1 DE ABRIL DE 1948 408-(7)
Conforme acentua o Prof. Marcelo Caetano 1, a lei de 26 de Julho de 1912 não se limitou à referência vaga a uma utilidade pública abstracta, mus definiu os fins de utilidade pública que davam lugar à expropriação regulada na mesma lei. E, como já se viu, essa enumeração tem sido aumentada de 1912 para cá com novos fins de utilidade pública que diplomas com força de lei expressamente estabelecem.
Na lei de 1850, como já se viu, não havia enumeração dos fins de utilidade pública, mas aí a expropriação de determinado prédio era autorizada directamente por lei ou por decreto do Governo, sobre consulta da secção administrativa do Conselho de Estado. Portanto, a acção coactiva imposta ao particular entrava em contacto com este directamente por um diploma de carácter legal, que assim continha ao mesmo tempo a autoridade objectiva do reconhecimento da utilidade pública na própria expropriação autorizada.
O sistema da proposta pretende aproveitar da lei de 1850 a inexistência duma concretização, em regime de generalidade, dos fins de utilidade pública: mas vai buscar ao regime da lei de 1912 a simplificação do acto declarativo, citando em apoio da sua tese o princípio do artigo 7.º do decreto n.º 19:881, de 12 de Junho de 1931, que, seja dito de passagem, não é suficientemente claro ao dispensar que a obra aprovada se mostre incluída em qualquer dos fins de utilidade pública ao tempo fixados na lei.
Exemplificando: se amanhã o Governo entender que deve ser dado carácter de interesse público à instalação de determinado armazém de vinhos, na tese da proposta poderá fazê-lo, por acto administrativo convenientemente fundamentado, independentemente da lei que dum modo geral considere tais instalações de interesse público.
A Câmara Corporativa não deixa de reconhecer que as necessidades da colectividade dia a dia conduzem a novos aspectos de intervenção do Estado e, portanto, a um alargamento dos fins de utilidade pública justificativos da expropriação forçada dos bens particulares; porém, essa consideração não a impede de concluir pela conveniência de que a declaração de utilidade pública se mova sempre dentro dos motivos taxativamente designados na lei. Afigura-se de toda a vantagem separar o que é privativo dum acto legislativo e dum acto administrativo.
Acresce que o sistema constitucional português não contém limites de tempo à actividade legislativa que ponham em risco a oportunidade da publicação de qualquer diploma com força legal: a faculdade que assiste ao Governo de publicar decretos-leis a todo o tempo dá a esse respeito a maior tranquilidade.
Portanto a Câmara Corporativa, não desconhecendo que em outras legislações se segue o ponto de vista da proposta 2, sugere que à expressão «causa de utilidade públicas se acrescentem as palavras «prevista na lei».
16. Relativamente ao n.º 2 da base I, a Câmara Corporativa concorda, em princípio, com a doutrina nela exposta. Assente que não pode haver expropriação em relação a bens do domínio público, admite-se que eles, porém, possam ser afectados a outro fim de maior utilidade pública; e é de toda a justiça que as autarquias locais que ficam privadas desses bens tenham uma compensação, que por isso. deve constituir um direito, e não uma simples generosidade de quem promoveu
1 Manual de Direito Administrativo, 2.ª ed., p. 362.
2 Pascuale Carugno, 06. cit., pp. 27 e 40.
a alteração. Essa compensação é naturalmente dada em espécie, uma vez que os bens do domínio público carecem de valor venal 1.
BASE II
17. A redacção desta base não pressupõe só por si a subsistência do princípio do artigo 3.º da lei de 26 de Julho de 1912, segundo o qual é lícito o resgate das concessões de serviços públicos por acto unilateral das entidades concedentes, quando o resgate seja declarado de utilidade pública; efectivamente, bem poderia suceder que, mesmo sem a manutenção dessa faculdade, o título de concessão estabelecesse o resgate contratual, e assim a base, que nesse ponto define uma consequência e não o próprio condicionamento do acto principal, teria sempre campo de acção.
Porém, o n.º 3 da base XI corta cerce qualquer dúvida, pois aí se fala na declaração de utilidade (subentende-se pública) do resgate da concessão, o que portanto não deixa dúvidas sobre a continuação do regime actual; e, de resto, seria talvez anómalo que, sendo o resgate unilateral uma figura muito aproximada da expropriação, não fosse esse resgate considerado no que constituía ponto de partida para uma expropriação de bens acessórios.
18. O resgate por via unilateral de uma concessão de serviço público tem de comum com a expropriação a circunstância de ser imposto, assentar numa prévia declaração de utilidade pública e dar lugar a uma indemnização; %diferencia-se dela, porque não consiste numa transferência de propriedade. Pelo artigo 12.º da lei de 26 de Julho de 1912, o resgate só poderá ser imposto depois de decorrido um terço do prazo da concessão e .dá lugar a uma indemnização que abranja o valor industrial da empresa, o material móvel e imóvel, tendo-se em vista o que quanto a este se diga sobre o seu destino no final da concessão e os lucros cessantes.
O resgate contratual, pelo contrário, resulta de unia estipulação reciprocamente aceite, e por isso na sua efectivação há que observar as respectivas cláusulas do título de concessão. Em relação à concessão de distribuição de energia eléctrica dada por uma câmara, há que observar o que vem disposto no caderno de encargos-tipo aprovado pelo decreto n.º 15:861, de 16 de Agosto de 1928, e aí se contém, no artigo 22.º, o regime de resgate.
No resgate contratual não há, por conseguinte, declaração de utilidade publica, pois o seu fundamento reside no mútuo consentimento, expresso no contrato de concessão.
19. O resgate, quer se baseie em contrato, quer seja imposto por causa de utilidade pública, tem de realizar-se sem qualquer solução de continuidade na exploração do respectivo serviço. Sucede, porém, com frequência, ter o concessionário bens particulares estreitamente relacionados com a exploração.
Será, por exemplo, o caso dum bairro para o pessoal que trabalha no serviço dum edifício adquirido pela concessionária e em que ela montou a sua administração central. Se à entidade resgatante não fosse consentido alargar a sua apropriação a esses bens, poderia ser gravemente comprometida, na transição da exploração, a regularidade do serviço.
Por isso, o decreto n.º 21:880, de 18 de Novembro de 1932, providenciou no sentido de mediante despacho do Conselho de Ministros, ficar assegurada a expropriação de bens particulares afectados u exploração ou
1 Marcelo Caetano, ob. cit., p. 368.