5 DE FEVEREIRO DE 1947 470-(43)
tir-se uma e mais vezes, criando-se, no fluir das relações de arrendamento, diversas irregulares situações de dívida de renda, que a todo o tempo podem ser regularizadas por meio de pagamento do respectivo triplo, e que por isso mesmo não serão de facto regularizadas nem sequer liquidadas: o senhorio ir-se-á abstendo dos trabalhos, encargos e incertezas da acção de despejo, o inquilino ir-se-á habituando a deixar em branco uma outra renda, a instabilidade da situação agravar-se-á pouco a pouco, até que o montante das rendas em dívida, correspondendo já a quantia cujo triplo seja importante, acabe por levar o senhorio a recorrer aos meios judiciários.
A faculdade de sanar as faltas de pagamento da renda com o oferecimento do triplo constitui, de si mesma, uma regalia considerável para o inquilino, especialmente se se pensar em que o contrato vive em regime de renovação obrigatória e em que a actualização das rendas tem de realizar-se em ritmo muito brando. Que essa regalia seja concretamente utilizada logo que a falta de pagamento tenha ocorrido, e não se torne excessiva pela possibilidade de converter-se em instrumento de desorganização das relações contratuais normais e de fomento de insolúveis situações de dívida.
Agora, o reverso da medalha. Desde que o triplo das rendas em falta tenha sido pago ou depositado (e, no caso de depósito, este se torne conhecido do credor por meio de notificação), deixa de haver motivo para exigir novos pagamentos em triplicado e para prosseguir a acção de despejo. Restabeleceu-se a normalidade contratual, e retoma-se o ritmo do pagamento periódico e oportuno das rendas simples que se forem vencendo.
Isto, entenda-se, sem prejuízo do que já ficou dito sobre não dever ir além da fase da contestação, na acção de despejo, a faculdade de tudo sanar por meio da entrada do triplo.
Uma objecção poderia formular-se. Se o arrendatário estiver convencido de que não houve culpa sua quanto à falta de pagamento da renda, parece violento sujeitá-lo ao pagamento imediato do triplo dessa renda, se não quiser correr o risco de no julgamento final da acção de despejo, naturalmente sempre contingente, ver decretar contra si o despejo por causa de o tribunal ter formado convicção diversa.
A objecção não colhe. Assegurada ao arrendatário a faculdade de fazer o depósito condicional, e não definitivo, do triplo das rendas em falta, está totalmente afastado o inconveniente.
Assim se justifica, nas suas linhas gerais, o sistema que a Câmara Corporativa sugere nos artigos 37.º e 38.º do novo texto. Alguns outros pontos serão justificados mais adiante.
Pode, porém, perguntar-se: deve o regime exposto, relativamente às rendas vencidas durante a pendência da acção não pagas nem depositadas, substituir o regime do artigo 979.º do Código de Processo ou devem cumular-se os dois?
Parece, não obstante dominar hoje uma forte corrente em contrário, que não deve deixar de se admitir, neste caso de a acção se fundar na falta de pagamento de rendas, o direito de o senhorio obter o despejo imediato, nos termos daquele artigo.
É o único meio de evitar que o arrendatário fique com a faculdade de habitar o prédio sem pagar rendas até à sentença de despejo transitar em julgado, o que os nossos tribunais por vezes têm consentido. É certo que, julgada definitivamente a acção, o inquilino, para continuar no prédio, teria de pagar em triplicado todas as rendas em atraso (isto é, as rendas não pagas, posteriores à contestação); mas o que se pretende evitar é precisamente que ele continue a habitar o prédio gratuitamente quando tencione desocupá-lo a final, nos casos em que não tenha bens que assegurem uma indemnização ao proprietário.
Devem, portanto, manter-se as duas faculdades para o senhorio, no caso de o arrendatário deixar durante a pendência da acção de pagar nova renda: ou requerer o despejo imediato, nos termos do artigo 979.º do Código de Processo, e obrigar este a pagar ou depositar logo o triplo dessa renda, se quiser continuar no prédio, ou aguardar que mais tarde o arrendatário, para se livrar do despejo, voluntariamente faça o depósito desse triplo.
O pagamento das custas e verba de procuradoria prescrito no § 1.º do artigo 19.º já se impõe no § 3.º do artigo 978.º do Código de Processo Civil. Apenas se referem de novo, à parte algumas alterações de forma sem significado, as despesas de levantamento dos depósitos. É doutrina de aceitar e que se justifica por si.
45. Pagamento voluntário do triplo das rendas. - Dispõe o § 2.º do artigo 19.º que «é lícito ao arrendatário fazer o pagamento voluntário do triplo de qualquer renda que não tenha pago por sua culpa no prazo do depósito».
Esta solução, embora não expressamente formulada na lei vigente, é geralmente admitida. Se ao arrendatário é dado pôr termo ao despejo pagando o triplo das rendas em dívida, não faz sentido que seja obrigado a sujeitar-se a uma acção de despejo e ao pagamento de custas e honorários, só para ter uma oportunidade para efectuar esse pagamento. O inquilino, reconhecendo a dívida da renda em triplicado, deve ter a faculdade de oferecer logo o pagamento ao senhorio e, no caso de recusa deste, deve poder depositá-la, conforme se preceitua no § 3.º, para evitar mais encargos e despesas. Há neste caso duas moras: quanto ao pagamento da renda, há mora solvendi, que teve como sanção o pagamento do triplo; quanto ao pagamento do triplo, há mora accipiendi, que legitima o depósito. E este depósito terá como consequência, como se disse, evitar a acção de despejo.
Trata-se, pois, de um sistema lógico e justo, a que a Câmara Corporativa dá a sua concordância.
Previu-se no § 3.º como fundamento para o depósito do triplo apenas a recusa do senhorio em o receber. E evidente que a este caso devem juntar-se mais três dos previstos no artigo 759.º do Código Civil - se o credor não quiser dar quitação, se se tornar incapaz ou se se tornar incerto.
O prazo curto de cinco dias para se requerer a notificação é de aceitar, para que a tempo se evite a acção de despejo.
Feito o depósito e notificado o senhorio, nos termos do artigo 993.º do Código de Processo, pode este impugná-lo, invocando qualquer dos fundamentos do artigo 1026.º Esta matéria da impugnação do depósito do triplo tem sido muito discutida. A questão está, como se disse, resolvida no melhor sentido. Desde que nasce uma obrigação (pagamento do triplo), embora sob a forma de faculdade para o arrendatário para se livrar do despejo, essa obrigação deve ficar sujeita ao regime de todas as obrigações, só devendo facultar-se o depósito da prestação devida, como meio de lhe pôr termo, se se verificar algum dos casos do artigo 759.º Sendo assim, claro que deve admitir-se sempre, por parte do senhorio (credor), a impugnação, com o fundamento de que não houve culpa de sua parte no não cumprimento.
A razão invocada pelos autores que negam a possibilidade da impugnação do depósito está em correlação com princípios já acima comentados. Diz-se que não há obrigação para o senhorio de receber o triplo, e que,