344 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 136
luções. E a primeira razão é precisamente porque dá satisfação aos católicos, que são - nunca é demais repetir- a grande maioria dos Portugueses. Dá, e sublinhe-se, sem nenhuma espécie de agravo para os não católicos, que ninguém obriga, por isso, a ir à missa, nem sequer impede de trabalhar, a seu modo, se quiserem.
Se neste Mundo houvesse lógica, teríamos nesta hora e neste propósito irmanados connosco e consequentes consigo mesmo os mais genuínos, os mais ferozes democratas, porque, em boa ortodoxia democrática, a lei é expressão da vontade geral e a vontade geral é a vontade do maior número.
Se assim o não entenderam os homens de 1910, se precisamente foi a sua legislação atrabiliária que impôs as medidas legislativas que agora estamos a rever, afrontando com elas a consciência das maiorias dos Portugueses, é porque, em realidade, nunca esse regime foi uma situação de forma democrática. Que também, na verdade, os não há neste Mundo em que vivemos, nem os pode haver, com o homem de carne e osso que por cá anda, proclamado o rei da criação. Aqui, como sempre, debaixo dessa ficção, por detrás dessa impostura, estava a ditadura de um homem ou de um grupo, que impunha a sua vontade e o seu comando.
Não era o voto da Nação que se procurava conhecer e executar, como mandam os princípios, que esse, se o ouvissem, nunca poderia conformar-se com os seus desmandos e as suas medidas sectárias.
Era esse despotismo de um homem ou de uma oligarquia que se exercia soberanamente sobre a Nação e lhe impunha a lei dos seus interesses particulares, das suas concepções ideológicas, das suas paixões, dos seus propósitos de servis executores dos desígnios das alfurjas e sem nenhum respeito pelos verdadeiros interesses e as profundas realidades nacionais.
Despotismo tanto mais odioso quanto é anónimo e irresponsável, e, ainda, acobertado e legitimado com o manto vistoso, mas falso, da vontade nacional.
A democracia, na verdade, é isto. E quando não é isto é ainda pior. Porque, então, é a tirania da rua pulverizando o Poder numa multidão de tiranetes, ainda mais irresponsáveis, e, no geral, a escória da sociedade.
De tudo isto conhecemos nestes negros dezasseis anos de reinado farto da democracia. Desde a ditadura pessoal no sobado do Sr. Afonso Costa e o mando das oligarquias no tempo dos chefes medíocres que lhe recolheram a herança, até ao império solto da rua nas horas de realeza do Pintor, impondo a sua vontade como razão de Estado, e1 da fúria sinistra do Dente de Ouro e da canalha da sua estirpe na matança hedionda do 19 de Outubro.
Mas, como nacionalistas, não é só a vontade dos homens de hoje que decide a visão deste problema. Mais alto ainda está, para nós, o imperativo da história e a imposição dos altos interesses nacionais.
A solução que propomos é mais um concurso para a recristianização da sociedade portuguesa, e a recristianização dos costumes e das almas é condição decisiva do nosso renascimento integral.
O catolicismo, independentemente do seu valor transcendente e da sua verdade absoluta, tem ainda um alto sentido social.
A civilização e o enobrecimento da vida humana resultam da influência concordante e recíproca da valorização dos indivíduos e da melhoria das instituições. É erro considerar, como muitos fazem, apenas uma das faces deste problema.
Sobre ambas incide a acção benéfica do catolicismo. Por um lado, valoriza o homem na sadia formação do seu carácter, da sua consciência, do seu sentimento do dever, do seu espírito de sacrifício, da sua disciplina moral. Obra essencialmente individual, nenhum poder ou instituição humana poderá igualar a Igreja nesta missão de aperfeiçoamento das almas.
Mas, por outro lado, o catolicismo define também as normas salutares que devem informar a vida temporal. Nenhuma doutrina dá aos homens mais viva consciência da sua eminente dignidade moral, mas também nenhuma lhes ensina melhor o sentimento da subordinação, que cria e assegura a harmonia, a vida e a paz das sociedades.
Todas as ideias e sentimentos de conservação e progresso social -unidade, continuidade, autoridade, ordem, hierarquia, disciplina, tradição, propriedade-, todas encontram acolhimento, apoio, exaltação na obra, na doutrina e na orgânica da Igreja.
Com verdade proclamava Bourget, ao salientar o valor social do catolicismo: ca Igreja tem palavras de vida e não apenas de vida eterna, mas também de vida temporal.
E Maurras - o grande espírito que a liberdade encarcerou - tão profundamente sentiu a sabedoria do catolicismo na vida temporal, tanto penetrou o obra benemérita da Igreja Romana - a Igreja da ordem -, que a sua inteligência, em certos momentos, parece quase roçar o seu sentido divino, parece que quase se vai abrir à visão da sua essência sobrenatural.
Falo aqui, entenda-se bem, do catolicismo eterno, fonte perene de verdade e de vida, e não de certo catolicismo que anda para aí, com modos equívocos, a fazer a corte à desordem. É o catolicismo chamado progressivo. O catolicismo dos senhores abbés démocrates. O catolicismo da mão estendida aos comunistas. O catolicismo que nos tempos da guerra de Espanha vendeu a alma ao diabo.
Para nós, portugueses, a recristianização da sociedade não tem, no entanto, este sentido apenas, verdadeiro para todos os tempos e todos os lugares. Tem ainda um mais profundo valor nacional. Porque o espírito e a acção da Igreja estiveram sempre connosco. Indissoluvelmente irmanados nesta jornada histórica, já longa de oito séculos.
A Igreja esteve connosco ao nascermos para o sol da história. Portugal nasceu e cresceu no afã religioso e guerreiro da reconquista. A Igreja e a Cristandade nos ajudaram na conquista da terra até alcançarmos, no contorno das praias algarvias, os limites naturais de Portugal.
O catolicismo fecundou a nossa alma, impregnou a nossa vida, a nossa história tão profundamente que bem se pode dizer que é católica a essência espiritual da Nação.
Penetrou os costumes; modelou as instituições; afeiçoou as almas; espalhou a instrução; inspirou as artes plásticas; animou a poesia e as letras e marcou com o seu selo inconfundível a nossa vocação, o nosso génio universalista, luminosamente projectado na iniciativa e no sentido humano e espiritual do que há de mais alto e mais criador no nosso labor histórico - os descobrimentos, a colonização, a evangelização, o abraço geográfico e místico de toda a terra e o amor fraterno e cristão de todas as raças.
Verdade tão profunda a essência cristã da nossa história que bem se pode dizer: recristianizar a Nação é reaportuguesar Portugal.
Eis porque os ditames mais claros e mais imperativos do nosso nacionalismo mandam que se ampare, que se exalte, que se acarinhe tudo que tenda a insuflar espírito e vida cristã na alma deste povo, que nasceu e viveu sempre, nas suas grandes horas, constante e alegre, no amor e no serviço de Deus.