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784 DIÁRIO DAS SESSÕES- N.º 99

Já que aqui se citou ontem a grande autoridade que é o Sr. Dr. Mário de Morais, pareceu-me conveniente citá-la mais largamente.

O Sr. Figueiroa Rego: - No estrangeiro há alguns industriais e comerciantes que são simultaneamente produtores, como Segard.

O Orador: -O Sr. Deputado Cerveira Pinto foi ontem aqui um lobo vestido de cordeiro. Apresentou-se a defender o consumidor, mas defendeu exclusivamente a indústria.
Quando V. Ex.ª exigiu que se importassem lãs estrangeiras com o intuito de causar o barateamento da lã nacional esqueceu-se de pedir o abaixamento de pautas que obrigasse esses industriais a baixar os preços dos seus produtos.

O Sr. Cerveira Pinto: - Mas pautas do quê?

O Orador:-As pautas que não permitem que os lanifícios estrangeiros concorram com os nacionais.

O Sr. Cerveira Pinto: - Eu é que fiz o meu discurso, não foram V. Ex.ªs

O Orador: - Eu ouvi-o com toda a atenção.

O Sr. Cerveira Pinto: - O que ou disse foi que a importação da lã estrangeira fazia baixar o preço da lã nacional.

O Orador: - V. Ex.ª achava muito bem.

O Sr. Cerveira Pinto: - Para um fim.

O Orador: - Era-lhe indiferente a lavoura e a economia do País.
Por esse critério, além de importarmos lãs, teríamos de importar trigo e outros produtos que também são mais baratos lá fora, mas que, a não se produzirem no País, ocasionariam uma calamidade, uma espantosa calamidade económica.
Nós, lavradores, não queremos prejudicar ninguém; o que não queremos é ser espoliados.

O Sr. Cerveira Pinto: - E os consumidores também não o querem.

O Orador: - Nós compreendemos que não podem continuar os preços altos que têm vigorado até aqui, mas não queremos ser espoliados por manobras já conhecidas e velhas.
V. Ex.ª, Sr. Dr. Cerveira Pinto, não defendeu o consumidor, mas sim a indústria.

O Sr. Cerveira Pinto: - Dou-lhe a minha palavra de honra de que apenas defendi o consumidor, e nada mais. Entendo que deve importar-se tudo o que se puder para baixar os preços.

O Orador: -V. Ex.ª tem a convicção de que defendeu o consumidor, mas os seus ouvintes não.

O Sr. Figueiroa Rego:-V. Ex.ª, Sr. Dr. Cerveira Pinto, quer que se atirem as divisas ao mar, não?

O Orador: - A lavoura quer ainda que a deixem defender o seu produto, já que ela mais que ninguém procuraria naturalmente por todos os meios apresentá-lo em condições de poder ser utilizado pela indústria.
É uma aspiração inteiramente defensável, perfeitamente lógica e honesta.
Ninguém pode ter mais interesse em apresentar as lãs em condições de obter mercado na indústria de lanifícios do que a própria lavoura.
Num folheto em que se publicam as comunicações apresentadas ao I Congresso das Ciências Agrárias, que amavelmente foi enviado aos membros desta Assembleia, dizem os Srs. Drs. Custódio Pires Carrondo e Francisco da Silva Calejo, na sua comunicação sobre o estado actual do problema da lavagem de lãs em Portugal, a p. 56:
Se reavivarmos agora tudo quanto se disse até aqui em matéria de deficiências de instalação e de vícios de técnica de lavagem, somos levados a concluir que a algumas lãs nacionais são, pela indústria, atribuídos defeitos de que elas nunca enfermaram na origem.

E mais adiante:

Com estas resumidas considerações tivemos em vista demonstrar como se origina o descrédito duma matéria-prima que, sem se atender a categorias ou classes, possuía, muitas vezes, na origem melhores características têxteis do que mostra finalmente ao ser distribuída à indústria.
Donde se conclui que a utilização duma boa técnica de lavagem de lãs em Portugal é uma condição indispensável para a resolução do problema lanar português.

Eis por que consideramos que a defesa das lãs incumbe essencialmente à lavoura, já porque a indústria afirma que a lã nacional não só a não satisfaz, como ainda que não pode ser obrigada a adquiri-la em bruto quando a consome classificada e lavada. Porque se estranha pois que a lavoura queira encarregar-se de apresentar as suas lãs tal como as utiliza a indústria, procurando tirar delas todo o partido que os técnicos dizem ser possível tirar p que a indústria, no dizer dos mesmos técnicos, mio tira?
É isto que não conseguimos compreender.
J lá muito que a lavoura vem diligenciando obter a possibilidade de tratar as suas próprias lãs, mas parece que a indústria, apesar de todo o mal que delas diz, não pode conceber que à lavoura seja concedida tão legítima e justificada vantagem, e quando se dá um embate de interesses entre a lavoura, que espantosamente se sacrificou durante a guerra, e a indústria, que com ela desmedidamente enriqueceu, é quase certo que é a indústria que se atende e a lavoura que se esquece.
Já assim foi com o leite, injustiça por tal forma flagrante que a lavoura ainda se não conformou nem conformará.

O Sr. Luís Cincinato da Costa: - Foi e ainda é.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão.

O lavrador vive curvado sobre a terra, que ó o seu martírio e o seu amor, mas essa curvatura é apenas física, porque mantém firme e erecta a independência do seu carácter. Por isso não é assíduo nas antecâmaras ministeriais, não adula, não intriga, não pede, não suplica; apresenta-se com as suas razões, com o que julga ser o seu direito, a sua razão, e aguarda que lhe façam justiça.
Suponho que não seria legítimo decepcioná-lo quando, em defesa do seu interesse legítimo, o move também um desejo de perfeição salutar, conveniente, necessária à economia nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.