470-(34) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 83
trário, a de ampliar, e não a de limitar, os fundamentos do despejo.
O Código Civil admitia apenas dois - falta de pagamento de renda e uso do prédio para fim diverso daquele que lhe é próprio ou para que foi arrendado (artigo 1607.º). O decreto n.º 5:411 veio acrescentar a estes um outro fundamento - o de necessitar o prédio obras indispensáveis e urgentes (artigo 21.º). A lei n.º 1:662 fez uma enumeração muito mais larga no artigo 5.º, e outros têm aparecido em diplomas posteriores. A causa destas ampliações tem sido a proibição do despejo para o fim do prazo do arrendamento. Compreende-se que, sendo imposta ao senhorio a renovação do contrato, se lhe procurem assegurar por outros meios os seus direitos sobre o prédio, tornando-lhe mais acessível a acção de despejo imediato.
O que importa, pois, desde que se mantém a proibição de requerer o despejo para o fim do prazo, é ampliar ainda (e neste sentido concorda a Câmara Corporativa com a economia do projecto), mas através de uma especificação, os casos de despejo imediato, para se não cair no princípio praticamente inaplicável do artigo 709.º do Código Civil 45.
E que fundamentos novos devem ser previstos?
É difícil fazer uma previsão completa de causas justas. Podem, no entanto, referir-se algumas, sem que se negue a possibilidade da existência de outras.
Assim, entende a Câmara Corporativa que, à semelhança do que se passa no usufruto, deve admitir-se o despejo imediato do prédio se o arrendatário fizer dele mau uso, de forma a prejudicar consideràvelmente o proprietário 46. Trata-se de um direito que era facultado pelas Ordenações, "quando o alugador usa mal da casa, assi como danificando-a, ou usando nella de algus actos illicitos, e deshonestos, ou dannosos á casa" 47, e que é reconhecido também em leis estrangeiras.
No texto sugerido pela Câmara Corporativa inseriu-se precisamente a fórmula do artigo 2249.º do Código Civil, por já estar o seu significado fixado pela doutrina e pela jurisprudência.
Não em sentido muito diferente, mas certamente mais impreciso, se exprime a lei francesa de 9 de Março de 1918, ao dizer que há fundamento para a rescisão se "le locataire ne jouit pas des lieux loués en bon père de famille".
Outro fundamento justo é o de o arrendatário se ter comprometido a fazer obras e não cumprir essa obrigação. Por mais absurdo que isso pareça, o que é certo é que, dado o artigo 5º da lei n.º 1:662, parece que está hoje vedado ao senhorio obter a rescisão do contrato por este fundamento e é-lhe sempre muito difícil conseguir por meios judiciais o cumprimento desta obrigação.
O terceiro fundamento sugerido é o de ser inerente no contrato de arrendamento a obrigação para o arrendatário de prestar serviços pessoais e estes deixarem, por qualquer causa, de ser prestados. Não se trata de matéria nova. Pelo artigo 1.º do decreto n.º 13:980, de 25 de Julho de 1937, e não se consideram abrangidas pelas disposições de quaisquer diplomas que regulam o contrato de arrendamento de prédios urbanos as concessões de habitação feitas pelas empresas agrícolas ou industriais, individuais ou colectivas, ao pessoal nelas empregado, quer as habitações concedidas sejam em edifícios pertencentes às empresas, quer arrendadas por estas". E acrescenta-se no artigo 2.º: e As concessões de habitação feitas nos termos do artigo antecedente durarão enquanto vigorar o contrato de prestação de serviços" 48. Trata-se, portanto, agora de generalizar este preceito a concessões de casas para outros fins que não sejam agrícolas ou industriais. Nas cidades de Lisboa e Porto o problema põe-se sobretudo em relação àqueles indivíduos a quem são fornecidos aposentos para o exercício das funções de porteiro.
E, por outro lado, a providência é particularmente aconselhável, desde que se vá, como o projecto propõe, para a solução de o arrendamento poder ser celebrado sem título escrito.
