13 DE MARÇO DE 1948 345
E, se queremos que a nossa Revolução seja integral, temos de a fazer no corpo e na alma da Pátria, no plano da vida material e nos altos domínios do espírito - nos altos domínios do espírito, acima de tudo. Não esqueçamos nunca a sentença luminosa do Evangelista: ao princípio era o Verbo - verdade sempre fresca e nunca desmentida pela vida.
O espírito das disposições que proponho está, a meu ver, na linha de uma política que em boa hora os Governos da Revolução Nacional adoptaram em relação ao problema religioso: reconhecimento do facto católico como uma realidade nacional. É não sómente realidade, no sentido de ser a religião professada pela grande maioria dos portugueses, mas realidade ainda mais profunda por serem católicas as raízes mestras da nossa tradição espiritual.
Não representa em verdade esta atitude a solução ideal no plano puro dos princípios, que essa seria o reconhecimento pelo Estado da verdade transcendente do catolicismo e implicaria para ele o dever de prestar culto público a Deus.
Mas é, na ordem prática, a solução conveniente e oportuna. Conveniente porque satisfaz a Igreja, que a aceita plenamente. Oportuna porque é a que corresponde às realidades e ao condicionalismo da situação portuguesa na hora em que vivemos.
Foi esta política, lúcida e sensata, que na lógica do seu desenvolvimento inspirou não só as disposições directamente atinentes aos interesses religiosos, mas toda a substância ideológica da Constituição de 1933, que levou à revisão de muitas disposições legais ofensivas da consciência católica; que promoveu e modelou a Concordata entre Portugal e a Santa Sé, diploma notabilíssimo, que, no certeiro juízo de voz autorizada, não ao e abre uma idade nova nas relações da Igreja e do Estado em Portugal», mas «certas soluções por ele achadas podem considerar-se mesmo como soluções de alcance universal»; foi ela ainda que presidiu ao Acordo Missionário, outro documento do mais alto sentido nacional e que reintegrou Portugal no rumo da sua alta vocação apostólica.
Política admirável que resolveu superiormente a grave questão religiosa, grave questão que encheu de ruínas a sociedade e as almas e que tinha já um longo rasto na história da nossa terra. Abriu-a o realismo monárquico, sujeitando a Igreja com cadeias douradas; agravou-a o liberalismo maçónico, já eivado de indeferentismo ou declarada hostilidade contra o catolicismo; levou-a ao paroxismo a fúria demolidora, quando o jacobinismo mais primário se instalou no poder em 1910 e proclamou como um dos seus mais altos, mais caros e mais obsediantes objectivos a extinção do catolicismo em Portugal dentro de duas ou três gerações.
Consideremos agora o problema dos feriados civis. Propõe a Câmara Corporativa no seu parecer o adiamento desta questão. Não me parecem convincentes as razões invocadas para aceitar a sugestão. Já ontem o Deputado Dr. Albano de Magalhães deu aqui razões em contrário, que eu perfilho e me dispenso de repisar. No meu entender, ao contrário, este problema deve aqui ser posto e ser resolvido. Deve ser posto com clareza e seriedade. Deve ser resolvido com elevação e com desassombro.
Exigem-no a dignidade e o interesse da Nação. Impõe-no a lógica dos nossos princípios políticos, que ao primado dessa dignidade e desses interesses tudo mandam subordinar, no duplo plano da doutrina e de acção. A escolha dos feriados civis é verdadeiramente um problema de interesse nacional.
Os feriados civis assinalam e consagram solenemente as datas culminantes da vida da Nação. Alteiam-se, como os marcos milenários da sua trajectória histórica e como a afirmação mais alta do seu património espiritual. São dias de evocação, em que o povo rememora os seus grandes vultos e os seus grandes feitos e se afervora no culto do seu passado e no amor das suas tradições mais veneráveis. São dias de júbilo nacional, em que o coração dos homens, em íntima comunhão com os seus grandes mortos, ajoelha diante do altar da Pátria, na exaltação das grandes emoções colectivas.
Datas altamente simbólicas, nelas se deve projectar o que há de mais profundo e de mais expressivo na herança histórica da Nação. E o que há de mais profundo e expressivo não são apenas as horas douradas de esplendor, nem só as galas, nem só as pompas, nem só os gigantes que avultam nas linhagens de uma raça. São, acima de tudo, as suas tradições mais representativas, aquelas em que melhor se patenteia o seu génio, a sua força criadora, aquelas em que mais vincadamente se inscrevem as linhas de força da sua história.
Pela escolha dos seus dias de festa nacional um povo revela aos seus olhos e aos olhos do Mundo a sua concepção suprema da vida, o conceito que tem de si próprio, dos seus grandes ideais colectivos, do seu destino e da sua vocação.
Têm estas datas um alto valor educativo, contribuem para formar a consciência nacional, contribuem para revigorar a vontade colectiva, contribuem para nos unir dentro da comunicação mística com os nossos mortos e que fez de nós seus herdeiros e seus continuadores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É a esta luz que deve ser revisto o problema e eu vou começar a correr, a passar em revisão os actuais feriados nacionais. Três há que estão integralmente dentro deste espírito nacional: o 3 de Maio, o 10 de Junho e o 1.º de Dezembro.
Dois outros que só podem subsistir desde que lhes seja restituído o seu sentido religioso: o 1.º de Janeiro e o 25 de Dezembro.
Restam dois: o 31 de Janeiro e o 5 de Outubro.
Não se me entaramela a língua ao ter de apreciar este problema. Sei muito bem os perigos do terreno que piso, os sentimentos, as paixões, os preconceitos que a toda a hora me podem aparecer no caminho. Mas, apesar de tudo, quero ser claro e desassombrado, pondo o problema objectivamente e com dignidade, no campo nacional.
Sei que apesar de tudo há-de, com certeza, vir a exploração em volta das minhas palavras. E da observação que nada vale a lógica da razão contra a lógica dos sentimentos, das paixões e dos interesses.
Apesar de tudo direi.
Consideremos primeiro o 31 de Janeiro. Não pode ser considerado, à luz do interesse nacional, à luz do sentido elevado e dignificante que devem ter os feriados nacionais, como uma data nacional. E uma data de partido, representa um movimento de partido, não só pela concepção em si, porque considerava a Pátria não como ela era, na sua realidade eterna e substancial, como também pelo mais.
A Pátria não é uma criação arbitrária dos homens, é uma realidade, filha da geografia, filha da raça, filha da história. A Pátria temos de a aceitar como ela é, na sua projecção permanente, nas suas grandes linhas de força. Não era essa a concepção que o 31 de Janeiro tinha da Pátria. Não quero fazer a sua análise. Quero simplesmente dizer que não coincide com o sentido profundo, com a imagem eterna da Pátria. Mas, mais: esse movimento surge como consequência de outro movimento que desvirtuou gravemente o sentido de uma reacção nacional e que teve uma acção perturbadora antinacional na hora em que eclodiu. Em face do agravo do ultimato, a Nação levantou-se numa reac-