470-(42) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 83
cão, justificada pelo Prof. Dr. Alberto dos reis, nas seguintes palavras 64: "Se realmente o arrendatário está em mora e não tem outro meio honesto de obstar ao despejo senão o depósito do triplo da renda, não faz sentido que, além de oferecer a prova do depósito, deduza contestação. Esta seria em tal caso um acto desairoso, que poderia até sujeitar o réu a condenação como litigante de má fé. A única atitude correcta do réu é reconhecer que está em mora e procurar fugir ao despejo mediante o depósito do triplo. Mas reconhecer que está em mora é precisamente o contrário de contestar a acção".
Ainda uma outra questão, de grande importância, deve ser encarada. Deixando o arrendatário de pagar, por facto que lhe seja imputável, a renda relativa a certo mês, ficará o senhorio com o direito de recusar o recebimento das rendas simples dos meses seguintes?
A questão comporta, em princípio, diferentes soluções:
a) A de o senhorio dever receber as rendas simples relativas aos meses seguintes, se o arrendatário as oferecer dentro do prazo de pagamento de cada mês. Nesta solução, o senhorio conservaria, não obstante dever receber as rendas simples ulteriores, o seu direito de requerer o despejo com base na falta de pagamento da renda anterior, a menos que o arrendatário pagasse ou depositasse o triplo;
b) A solução de o senhorio poder legitimamente recusar o recebimento de quaisquer rendas simples relativas aos meses seguintes, mesmo que oferecidas dentro do prazo de pagamento de cada mês, enquanto não estiver pago ou depositado o triplo das rendas anteriores em falta; mas, logo que este pagamento ou depósito se dê, a mecânica do contrato entra em normalidade, e as rendas que ao diante se forem vencendo deverão ser recebidas em singelo, como se nunca tivesse havido falta de pagamento, e isto quer não haja ainda pendente acção de despejo, quer esteja esta já intentada. Neste último caso, o efeito do pagamento do triplo de todas as rendas em dívida será, naturalmente, pôr termo à acção, cuja continuação seria inútil. O efeito do depósito do triplo dessas rendas variará: se o depósito for definitivo, porá fim à acção; se for condicional (e noutro lugar trataremos desta espécie de depósito), a acção deverá prosseguir, paira se apurar quem tem razão quanto à falta de pagamento de renda que serviu de base à acção, mas o arrendatário fica com a segurança de que não será proferida sentença de despejo. Ou se apurará ter razão o arrendatário, e o senhorio nada mais poderá que pagar-se das rendas simples em dívida; ou se chegará à conclusão de ter razão o senhorio, e a acção será julgada procedente, recebendo o senhorio o triplo das rendas que está em depósito e continuando o arrendatário na casa. - Pela presente solução, é o facto de o triplo ser pago ou depositado, definitiva ou condicionalmente, que decide do regime a aplicar. Até o pagamento ou depósito do triplo, a falta persiste, e as novas rendas recusadas consideram-se também faltosas. Efectuado o pagamento ou depósito do triplo, a situação regularizou-se, e as rendas que depois se vencerem entram no regime normal. - Por outro lado, pode o senhorio em qualquer altura, antes do pagamento ou depósito do triplo, receber qualquer renda simples que lhe seja oferecida, se quiser. Com esse recebimento não perde o direito de obter o despejo ou haver o triplo de todas as outras rendas em falta, e só deixa de poder exigir em triplicado a própria renda que consinta em embolsar;
c) Terceira solução possível está em se entender que, uma vez não paga a renda de certo mês, o senhorio tem o direito de recusar-se a receber as rendas dos meses seguintes e, mais, deve recusá-las se quiser manter o direito de obter o despejo ou receber o triplo. Consequentemente, terá o arrendatário de pagar ou depositar o triplo de todas as rendas até o julgamento definitivo da acção de despejo.
E, além destas soluções, outras ainda se podem gizar, sobretudo combinando alguns dos elementos expostos. Basta, por exemplo, retirar à segunda solução a possibilidade de o arrendatário fazer depósito condicional do triplo das rendas em falta, para logo o teor efectivo da solução se tornar bem diferente.
Qual é a posição tomada pelo projecto de lei? Não parece fácil dizê-lo com segurança. O corpo do artigo 19.º - no passo em que fala do depósito do "triplo das rendas em cuja falta de pagamento a acção se funda e das vencidas durante ela" - inculca ter-se querido afastar a primeira solução e talvez adoptar a terceira ou, quando muito, a segunda.
Mas já o § 4.º do mesmo artigo 14.º, na sua parte final, pode propender para a primeira solução, ao ventilar a hipótese de a acção de despejo por falta de pagamento de rendas ser julgada procedente e prescrever que nessa hipótese "o senhorio levantará o triplo das rendas vencidas quando da propositura da acção e as rendas simples que o arrendatário deve ter depositado...".
Seja como for, o problema necessita de ser resolvido e em termos nítidos.
Considera a Câmara Corporativa que das soluções apresentadas se impõe adoptar a segunda. Por isso mesmo ficou ela já exposta com maior desenvolvimento, que permite ajuizar do seu alcance e do seu valor.
O ponto capital é este: enquanto houver uma renda indevidamente por pagar, e a respectiva falta não estiver sanada (pelo pagamento do triplo, ou pelo menos pelo seu efectivo depósito), não se deve impor ao senhorio o dever de receber rendas simples ulteriores. A situação de falta está em aberto, é estende-se aos meses seguintes, afecta-os, afecta a própria relação de arrendamento no seu todo, enquanto o remédio de pagar ou depositar o triplo não for empregado.
Há uma renda por pagar, o arrendatário encontra-se em plena infracção do contrato. Desta infracção nasce para o senhorio o direito de fazer cessar o arrendamento, e o direito de considerar, portanto, que o contrato está em crise. Tem o arrendatário a faculdade de redimir a falta, entrando com o triplo da quantia faltosa? Pois que se prevaleça desta faculdade - que não existe noutros contratos sinalagmáticos - e pague ou deposite efectivamente esse triplo. Porém a mera possibilidade de vir a usar de tal faculdade não pode ser bastante para tornar curiais e regulares os pagamentos das rendas simples ulteriores.
Está uma renda em dívida; para não se consumar o despejo será necessário o pagamento dela em triplo. Tanto basta para que qualquer pagamento que no mês seguinte o arrendatário queira efectuar deva ser imputado, antes de mais nada, na satisfação dessa divida pendente, e não deslocado para a nova prestação de renda que a esse mês seguinte corresponde. Enquanto houver uma renda em dívida, é essa renda que deve ser paga, e não outra posterior. A regularização tem de começar pelas situações mais antigas.
E, na prática das relações entre senhorios e arrendatários, mostra-se cheia de injustos inconvenientes a solução de permitir que a falta se localize em determinada renda pretérita, continuando regulares os pá-gamentoís de rendas seguintes, independentemente do pagamento e sanação daquela falta. O caso pode repe-
64 Revista cif., p. 229.