5 DE FEVEREIRO DE 1947 470-(37)
abandonar em prazos curtos os edifícios em que se encontram instalados. As perturbações não seriam menos graves aqui do que em matéria de habitação ou em relação aos prédios destinados ao comércio ou à indústria 51.
Nestas condições, é de parecer a Câmara Corporativa que essa excepção não deve ser admitida.
40. Necessidade do prédio para habitação do arrendatário ou de sua família. - À excepção 4.ª prevista no projecto é a de necessitar o senhorio da casa para sua habitação ou para a de seus descendentes ou ascendentes. Trata-se de um fundamento para o despejo no fim do prazo, que não existe na nossa legislação actual e que, no entanto, tem sido admitido na generalidade das legislações estrangeiras 52 e que era admitido também pelas nossas Ordenações como um dos fundamentos de despejo imediato 53.
A medida proposta reveste-se do maior alcance e não pode pôr-se em dúvida, num ponto de vista jurídico ou social, a sua oportunidade e o fundo de justiça em que se inspira. Havendo colisão entre os interesses do proprietário e os do arrendatário, pelo que respeita ao uso do prédio, e depois de respeitado o prazo convencionado, aqueles devem prevalecer sobre estes, e isto partindo já do pressuposto de que nenhum deles tem outra casa em condições de habitabilidade, porque, segundo a lei vigente, pode até dar-se o caso de ter o arrendatário outros prédios disponíveis, sem que o senhorio possa obter a entrega do seu.
Encarado o problema num aspecto mais geral, também é de reconhecer que é ilusória a vantagem resultante do regime actualmente em vigor. Protege-se, é certo, o arrendatário contra a crise da falta de habitações, mas deixa-se o senhorio, que também não tem casa, sem protecção e sujeito portanto à mesma crise. Fica pois a questão por resolver, num ponto de vista social. Dá-se apenas preferência a um dos sujeitos em relação ao outro e dá-se a preferência àquele que juridicamente menos a merece, por ser mero inquilino do prédio.
O artigo 6.º da lei n.º 1:662 contém doutrina paralela à do projecto em relação às partes de casa arrendadas por associações de socorros mútuos, hospitais, Misericórdias, asilos e outros institutos de beneficência legalmente reconhecidos que careçam da parte arrendada para ampliação das suas instalações. Neste artigo domina, porém, mais o interesse público do que o interesse do senhorio em oposição ao do inquilino. Tanto assim que cessa o direito de despejar a parte arrendada quando o arrendatário seja também associação, hospital, Misericórdia, asilo ou outro instituto que preste assistência e esteja legalmente reconhecido (§ 3.º).
Também no projecto Pinto Loureiro se admitia a solução proposta (artigo 137.º), e até o despejo imediato quando o arrendamento devesse ainda durar mais de um ano (artigo 81.º).
Entende a Câmara Corporativa, pelas razões expostas, que deve ser aprovada a excepção 4.ª do § 1.º do artigo 17.º Atendendo, porém, às circunstâncias especiais que se verificam e à impossibilidade de o arrendatário prever a sua saída do prédio, é de preceituar que não deve, neste caso, o aviso para o despejo ser feito apenas com a antecedência prescrita no artigo 970.º do Código de Processo Civil, mas sempre com uma antecedência não inferior a três meses, para que o arrendatário tenha tempo de tomar providências respeitantes ao seu futuro alojamento.
No projecto estabelece-se uma sanção para o caso de o senhorio, obtido o despejo, não aplicar o prédio ao destino devido. Torna-se realmente necessário prescrever uma penalidade. Mas qual?
A solução da multa a reverter para o fundo das indemnizações tem de ser sacrificada, e a sua reversão para o Estado também não resolve o problema, pelas razões já enunciadas a propósito do § 5.º do artigo 4.º do projecto. Na nossa lei regula-se um caso paralelo no § 2.º do artigo 6.º da lei n.º 1:662. O inquilino despejado tem o direito de reocupar o prédio quando o senhorio lha não dê dentro de um ano a aplicação prevista naquele artigo. Esta é uma solução razoável, mas não é suficiente. O proprietário poderia esperar a oportunidade de ao ex-arrendatário já não convir a reocupação para arrendar de novo o prédio. Parece, pois, preferível, sem prejuízo deste direito, manter uma multa e fazê-la reverter para o ex-arrendatário a título de indemnização 54.
A multa, segundo o projecto, será equivalente ao rendimento colectável de três anos. Desde que ela reverta para o ex-arrendatário e desde que a este seja conferido também o direito de reocupação, aqueles três anos devem ser reduzidos. Sugere-se adiante uma multa correspondente a dois anos do rendimento colectável.
Mas em que casos deve ser paga a multa e conferido o direito de reocupação?
Segundo o projecto, é necessário que se dê de arrendamento o prédio nos cinco anos posteriores ao despejo. Aquele requisito de dar de arrendamento o prédio não é conveniente, por várias razões: em primeiro lugar, permite fraudes, podendo ser difícil ao ex-arrendatário provar a existência de um novo arrendamento; em segundo lugar, parece não dever ser preciso arrendar de novo o prédio, bastando que se lhe não dê uma das aplicações previstas na excepção 4.ª; por último, pode haver um arrendamento e não se deverem aplicar as sanções - arrendamentos aos ascendentes ou descendentes. Por tudo isto parece preferível exigir, não um novo arrendamento, mas um destino diferente do previsto na lei, ou o ter o proprietário o prédio desabitado durante mais de um ano, à semelhança do preceituado no § 2.º do artigo 6.º da lei n.º 1:662.
Não se previu no projecto uma hipótese em que a multa não deve ser aplicada: a de por circunstâncias supervenientes, deixar o arrendatário ou deixarem as pessoas de sua família de precisar da casa. Pode, inclusivamente, morrer a pessoa que se propunha habitá-la e pode, em muitos casos, sobrevir uma deslocação forçada não prevista à data do despejo. Em qualquer destes casos impõe-se uma única solução: libertar o pro-
51 As tendências na legislação estrangeira são para equiparar os arrendamentos feitos ao Estado aos arrendamentos para habitação. Vide, por exemplo, a lei francesa de 1 de Abril de 1926 e depois, mais largamente, a lei de 30 de Junho de 1929.
52 O artigo 5.º da lei francesa de 13 de Junho de 1933 dispõe: "le propriétaire aura le droit de refuser tout rénouvellement du bail lorsqu'il reprendra les locaux loués, soit pour les occuper lui-même, soit pour les faire occuper par son conjoint, ses descendants, ses ascendants ou leurs conjoints. Também a lei espanhola de 18 de Dezembro de 1924 atribui o mesmo direito ao arrendatário, para si, seus descendentes ou ascendentes, ou para estabelecer na casa a sua própria indústria (artigo 5.º, alínea c).
53 "O quarto he quando o senhor da casa por algum caso que de novo lhe sobreveio, a ha mister para morar nella, ou para algum seu filho, irmão ou irmã, porque nestes casos poderão lançar o alugador fora durante o tempo do aluguer, pois lhe he tão necessária, pelo caso que de novo lhe sobreveio, do que não tinha razão de cuidar ao tempo que a alugou". (Liv. IV, tít. XXIV).
54 Esta solução encontra-se no § único do artigo 81.º do projecto Pinto Loureiro, assim redigido: "Se o senhorio der ao prédio destino diferente daquele que motiva a rescisão, o arrendatário prejudicado terá o direito de reocupar o prédio e de exigir indemnização de perdas e danos, nunca inferior à importância correspondente a dois anos da renda que pagava".