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842 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 102

do Vouga. O outro, em regra, não chega a 1620. Pelo mesmo mapa foi no mesmo ano de 1945, último a que o mapa se refere, de 1019(1).

O Orador: - É claro que daqui resultou grande descontentamento para aquelas regiões e até grandes prejuízos para o País. Fundamentalmente a questão está pois no justo pagamento do leite ao produtor.
Sr. Presidente: desejo ainda referir-me a outro aspecto deste importantíssimo problema. Não há números rigorosos, nem os pode haver, sobre a totalidade da produção de leite de vaca no nosso País. Há apenas estimativas. Pessoas que se têm debruçado sobre estes números, estudiosos e economistas, chegam, porém, à conclusão de que pouco excede 100 milhões de litros a produção desse leite no nosso País.
Sendo assim, e tendo em conta que o seu principal destino deve ser o consumo directo, torna-se indispensável verificar se no futuro ele chegará para essas necessidades alimentares. Aponto números referentes a capitações anuais nos principais países: Suécia, 275 litros; Dinamarca, 260; Suíça, 250; Alemanha, 235; França, 200; Bélgica, 199; Estados Unidos da América, 195; Holanda, 150; Canadá, 118; Inglaterra, 90; Espanha, 72; Itália, 30; e Portugal, apenas 12. Reparem V. Exas: apenas 12 litros de leite que cada pessoa bebe, em média, por ano.
Pergunto: qual será o futuro da indústria de lacticínios em Portugal, à custa de leite de vaca, quando se olhar a sério para o problema do abastecimento de leite à população, abastecimento que é imperioso fazer-se?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este é que é o problema. Trata-se, como disse, do problema do leite.
V. Ex.ªs, todavia, podem objectar que esta capitação de 12 litros, que liça no fim desta escala, encontra uma compensação em leite de outras espécies leiteiras, ovelha e cabra, noutras partes do País.
Eu sei que isso é assim, mas verificando o que se passa em Lisboa e Porto em relação a outras cidades cujas capitações diárias são de 6 e 7 decilitros, Estocolmo e Copenhague, por exemplo, ou mesmo em Zurique, Viena, Hamburgo, Mónaco e Berlim, onde aqueles consumos oscilam entre 5 e 3 decilitros, é triste constatar que nas nossas duas maiores cidades as capitações diárias não ultrapassam 7 centilitros no Porto e 4 centilitros em Lisboa.
Repito: quando se estudar a sério o problema do leite, que, segundo os ingleses, é o alimento n.° 1, o que acontecerá à indústria, cuja organização se fomentou, e até às próprias cooperativas de lacticínios? Dadas as condições que apontei, e com o devido respeito pêlos economistas, que os há distintos nesta Casa, julgo que não vale muito a pena estar em Portugal a industrializá-lo directamente.
Essa industrialização apenas poderá interessar às sobras diárias do consumo público, como sucede, aliás, em todos os países, onde o leite alimentar encontra sempre a maior valorização, devendo as cooperativas de produtores em primeiro lugar e as unidades industriais existentes pensar, antes de mais, no fornecimento de bom leite.
A indústria propriamente dita do leite de vaca talvez constitua com maiores vantagens um problema das ilhas. Ai sim, será ou continuará a ser proveitosa a indústria dos lacticínios, vindo depois os produtos fabricados para o continente.
Agora estar a forçar o problema em Portugal parece-me ser um erro grave a que importa pôr cobro quanto antes.
Ainda há pouco visitei duas das maiores empresas de lacticínios do Norte - a Sul o a de Martins & Rebelo, em Valo de Cambra. Uma e outra têm instalações modelares e muito bem apetrechadas, mas lutam já com enorme falta de leite.
A Sul esperava reunir 12:000 litros do leite por dia, mas só recebe pouco mais de 4:000, que, como natural defesa, emprega para fabricar produtos caros. O leite foge assim do consumo público.

O Sr. Mário de Figueiredo: - É preciso também não esquecer que o facto de em Portugal não ser aproveitado em consumo directo em grande escala muito leite pode significar falta de tendência para isso da generalidade da população, porque V. Ex.ª não ignora, ó evidente, que em 1939 o leite não tinha procura suficiente para o seu preço ultrapassar $40, e em muitos casos $30, preço aviltante a que foi vendido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu digo que a razão deve ser outra. Trata-se da qualidade do leite e do péssimo estado em que ele por vezes chega aos centros de consumo.
E peço licença para lhes roubar mais uns minutos apenas com esta citação.
Em cerca de trezentas amostras de leite colhidas, ao acaso, em Lisboa e analisadas pelo engenheiro agrónomo Alfredo Freire, em 1944, apurou-se o seguinte:

Quanto ao exame sob o ponto de vista higiénico, agrupadas as amostras por classes, encontrou-se uma percentagem de 99,35 por cento de leites maus, pela prova da reductase, estando 79,20 por cento conspurcadas e fora da designação de leite limpo. Por outro lado, relativamente a cento e noventa e uma amostras, 25,65 por cento respeitaram a leites a que haviam adicionado neutralizantes, com o fim fraudulento de evitar um aumento de acidez, e em duzentas e noventa e três amostras constatou o autor que 37,20 por cento dos leites tinham sido aquecidos para sua melhor conservação.
Sob o ponto de vista químico, foram considerados defeituosos 83,77 por cento dos leites estudados, tendo ora sido aguados, ora desnatados e, por vezes, adicionados de sais.
São leites desta natureza que se consomem em Lisboa!

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Ex.ª que já esgotou o período regimental.

O Orador: - Muito agradeço a V. Ex.ª a concessão de mais dois minutos, a fim de concluir as minhas considerações.
Num interessantíssimo estudo que aqui tenho, uma publicação oficial inglesa, verifico que a Inglaterra, que chama ao leite o alimento n.° 1, o tem fornecido às populações escolares, às crianças com menos de 5 anos e mesmo às mães, a preços baratos, em quantidades que atingem meio litro de leite por dia.
Isto acontece num país progressivo que cuida em alto grau da saúde da sua população e principalmente da primeira infância.
Quanto a este aspecto, estamos na verdade atrasadíssimos!
E o que não se consegue compreender é a razão por que ainda se não executaram as salutares disposições do decreto n.° 28:974, de 29 de Agosto de 1938, que define o leite alimentar e fixa regras para a sua obtenção, transporte e entrega ao consumo público!
É doloroso ver o que se diz no Diário de Noticias de 31 de Maio de 1946 sobre a evolução que esta momentosa questão tem tido desde esse ano para cá, onde claramente se revela que o problema precisa de ser atacado