5 DE FEVEREIRO DE 1947 470-(41)
positura da acção, e revogar-se o corpo do artigo 996.º do "Código de Processo, exceptuada a primeira parte da alínea 1). Simplesmemte, dada a quase impossibilidade de se fazer a prova de factos negativos, deve admitir-se a presunção legal do que se verifica a circunstância prevista no n.º 2.º do artigo 759.º do Código Civil, se a renda dever ser paga no domicílio do devedor (domicílio geral) ou em algum outro lugar especialmente ligado ao devedor, como por exemplo o seu escritório ou a sua loja (ao que pode chamar-se domicílio particular para efeitos de pagamento de rendas).
44. Depósito do triplo das rendas. - Dispõe o artigo 19.º do projecto que, "intentada a acção de despejo por falta de pagamento de rendas, o arrendatário pode, até execução da sentença de despejo, pôr termo definitivo ao processo, desde que cumpra as obrigações do § 1.º deste artigo, mostrando ter depositado o triplo das rendas em cuja falta de pagamento a acção se funda e das vencidas durante ela, sem necessidade de notificação".
São várias as questões actualmente suscitadas e que são resolvidas neste artigo 19.º As disposições da alínea c) e do § 3.º do artigo 978.º do Código de Processo, relativas ao depósito do triplo das rendas, têm sido, como as referidas a propósito do artigo 18.º, causa de jurisprudência vária e de doutrina incerta. Também, como a respeito deste artigo, não se vai fazer referência a toda a polémica, o que desvirtuaria o sentido deste parecer; apenas se focarão aquelas questões cujo conhecimento é necessário para se apreender o exacto significado do projecto.
O depósito do triplo das rendas em dívida, como meio de pôr definitivamente termo ao processo e evitar o despejo, era admitido antes do Código, pelo artigo 5º da lei n.º 1:662 e pelo decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933G2. Considerava-se, portanto, sanada a falta do inquilino desde que este indemnizasse o senhorio, pagando-lhe, não o devido, mas o quíntuplo ou o triplo das rendas não pagas nem depositadas, em tempo oportuno. Publicado o Código de Processo, surgiu logo a seguinte dúvida: tendo esta matéria sido regulada no artigo 978.º e apresentando-se, portanto, o depósito do triplo das rendas como meio imediato de impedir o despejo provisório, terá o efeito também de impedir o despejo definitivo? Não será antes, agora, um processo apenas de protelar o despejo, facultando-se ao arrendatário a ocupação do prédio até à decisão final?
Esta a primeira questão resolvida no projecto e resolvida no sentido mais justo e razoável. "Mal se compreenderia mesmo, escreve o Prof. Dr. Alberto dos Reis 63, que o depósito do triplo servisse sómente para impedir o despejo provisório. Pagar o arrendatário o triplo da renda e ainda por cima sofrer o despejo definitivo por falta de pagamento, seria profundamente injusto. O pagamento do triplo justifica-se pela circunstância de ser feito fora do prazo; é uma espécie de multa que se impõe ao arrendatário "pelo atraso em que caiu. Mas, à parte a diferença de quantitativo, há-de ter o mesmo valor que o pagamento feito em tempo oportuno. Quer dizer: depósito do triplo é igual a depósito simples feito dentro do prazo quando este depósito não seja impugnado ou a impugnação seja julgada improcedente".
A regulamentação desta matéria no artigo 978.º provocou ainda uma outra dúvida, agora relativa ao momento até ao qual pode ser efectuado o depósito. A lei n.º 1:662 fixava o prazo de oito dias a contar da citação. O § 3.º ao artigo 978.º do Código de Processo, afirmando que "a suspensão terá lugar mesmo quando o documento a que se refere a alínea c) for feito depois, de ordenado o despejo, contanto que este ainda se não tenha efectuado", parece admitir o depósito apenas até ao despejo provisório (única matéria regulada neste artigo), mas não depois.
Na solução do projecto, aliás em harmonia com a doutrina dominante, admite-se o depósito até à execução da sentença definitiva do despejo.
Sem discutir nem apreciar o problema, de jure constituto, é de parecer a Câmara Corporativa, de jure constituendo, que a solução mais conveniente não é a proposta. A sua justificação só pode encontrar-se nas providências que foram tomadas no § 1.º do artigo 19.º, impondo-se ao arrendatário o pagamento das custas do processo e a verba de procuradoria que o juiz fixar, bem como as despesas do levantamento do depósito. Em princípio, portanto, pode dizer-se, o senhorio não sofre nenhum prejuízo em ter de prosseguir com uma acção inútil até à sentença definitiva, porque é afinal compensado de todas as despesas, e o arrendatário tem o benefício de não ter de se precipitar em fazer o depósito, pois pode aguardar o resultado do processo para depois escolher, se for ordenado o despejo, entre o depósito do triplo e a desocupação do prédio.
Não convencem estas razões. Por mais largas que sejam as indemnizações arbitradas é bem sabido que elas nunca compensam os encargos de uma demanda judicial. E há um prejuízo que nunca pode ser compensado: o resultante da situação de incerteza quanto ao despejo do prédio.
Até ao próprio momento da execução da sentença, segundo o projecto, o arrendatário pode libertar-se do despejo depositando o triplo das rendas em dívida, o que quer dizer que, enquanto não é executada a sentença, o senhorio não poderá tomar providências respeitantes ao destino do prédio, por não saber se ele lhe será ou não efectivamente entregue. As vantagens que podem resultar para o arrendatário do sistema proposto também não são apreciáveis, se se lhe vier a conferir expressamente a possibilidade de fazer um depósito condicional, como é doutrina do projecto (§ 4.º do artigo 19.º). Feito este depósito, já ambas as partes ficam o conhecer com precisão quais serão as consequências da sentença: se vier a ser decretado o despejo, o senhorio receberá o triplo das rendas em dívida; se a acção improceder, este receberá as rendas simples e o arrendatário poderá levantar o restante.
Julga, pois, a Câmara Corporativa que o direito de depositar o triplo das rendas só deve poder exercer-se até à contestação.
Uma terceira dúvida resolvida no projecto é esta: desde quando pode ser feito o depósito? Para o depósito produzir os seus efeitos, será necessário contestar a acção, por só na contestação poder ele ser invocado? Há quem entenda que o arrendatário, embora queira efectuar o depósito, é sempre obrigado a contestar a acção de despejo, pois só na contestação ele poderá invocá-lo, nos termos ainda do artigo 978.º do Código. Esta solução é afastada, desde que no projecto se diz: "Intentada a acção de despejo por falta de pagamento de renda, pode... pôr termo definitivo ao processo..." A mesma doutrina resulta do § 4.º, relativo ao depósito condicional, ao atribuir-se ao arrendatário a possibilidade de exercer essa faculdade "no prazo da contestação".
O inquilino não precisa, pois, de contestar a acção para fazer o depósito do triplo, ao contrário do que já se tem sustentado. E essa é, sem dúvida, a melhor solu-
62 Pela lei n.º 1:662 deve depositar-se o quíntuplo.
63 Na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 78.º, p. 227.