário modificá-las, do que por qualquer outra -, é de parecer a Câmara Corporativa que o artigo 16.º deve ser aprovado, eliminadas as referências, no corpo do artigo e no § 3.º, aos arrendamentos para habitação e feitas algumas outras modificações.
No corpo do artigo atribui-se o direito de preferência no caso de venda particular ou judicial. Deixa-se em branco uma questão que se tem suscitado à volta, sobretudo, do artigo 1566.º do Código Civil, e que é a de saber se a dação em pagamento de uma obrigação pecuniária importa igualmente a possibilidade da preferência. Em regra o Código Civil faz referência aos dois actos (artigos 1678.º, 1703.º e 2195.º), mas naquele caso, como em matéria de arrendamento, apenas se refere ao contrato de venda, e tem havido necessidade de atribuir à dação em pagamento uma natureza distinta da que rigorosamente comporta, para justificar a melhor solução, que é a de equiparar os dois negócios jurídicos. É, pois, preferível, a deixar-se uma dúvida em aberto, resolvê-la expressamente.
A referência à venda judicial parece ser inteiramente inútil. Antes da publicação do Código de Processo Civil de 1939 era de duvidar se no caso de venda judicial se mantinha o direito de preferência, e isto porque o artigo 848.º do Código de 1876 mencionava os preferentes que deviam ser citados para a praça, e nessa enumeração, feita em harmonia com o Código Civil, não se indicavam os arrendatários de prédios destinados ao comércio ou indústria, nem outros, cujos direitos só foram reconhecidos depois de 1876. Hoje, porém, não são possíveis quaisquer dúvidas em face do artigo 892.º do novo Código, que preceitua: «As pessoas a quem a lei reconhecer o direito de preferência (trata-se evidentemente da lei substantiva) serão notificadas do dia e hora da arrematação ou dia e hora da entrega dos bens ao proponente para poderem exercer o seu direito no acto da praça ou da adjudicação».
Em relação à venda judicial, dispõe-se no § 2.º do artigo 16.º do projecto que «todos os arrendatários serão citados para assistirem aos termas do processo, sob pena de nulidade». Também se compreende mal este preceito, em face do citado artigo 892.º do Código de Processo. A exigência da citação para os termos do processo parece implicar a exigência de uma citação para os termos da acção ou da execução, o que não é necessário. O único interesse em causa, do arrendatário, é o da preferência, se vier a efectivar-se a venda judicial, e, portanto, não há senão que o notificar, nos termos prescritos no Código, para a arrematação ou para o dia da entrega dos bens ao proponente.
Também não se compreende a razão da nulidade neste caso especial de arrendamento. Em qualquer outro caso de direito de preferência, e quer se trate de venda particular ou judicial, a única consequência que resulta da falta de notificação é o preferente poder vir exercer o seu direito dentro de certo prazo. Dispõe, na verdade, o § único daquele artigo que «a falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular». E na venda particular, em todos os casos de preferência (§ 4.º do artigo 1566.º do Código Civil), o interessado pode «haver para si a parte vendida a estranhos, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que tenha conhecimento da venda, depositando, antes de efectuada a entrega, o preço que, segundo as condições do contrato, estiver pago ou vencido». E este o processo mais simples de salvaguardar os interesses dos preferentes, não havendo necessidade de anular a praça,
40 O autor do projecto sustentou de jure constituendo a doutrina que ora se contém no artigo 16.º, relativamente aos arrendamentos para habitação, na Revista dos Tribunais (ano 46.º, p. 177), escrevendo: «Já se disse que o direito de preferência de que nos estamos ocupando devia ser aplicado aos arrendatários de habitação. Não vemos inconveniente em que essa ampliação se faça, pois, na verdade, as razões que determinam o arrendatário a exercer o direito de preferência - por vezes motivos de ordem sentimental - existem talvez em maior grau no inquilinato de habitação. E, se é certo que pode considerar-se ao presente quase igual a protecção dispensada a todos os arrendatários, desde que cessem as disposições transitórias que regulam o contrato de arrendamento, voltariam a ser os arrendatários comerciais e industriais muito mais favorecidos e portanto os que menos necessidade têm de se valer da preferência para se furtarem à acção do senhorio, aliás mais platónica do que real».