Além da admissão de fundamentos novos, entende a Câmara Corporativa ser indispensável regular melhor um dos fundamentos já existentes - o de ser indevidamente aplicado o prédio ao exercício de indústria.
A lei n.º 1:662 faculta, no § 7.º do artigo 5.º, a acção de despejo imediato "quando, sendo o prédio arrendado para habitação, for aplicado... ao exercício de qualquer comércio ou indústria". E o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1929 (Diário do Governo de 5 de Fevereiro seguinte) dispõe que "há uso do prédio para fim diverso do convencionado quando, tendo sido arrendado para habitação, nele for exercida a indústria de casa de hóspedes ou pensão".
Dado que um dos mais frequentes abusos na aplicação do prédio a fim diverso do convencionado está no exercício habitual do contrato de albergaria ou pousada, do qual o arrendatário aufere consideráveis proventos, ao mesmo tempo que se aproveita do regime de fixação de baixas rendas estabelecido para o inquilinato habitacional, compreende-se o interesse que tem definir-se quando esse exercício constitui indústria, em termos de evitar que a protecção da lei seja concedida a situações que não a merecem. Nem se deve esquecer que a existência generalizada de hóspedes traz reais prejuízos ao senhorio, já no que respeita à conservação da casa, já pelo que toca à categoria do prédio.
Ora acontece que as disposições da lei n.º 1:662 e do assento de 1929 tem sido interpretadas de modo demasiado amplo. Designadamente já se tem entendido que o exercício de indústria de casa de hóspedes ou de pensão só existe quando a prestação de albergaria ou pou-
45 No projecto Pinto Loureiro continha-se uma disposição que praticamente conduzia à solução do projecto. O n.º 4.º do artigo 41.º exprimia-se assim: "Em quaisquer outros casos em que esse direito (despejo imediato) seja expressamente reconhecido por lei ou convenção". Esse artigo mereceu o seguinte comentário do Prof. Dr. Alberto dos Reis: "Sou de parecer que a violação de uma cláusula especial do contrato só deve ser causa de despedimento imediato quando com tal violação se altere profundamente a economia do contrato ou se façam sofrer ao locador prejuízos consideráveis. Não se compreende que o contrato se interrompa e rescinda por qualquer falta ligeira e insignificante cometida pelo locatário. Porém, desde que a transgressão praticada por este exponha o locador a prejuízos avultados ou se destrua o equilíbrio do contrato, é de justiça que possa conduzir à rescisão imediata, quer se lhe tenha convencionalmente atribuído tal efeito, quer não tenha. Não é possível obter uma fórmula de tal modo precisa que evite o arbítrio do julgador. Em face de cada caso concreto competirá ao tribunal decidir se a infracção deve ou não, pela sua gravidade, provocar a rescisão imediata do contrato. Pode, pois, o n.º 4.º ficar redigido nestes termos: "Quando o locatário infringir alguma cláusula especial do contrato, se a infracção for suficientemente grave para justificar a rescisão imediata da locação".
É precisamente este arbítrio do tribunal que à Câmara Corporativa parece ser fundamental evitar. Trata-se de matéria que pela sua gravidade deve ser regulada em normas de direito estrito.
46 Cf. artigo 2249.º do Código Civil, assim redigido: "O usufruto não se extingue, ainda que o usufrutuário, faça mau uso da coisa usufruída; mas, se o abuso se torna consideràvelmente prejudicial ao proprietário, poderá este requerer que se lhe entregue a coisa...".
47 Loc. cit.
48 Ainda outras aplicações do mesmo princípio se encontram na nossa lei, em relação, por exemplo, a casas fornecidas aos funcionários públicos (decreto n.º 20:181, de 24 de Julho de 1981, artigo 3.º, § 4.º), a empregados ferroviários (decreto n.º 11:928, de 21 de Julho de 1926), etc.