O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

882 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 104

expedicionárias, logo decaiu por virtude de um tabelamento que lhes atribuía, preço inferior àquele por que são vendidos no Funchal e em Lisboa.
Por outro lado, para que os produtos agrícolas tenham colocação, será necessário que se habilite a população a adquiri-los, isto é, que se lhe crie poder de compra, e, sobretudo, que se não perca de vista que o grande escoadouro da produção de Cabo Verde é o porto de S. Vicente.
Em minha opinião, Sr. Presidente, o grande erro tem sido fecharmos os olhos a esta realidade: o porto de S. Vicente foi, nos últimos oitenta anos, e continua ainda a ser a base de toda a economia do arquipélago. E o desprezo das realidades gera quase sempre o fracasso. Constitui tarefa difícil e arriscada pretender transformar de um momento para outro a economia de qualquer país.
Abandonar uma riqueza existente em mira de outras, duvidosas, só porque aquela se nos afigura em via de decadência, parece-nos insensato e perigoso.
Cumpre primeiro averiguar até que ponto são justificáveis tais receios e, depois, se se confirmarem, procurar evitar essa decadência ou atenuar os seus efeitos, ainda, que buscando adquirir outros pontos de apoio, para o caso de aquela se verificar fatal e irremediável. Ora, quanto ao porto de S. Vicente, a atitude adoptada tem sido precisamente a oposta. Nada se tem feito para o valorizar.
Para dar uma ideia da sua importância na vida de Cabo Verde, bastará dizer que mais de metade da receita global da colónia se produz na ilha de S. Vicente. É certo que não é isso que se conclui da consulta desprevenida das estatísticas; mas convém saber que a receita mais avultada - a das taxas telegráficas, proveniente da amarração dos cabos submarinos na ilha de S. Vicente - figura (certamente com razão) como cobrada na Praia, que, sendo a capital da colónia, centraliza os serviços de contabilização.
Pondo de parte essa receita, que, embora provindo de S. Vicente, se não relaciona directamente com o porto Grande, ao contrário de tudo o mais que diz respeito a essa ilha, verificamos, pelo Anuário Estatístico de 1943, o último publicado, que, do saldo de 17:756 contos da receita global, correspondem a S. Vicente 6:800 contos, ou seja mais de 38 por cento.
Isto no ano em que o «porto, por virtude da guerra, teve o seu mais diminuto movimento, registando-se apenas a entrada de noventa navios de longo curso, que costumam ser às centenas e, muita vez, mais de mil, e rendendo os direitos de importação de combustíveis apenas 182 contos, quando se contam, em regra, por mais de um milhar.
Ora quem conheça, ainda que mal, mesmo só de visita, a ilha de S. Vicente sabe que a sua vida é único e exclusivamente a que lhe dá o porto.
E quem conheça regularmente Cabo Verde sabe que S. Vicente é o principal mercado das ilhas de Santo Antão e de S. Nicolau e mercado importantíssimo dos produtos agro-pecuários da ilha de Santiago.
Significa isso que a prosperidade de S. Vicente arrasta a das outras ilhas e (pé a sua decadência se reflecte na economia das restantes.
Isso é evidente. Não admite contestação. O que é necessário, portanto, é defender o porto de S. Vicente, «principal instrumento da economia de toda a «província de Cabo Verde», na frase do ilustre colonialista general João ide Almeida, que, em 1925, elaborou no magnífico plano de (melhoramentos para a sua valorização.
Nesse interessantíssimo trabalho, publicado no Boletim da Agência Geral das Colónias, e que parece ignorado ou injustamente caído no esquecimento, afirma-se
que a decadência, de Cabo Verde é manifesta e alarmante e resulta, sobretudo, da desorientação administrativa, mas também se proclama que a colónia temi condições de vida própria, que, bem aproveitadas, lhe proporcionarão um risonho futuro.
O aproveitamento do magnífico porto de S. Vicente, cuja situação privilegiada, no cruzamento das linhas de navegação entre a Europa e a América do Sul, a Europa e a África do Sul, o, América do Norte e a África do Sul, além de lhe outorgar uma posição militar de excepcional importância, o indica como o melhor porto de reabastecimento, (permitirá a criação de um entreposto comercial e marítimo dos primeiros do Atlântico.
Já passaram mais de vinte anos depois que essa verdade foi afirmada por quem se não podia tomar suspeito de atitudes bairristas e a situação ainda se mantém, ou, antes, muito se agravou, pois, nesta era de velocidade e de dinamismo que vivemos, não marchar implica uni duplo atraso, já que os outros, mais avisados, «continuam caminhando e progredindo.
E, enquanto o porto de S. Vicente só tem que envergonhar-se da sua «pobreza franciscana, sem uma ponte de desembarque e de descarga em condições, os portos rivais de Lãs Palmas e de Dakar progridem de forma maravilhosa, com a ampliação dos seus cais acostáveis e das suas docas.
Não me atrevo a fazer o comentário que esta situação sugere, porque ele repugna à minha consciência de patriota.
E, contudo, Sr. Presidente, o porto de S. Vicente, como que alheio à indiferença e ao desprezo a que é votado, continua a despejar ouro para os cofres da colónia.
Em 1946 foi ele, depois do de Lisboa, o porto nacional que maior movimento de navegação teve. Registou a entrada de 826 navios de longo curso e só o rendimento dos direitos do carvão e óleos combustíveis ascendeu a mais de 3:400 contos!
Isto, Sr. Presidente, sem contar com o incremento da contribuição industrial e das outras receitais a que tal movimento deu lugar.
Já em 1935, num pequeno trabalho que, como presidente da delegação de Cabo Verde à I Conferência Económica do Império Colonial, então apresentei, afirmava eu:

O porto Grande, pela sua situação e excepcionais condições de amplitude e tranquilidade, constitui uma das maiores «riquezas do Império Colonial Português.
Quase exclusivamente à sua volta tem girado, desde os meados do século passado, a economia e o, vida financeira de Cabo Verde; e, não obstante a sua notável e progressiva decadência, ainda hoje temos de o considerar a mais importante fonte de receitas da colónia, constituindo o seu progresso e conveniente apetrechamento condição indispensável para o perfeito desenvolvimento da economia de Cabo Verde.
Uma política de valorização económica do Império não poderá, pois, deixar de atender à situação do porto Grande. Esquecê-lo seria desprezar uma parcela importante do Império, contrariar os princípios de solidariedade, bem definidos no Acto Colonial, e até - porque não dizê-lo? - comprometer o brio nacional pelo confronto com a obra formidável que os respectivos Governos têm levado a cabo nos portos estrangeiros rivais, aliás de condições naturais notavelmente inferiores. Trata-se de uma obra de inegável interesse nacional. O bom nome de que gozamos como país colonizados não