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14 DE MARÇO DE 1947 839

cionais do Pais, sobretudo Lisboa, passaram a vender o leite para consumo, fazendo, portanto, comércio e desviando-se assim dos fins para que se constituíram na industrialização desse produto. Deve dizer-se, em abono da verdade, que nem todo esse desvio de leite era da sua própria iniciativa, mas imposto algum pela Intendência Geral dos Abastecimentos, para suprir a falta que na capital se sentia.
Mas isso mais irritou a lavoura, que via as fábricas utilizarem o leite que lhes entregava para industrializarem, num simples negócio que a ela, produtora, lhe era vedado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: peço a palavra para interrogar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra para interrogar a Mesa.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Desejava saber se o Sr. Deputado Querubim Guimarães está a efectivar o aviso prévio sobre lacticínios.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Querubim Guimarães não está a efectivar o aviso prévio sobre lacticínios, mas está a fazer uma intervenção sobre o mesmo problema. Pode V. Ex.ª, Sr. Deputado Querubim Guimarães, continuar as suas considerações.

O Orador:- V. Ex.ª, Sr. Presidente, é quem manda.
Nestas circunstâncias verifica-se que realmente a indústria sentia dificuldade em poder exercer a sua actividade industrial, agravando-se a sua posição em relação à lavoura, que de longe se vinha irritando com a sumptuosidade, a seus olhos, pelo menos, censurável, de certas instalações fabris, que pitorescamente chegou a designar por «catedrais do leite», catedrais que eram da indústria, mas construídas e montadas à custa do leite que dela era.
Ai a hostilidade da lavoura para com a indústria já tinha um aspecto psicológico, contra o qual a nova indústria, parecendo assim desconhecer a psicologia do nosso rural, não soube cautelosamente prevenir-se.
Indubitavelmente que é manifesto o exagero critico da lavoura, habituada como estava a ver fabricar a manteiga em qualquer canto e de qualquer maneira.
Obrigada a indústria, pela concorrência de algumas fábricas de produtos não tabelados e pelas exigências da lavoura, a pagar mais caro o leite, desviou-se do fabrico da manteiga, que lhe dava prejuízo, para o do queijo e outros produtos.
Um outro mapa que tenho presente revela o facto, daí se vendo que, enquanto a produção da manteiga descia de 1.454:557 kg,71 em 1939 para 705:884,6 em 1945, com uma subida acidental de 1943 para 1944, o queijo subia sucessivamente desde 380:856 quilogramas em 1939 para 1.006:310,2 em 1945, isto, é claro, quanto à região de Aveiro, a que me tenho referido.
Ao mesmo tempo subia a produção das farinhas e da caseína.
Eu não sou contra a indústria nem contra a lavoura; o que sou é pelo interesse nacional, e assim como condeno a lavoura, que nada fez até 1939 no sentido da industrialização capaz do leite, também condeno a indústria por não ter querido atender às justas pretensões da lavoura.
Esta quis constituir mais cooperativas de produção de lacticínios, mas tal não lhe foi permitido, apesar de a lei a isso se não opor.
Mas porque se não multiplicaram as cooperativas antes de a política económica dos lacticínios se ter iniciado, em 1939? Não é isso motivo de censura para a lavoura? Se as cooperativas podem produzir bem e em condições,
porque se não entregou a lavoura a essa exploração industrial antes de as fábricas se instalarem no Pais? Essa acusação lhe faz a indústria, pois só duas cooperativas funcionavam no País - a de Ribeira de Noiva, com sócio em Santiago de Aldreu (Barcelos), e a de Santins (Sever do Vouga) -, hoje duas neste concelho - uma em Rocas e outra em Couto de Esteres.
No confronto entre a inércia da lavoura dos anos anteriores à concentração c o seu interesse de agora pelas cooperativas vê a indústria o propósito de a atingir, e então contraria esse desejo da lavoura. E esta oposição da indústria, compreensível, aliás, no aspecto particular da defesa do seu interesse próprio, do capital importante que mobilizou para a concentração - muitos milhares de contos, como por milhares também se conta o volume das contribuições pagas ao Estado nestes seis anos de existência-, encontrou nas esferas oficiais apoio, a ponto de algumas repartições, já aprovados os estatutos de novas cooperativas e até concedidos os respectivos alvarás, a elas só oporem, não lhes sendo permitido pôr-se em actividade, sob o pretexto de deficiências sanitárias de instalação.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É à da Murtosa que V. Ex.ª quer referir-se?

O Orador: - Sim, senhor. Fica-se assim apenas com a laboração de duas cooperativas em Portugal.
E não se diga que as cooperativas fracassariam, não dando resultado apreciável para os associados ou não produzindo manteiga em condições, pois as informações que me foram fornecidas, por intermédio desta Assembleia, a meu requerimento, pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, esclarecidas por mapas que as acompanhavam, mostram que assim não é.
Quanto à qualidade da manteiga, as análises do produto feitas sobre amostras correspondentes às quatro estações do ano, colhidas por funcionários da Inspecção Geral das Indústrias e Comércio Agrícolas em todas as fábricas de lacticínios e cooperativas do continente, deram-na como análoga a das duas proveniências.
E quanto à actividade das duas cooperativas, vê-se que elas foram alargando o seu campo de acção, absorvendo uma quantidade de leite que vai desde 367:409 litros, para ambas, em 1939, a 866:196 litros em 1945, ou seja quase o triplo, e que a manteiga produzida por ambas também, passou de 17:464 quilogramas em 1939 para 42:919 em 1945. Os associados aumentam de ano para ano, atingindo em 1945 alguns centenares em cada uma delas.
E, além dos bónus, também sempre crescentes, que em 1945 subiram a 22.380)5, a distribuir pêlos associados da Cooperativa de Aldreu, e a 73.202$ os da Cooperativa de Sever do Vouga, ainda têm a sou favor, como compensação lucrativa, o leite desnatado, que utilizam na engorda de suínos.
Compreende-se assim bem o interesse que está despertando na lavoura o problema das cooperativas e correspondentemente o receio que daí advém à indústria na concorrência dos produtos no mercado.
Não pode, porém, esquecer-se o que se deve à indústria, sobretudo durante a guerra, produzindo manteiga e queijo, que, embora insuficiente em quantidade, abasteceu o País e com produtos de qualidade aceitável, mesmo alguns tão bons como os estrangeiros.
Não pode esquecer também a lavoura o que os produtores do leite devem à indústria em assistência à sua pecuária, tanto numa melhor selecção das suas vacas, trocando as velhas por novas e de boa raça, criadas nos seus estábulos, e ainda a assistência clínica, preventiva e curativa prestada gratuitamente aos animais.