5 DE FEVEREIRO DE 1947 470-(47)
Tribunal de Justiça emitiu recentemente o seguinte assento: «O artigo 5.º do decreto n.º 10:774 é aplicável às acções de posse ou entrega de prédios urbanos em que a oposição tenha por base a subsistência de um arrendamento» (assento de 23 de Março de 1946, publicado no Diário do Governo de 9 de Abril seguinte).
O texto do artigo 22.º do projecto propõe-se resolver o problema no sentido de a disposição especial que consigna ser aplicável tanto às verdadeiras cascões de despejo como a quaisquer outras que, não obstante terem natureza diferente, possam conduzir ao mesmo resultado material que pelas acções de despejo se verifica.
Esta orientação parece de aplaudir. Se há necessidade de assegurar a existência de recurso quando seja julgada nos tribunais uma questão de despejo, essa necessidade não deriva da forma de processo empregada, nem sequer da caracterização técnica da figura de direito substantivo que esteja em causa: emerge, sim, da própria realidade que está no fundo da questão e é a apreciação da subsistência ou insubsistência de um contrato de arrendamento. Tanto faz que se trate de rescisão do contrato como de não renovação dele, ou de invalidado, ou de revogação, ou de caducidade: a questão respeita a um arrendamento, e é isso que interessa.
Se é assim, importa caracterizar as acções de maneira que todos os referidos casos fiquem compreendidos.
Caberia perguntar até se a providência do artigo 22.º não deveria estender-se a todas as hipóteses em que da acção possa resultar a desocupação judicial de uma casa, independentemente de ser ou não apreciada uma relação de arrendamento. Com efeito, pode dizer-se que, suscite-se ou não a hipótese de arrendamento, está sempre em jogo, de um lado, a protecção da habitação ou do estabelecimento comercial ou industrial, e do outro lado a protecção da propriedade contra ocupações ilegítimas; ora são estas protecções de interesses que estão na base de providências como a do artigo 22.º
A Câmara Corporativa não vai tão longe. As matérias de arrendamento envolvem interesses e melindres especiais - os interesses e melindres especiais a que acima se aludiu, ao justificar a existência necessária de recurso -, e é isso que determina e, portanto, circunscreve, a concessão da isenção de alçada.
Concorda-se, assim, cora a orientação que, nesta parte, adoptou o projecto. Mas algumas restrições devem pôr-se à redacção proposta.
Com efeito, para abranger todas as acções emprega-se, no artigo 22.º, o termo «despejos» em dois sentidos diferentes; e, se um deles é claro, o outro pode dar lugar a dúvidas. Que significa, ao certo, o termo «despejos na expressão final do artigo? Só a cessação de arrendamentos? Ou a desocupação judicial de casas, independentemente de haver arrendamento? Ou terá ainda algum outro sentido especial?
Melhor será exprimir por outra linguagem toda a realidade que se pretende abranger, e, para tanto, fazer referência às acções em que se aprecie a subsistência ou insubsistência de contrato de arrendamento, muito embora não comportem a qualificação rigorosa de acções de despejo.
Ainda outro ponto. Conquanto o texto do artigo 5.º do decreto n.º 10:774 fale em despejo, sem especificar de que espécie de arrendamento se trata, tem prevalecido o entendimento, baseado em outros elementos de interpretação, de que só os arrendamentos de prédios urbanos foram directamente visados. E, na verdade, é a respeito do inquilinato urbano que se abre com acuidade o problema da necessidade de recurso. Quanto ao arrendamento rústico, não se vê razão para o eximir das regras gerais sobre alçadas.
Deste modo se justifica, nus suas diversas partes, a nova redacção adiante sugerida para a disposição relativa às alçadas.
CAPITULO XIII
Disposições finais
50. Retroactividade da nova lei. - Com o objectivo de tranquilizar os «que pudessem pensar que havia o propósito de resolver qualquer pleito em curso», no dizer do autor do projecto, estabeleceu-se no artigo 23.º que «os preceitos da presente lei não se aplicam às acções pendentes em 18 de Dezembro de 1946».
É de parecer a Câmara Corporativa que esta disposição deve ser substituída por outra, em que se fixem precisamente os termos de aplicação da nova lei aos contratos de arrendamento celebrados anteriormente à sua entrada em vigor.
As razões são estas: há no projecto disposições inovadoras e disposições interpretativas. Quanto às primeiras, é equívoca a afirmação de que não são aplicáveis às acções pendentes em 18 de Dezembro de 1946. Pode parecer, a contrario sensu, que são aplicáveis desde essa data, quando a verdade é que - sob pena de se atribuir, inconvenientemente, pleno efeito retroactivo à nova lei - só devem poder aplicar-se a factos verificados depois da sua entrada em vigor. Quanto às segundas, que constituem a generalidade, ou há motivos para a sua aplicação retroactiva, e deve manter-se o preceito do artigo 8.º do Código Civil, devendo os tribunais ser obrigados a atribuir à lei interpretada o sentido que lhe for fixado, pouco importando que sejam ou não acções pendentes em certa data, ou se entende que não devem ter efeitos retroactivos essas disposições, e, nesse caso, não deverão atingir factos do pretérito, mesmo que posteriores a 18 de Dezembro de 1946. A não se adoptar qualquer destas soluções, impõe-se então criar um regime de direito transitório.
Para se escolher um destes caminhos são precisas razões, e a invocada pelo autor do projecto não é atendível, desde que a lei tem de ser aprovada pela Assembleia Nacional.
Ora, é de toda a evidência que, em princípio, a nova lei deve ter eficácia retroactiva, no sentido de que deve aplicar-se a todos os contratos de arrendamento já celebrados, salvo pelo que respeita a certas disposições de forma, como adiante se dirá. Embora, no rigor do direito, se pudesse duvidar desta solução, no caso em concreto, para imediatamente se aceitar a retroactividade, no sentido que lhe foi atribuído, basta notar que os preceitos da nova lei vêm substituir outros que tiveram também eficácia retroactiva.
Parece, portanto, dever partir-se da afirmação de que o nova lei é aplicável aos arrendamentos de pretérito e ver depois se nalguns domínios se justificam desvios.
51. Disposições relativas à forma do contrato. Sua retroactividade. - De todas as disposições contidas no projecto - sem mencionar aquelas que pela sua própria estrutura ou modo de expressão definem qual o domínio de casos a que se aplicam - há apenas as relativas à forma do arrendamento, que devem, por princípio, aplicar-se sómente aos contratos de futuro. Será de manter, porém, em toda a sua pureza esse princípio? Crê a Câmara Corporativa que não. Desde que são admitidos para futuro os arrendamentos verbais, devem igualmente ser reconhecidos os de pretérito, celebrados por essa forma. Além da razão da evidente equidade, outra solução ocasionaria embaraços quando se procurasse saber (o que seria legítimo) se depois da entrada em vigor da nova lei se teriam de considerar taci-