22 DE FEVEREIRO DE 1947 589
passivamente, este internacionalismo da imagem, de muito piores efeitos!
É que dos primeiros, porque contendem directamente com a dignidade da Nação, repelimo-los por instinto nato do patriotismo; dos segundos, porque não nos apercebemos do mal, que aliás é aliciantemente apresentado, aceitamo-lo e adoptamo-lo.
O cinema americano domina assustadoramente, provocando um nivelamento e estandardização do pensar e agir, que há quem receie mais a americanização da Europa do que a sua bolchevização.
O problema põe-se especialmente para a mocidade, que quase vive pelo cinema, onde só encontra motivos de abastardamento do carácter nacional, pela perda da originalidade, do génio e das tradições próprias, que são as raízes da perpetuidade da Raça.
Se ao menos o que a grande nação norte-americana nos manda fosse de elevado sentimento, de alto valor educativo - do mal o menos!
Mas, ao contrário, em regra, o que para aí nos exportam é artisticamente inferior, e como concepção é baixo, muito próximo da barbárie, o que levou Duhamel a escrever nas Scènes de la Vie Future, livro sangrento e por vezes injusto para os yankee, que «um povo submetido durante meio século ao regime actual do cinema americano se encaminha forçosamente para a pior das
decadências ...».
Grande arma, o cinema, mas arma com dois gumes, que tanto pode servir o bem como o mal.
Em todos os países se encara o cinema como uma grande força que é necessário carrilar em benefício da nacionalidade, tirando o das influências estranhas.
«Todas as nações - disse Júlio Dantas no discurso que proferiu na sessão da Academia das Ciências de Lisboa a propósito do jubileu da descoberta prática do cinema -, mal acordadas ainda do pesadelo da guerra, procuram definir hoje, em sentido nacional, a sua política de cinema».
Em Portugal a nossa política do cinema foi definida pelo decreto-lei em discussão.
O problema tinha e tem também grande acuidade entre nós.
A percentagem dos filmes estrangeiros que passam nos nossos cinemas é de 98 por cento, dos quais 90 por cento são americanos.
Com a frequência ao cinema estrangeiro, vivendo ambientes que não são os nossos, ouvindo uma língua que não é a nossa, mostrando costumes que não são os nossos, expandindo ideias e sentimentos que não são os nossos, com a marcada tendência cosmopolita do nosso feitio, corremos igualmente grave risco de enfraquecer ou até perder a nossa individualidade.
Depois, o que este país nos exporta, com raras excepções magníficas, é o pior que lá se produz, no ponto de vista moral e social, com certeza, daqueles filmes que combate a Legion of Decency, liga organizada em Nova-Iorque para lhes pôr cobro, pêlos efeitos deploráveis que exercem no povo, principalmente na mocidade, levando-o até à prática de actos criminosos. E justo dizer-se que, mercê dessas campanhas, Hollywood está a arrepiar caminho e u apresentar cinema moral e educativo.
Só para amostra, e não porque queira nesta altura focar esse aspecto, tiro estes números de um jornal, referidos a 1943:
De Janeiro a Novembro desse ano o secretariado de cinema e rádio da Acção Católica Portuguesa censurou 271 películas, verificando que 88 por cento eram impróprias para crianças, 20 por cento condenáveis em absoluto o só 54 por cento próprias para adultos.
Os temas, os enredos, resume-os assim aquela notícia: apologia do adultério, do divórcio ou pondo a ridículo o casamento e a mulher honesta, 44 filmes; o suicídio como meio legítimo de pôr termo a situações difíceis, 8; demonstração pormenorizada de burlas, assaltos e roubos, 25; ausência de respeito pela vida humana, com práticas de assassinatos, raptos ou violências do toda a ordem, 96; cenas de autêntico amor livre ou desregramentos morais, 95.
Como se vê, as estatísticas são negras no que revelam, pessimistas no que afirmam.
E o mais grave é que os filmes piores são exibidos em cinemas de bairro ou populares.
As estatísticas indicam que são esses cinemas os que registam maior actividade, numa média de 726 espectáculos anuais, o que significa que quase diariamente há duas sessões.
Quer dizer: uma grande parte da população portuguesa, a mais influenciável, porque menos culta, assiste diariamente, durante três horas, a espectáculos da natureza que indiquei - imoral e estrangeiro -, recebendo a infiltração, a intoxicação deletéria, de tudo quanto nega-mos, de tudo quanto queremos ela se afaste!
O Sr. Querubim Guimarães: - V. Ex.ª já viu o relatório a que se referiu, mas respeitante ao ano de 1946? Verifica-se por ele que as fitas condenáveis por esse secretariado reduziram-se no ano de 1946 a nove, quando no 1.° semestre de 1943, a que V. Ex.ª se referiu, os filmes condenáveis em absoluto foram dezasseis. Quer dizer: os filmes são melhores.
O Orador: - Não se diga, Sr. Presidente, que é apenas um caso de censura. Não. O cinema tornou-se uma necessidade da nossa época, a quem já alguém chamou a idade do cinema.
Exercer a censura com consciência era proibir a maior parto dos filmes, o que determinava paralisar a exibição, por não haver Outros a dar-lhes em troca, o que não podia ser.
Além do que só resolveria - se pudesse ser eficaz - uma parte do problema da inconveniência dos filmes, pois deixava sem solução a outra parte - a inconveniência dos filmes estrangeiros.
O remédio estava, como está, em criar cinema português, em proteger a produção portuguesa que realize o nosso pensamento, exiba os nossos costumes, dê o nosso ambiente, mostre a nossa história, trate temas que são de todas as nações, porque pertencem ao património da Humanidade.
O remédio estava, como se faz no decreto em discussão, em definir também, como os outros países, no sentido nacional, a nossa política de cinema.
Consegue o seu objectivo o decreto-lei n.º 36:062? Creio firmemente que sim.
A publicação nos jornais deste diploma levantou larga discussão entre os interessados, produtores dum lado, distribuidores e exibidores do outro, de forma que se conhecem os argumentos pró e contra, por fornia a podermos fazer uma ideia, mais ou menos perfeita, do assunto.
A discussão tem de situar-se nos propósitos do decreto - defesa das indústrias de produção nacional, para podermos produzir filmes em qualidade e quantidade capazes de preencher grande parte dos programas dos cinemas do nosso País e dignos de serem exibidos no estrangeiro.
Antes, porém, de examinarmos as medidas de protecção, uma questão prévia se põe: haverá uma cinematografia portuguesa que valha a pena ser protegida, capaz de satisfazer o que se pretende, não só quanto ao nosso público, mas ainda quanto ao público estrangeiro?
A resposta é indiscutivelmente afirmativa.
As possibilidades dos produtores portugueses estão bem patentes nos filmes que têm levado a efeito, os