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678 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 157

O Sr. João Ameal: - Sr. Presidente: já tive ocasião de manifestar aqui, na última sessão legislativa, o meu aplauso à Junta Central das Casas do Povo quando esse organismo resolveu instituir uma série de prémios destinados aos nossos escritores que, através de romances, novelas ou contos, procurem dar uma verídica imagem da vida portuguesa - especialmente da vida dos trabalhadores portugueses, das oficinas ou dos campos. Sublinhei nessa altura que se trata de um dever moral e nacional reagir contra a dissolvente e suspeitíssima literatura de ficção que nos últimos anos se multiplica entre nós, claramente dominada por intuitos subversivos, claramente subordinada a um comando único, e na qual se deforma a real fisionomia do nosso povo, se lhe atribuem falsos sentimentos de ódio, de vingança, de luta de classes, se lhe dirigem flagrantes convites à revolta, dentro de uma receita de puro sentido marxista.
Depois de ter aqui falado a tal respeito, chamaram-me a atenção para um romance desse tipo em que se chega a incitar directamente ao assassínio: certa personagem aconselha um trabalhador rústico, pretensa vítima de opressões e abusos desumanos,, a suprimir o seu patrão na primeira oportunidade... É o conselho infame não fica por aí; generaliza-se logo, até fixar como programa a liquidação completa da classe: é necessário - clama a referida personagem - matar, em toda a parte, todos os patrões... Eis onde vai ter a escola literária que a si própria conferiu a designação eufemística de neo-realismo e que não passa de alinhamento de um grupo do autores desnacionalizados com os seus camaradas da chamada «literatura de choque» soviética...
Por isso louvei a Junta Central das Casas do Povo, na medida em que a instituição dos seus prémios assegura estimulante recompensa aos romancistas e novelistas da autentica vida portuguesa, do autêntico povo português.
Esta iniciativa é, porém, apenas um dos aspectos de uma actividade que apresenta muitos outros e merece, portanto, outros elogios.
Repare-se, por exemplo, no interesse com que a Junta Central promoveu a constituição de museus e bibliotecas nas Casas do Povo; com que organizou sessões de leitura; com que tem diligenciado restaurar o gosto pelas artes e indústrias regionais, graças à fundação de cursos de artesanato.
Repare-se no nível e na variedade dos numerosos estudos inseridos na sua revista Mensário das Casas do Povo - assinados, com frequência, por nomes de especialistas da nossa historiografia, da nossa etnografia, da nossa literatura de folclore.
Repare-se, enfim, nos três concursos que abriu: o primeiro, em Dezembro de 1946, a que já aludi; o segundo, em Junho do ano passado, para elaboração de uma história do trabalho rural em Portugal; o terceiro, recentemente, para a elaboração de um trabalho de investigação histórica e de crítica literária.
É a este último que desejava referir-me especialmente hoje, pela importância do seu toma e da tarefa a que convida.
Trata-se de promover a execução de um estudo que incidirá sobre a forma por que a vida, o trabalho e a arte populares têm servido de assunto entre nós para o conto, a novela e o romance, nas suas relações com a história política do País, desde os princípios do século XIX até aos dias de hoje.
Quer dizer: procura-se levar os nossos escritores verdadeiramente conscientes da sua missão social e nacional ao exame sério das influências que durante os últimos cento e cinquenta anos se marcaram nas obras de ficção consagradas a cenas da vida do povo português.
Questão puramente literária? Não a traria para aqui se apenas o fosse. Mas quem duvida de que, atrás e para além do literário, está, nestes domínios, o espiritual, o moral, o político? E, porque somos uma assembleia política e devemos estar atentos à defesa dos valores espirituais e morais da Nação...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ...julgo perfeitamente indicado chamar a atenção de VV. Ex.ªs para este problema.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Lembrou Pierre Lasserre, na magnífica e justiceira análise que dedicou ao romantismo francês, e que tinha por subtítulo «Ensaio sobre a revolução nos sentimentos e nas ideias durante o século XIX», haver certas causas que fazem crescer e prosperar as nações, outras que as fazem declinar e sucumbir; haver certas causas que mantêm a coesão dos grupos sociais e das famílias, outras que neles semeiam a discórdia; haver certas causas que fortalecem o homem no cumprimento dos deveres, lhe firmam a unidade e a personalidade, e outras que lhe dissolvem a vontade, lhe pervertem o carácter e pulverizam, num tumulto de incoerências e de transigências, a linha recta da sua marcha e do seu esforço. E Lasserre acusava o romantismo de ser, pela apologia da liberdade sem freios, pela exaltação sistemática das paixões e dos apetites, pela desagregação do conceito de comunidade, a favor do embate anárquico dos indivíduos autónomos - um dos grandes corruptores do seu país, um dos grandes veículos de fratricídio e decadência. Por meio de quê? Das obras de ficção -poemas, romances, novelas -, em que se instaurava o culto absurdo do homem livre (livre de regras orientadoras, de disciplinas éticas, de limitações de qualquer ordem) e se estimulava esse homem livre a sacudir cadeias e a abater muralhas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O romantismo vulgarizou a revolução, insinuou-a, em doses mínimas ou em doses maciças, nas inteligências mal resguardadas e nas sensibilidades desprevenidas.
Se se pode ver em Rousseau o patriarca da insurreição fatal consumada nos fins do século XVIII e nos inícios do seguinte, perguntaremos quais os seus livros mais espalhados e mais venenosos: o Discours ser l'inégalité parmi les hommes, o Contraí Social ou o Emile, as Confessions, a Nouvelle Heloise? A essência era a mesma. O mesmo apelo soava no tratado de mitologia política e na larga novela passional, cheia de lirismo empolgante e declamatório.
Mas a obra de ficção tornava muito mais fácil - através de personagens imaginadas e de situações artificiosas - dar corpo e ardor a teses francamente revolucionárias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Literatura apenas? Política! E política da mais perigosa, porque muitos a não descortinam e se não defendem a tempo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Convidar os nossos historiadores e críticos a examinar e a desmontar, de dentro para fora, essa alquimia perversa que faz da vida, dos enredos e das personagens fictícias os melhores instrumentos de intoxicação colectiva, é denunciar com inteligência e oportunidade uma das armas favoritas dos inimigos da Ordem e da Pátria.

Vozes: - Muito bem!