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180 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 63

do País - pode perdurar, mas não interessa. E acaba fatalmente por cair, apagando-se dentro do vazio que por suas próprias mãos criou.
Só a um Governo destes, que precisa de viver de qualquer modo, que não tem força para encarar abertamente a luz do dia, e, antes, se fecha e se protege atrás de fingimentos que não contam, pode interessar, na verdade, uma Câmara que tenha unicamente por missão incensar e aprovar; a ilusão deste processo inconsistente de defesa comprovou-a o Mundo já, também em experiências bem tristes e recentes, que encontram na figura de Cipolla, que Tomás Mann criou, um simbolismo que nos obriga a meditar.
Apoiados.
Governos que tal pretendam confessam à puridade a falta de prestígio dos seus homens, o desinteresse da sua própria actuação; e sinto poder dizer também, com a aquiescência de todos, que a maior das injustiças que se poderiam cometer quando analisamos, em conjunto de vantagens e defeitos, a obra moral e material que se levou a cabo nestes últimos vinte anos era pretender que se tornava necessária uma Câmara assim moldada para que se pudesse manter por largo tempo ainda essa continuidade que foi a nossa salvação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E essa continuidade impõe-se, aliás, por dois motivos: pelo reconhecimento de que só através dela poderemos corrigir os erros e os defeitos que, apesar de tudo, dentro dela se encontram aqui e além e pela convicção de que só através dela poderemos plasmar a política do futuro, condição indispensável - nunca é demais repeti-lo - para se evitar com segurança um retrocesso ao passado.
E hoje até, mais do que nunca, o Governo tem necessidade, a par da colaboração cada vez mais necessária da Câmara Corporativa, da contribuição da Assembleia Nacional, como organismo eleito, na discussão dos problemas e na orientação das soluções. Na realidade, quanto mais se passa do campo do arrumo e da reorganização para o campo da acção e das realizações, tanto mais o País tem o direito de fazer ouvir a sua voz, tanto mais o País tem necessidade de ter perante si a conta corrente de trabalhos em quantidade, em qualidade e em preço que a ele se destinam e que por ele são pagos.
Muitas questões precisam de ser publicamente ventiladas, torna-se imperioso discutir abertamente os prós e contras de várias soluções, temos de chamar a atenção dos governados para este terreno de análise, onde, sem paixões mas sem rodeios, pode surgir a verdade que os tranquilize ou oriente; precisamos de medir com toda a objectividade as necessidades que sentimos, as possibilidades que temos, as tarefas que estamos levando a cabo, aquilo que ainda temos para fazer: se tudo isto fizermos olhando com coragem para a frente, podemos deixar para traz, como quebra-mar que não interessa, as dificuldades que tivemos no passado, os inconvenientes que existiam no passado, o perigo de um retrocesso ao passado...
Só então afirmaremos, num rasgo de vitalidade, que o interesse e a aceitação do presente se polarizam na direcção do futuro.
Mas o Governo está tratando dele. Como não aceitar que seja assim, se nisso está a sua própria obrigação? Simplesmente é necessário, imprescindível, que a Nação o compreenda e o sinta, que a Nação colabore abertamente com os governantes no acatamento compreensivo dos sacrifícios que se impõem para a obtenção de benefícios e vantagens, que já não serão, talvez, para nós.
E aqui a acção da Assembleia Nacional é, pode dizer-se, insubstituível; o Sr. Presidente do Conselho, com a posição que marcou ao findar o seu valioso relatório, mostrou exactamente a sua alta independência intelectual e moral, reconhecendo a necessidade e a Vantagem de uma colaboração estreita entre esta Câmara e o Governo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho não fez mais, aliás, do que reconhecer a forma como esta Câmara pode trabalhar: numa independência completa em relação aos homens; numa dependência total em relação a princípios formativos. Podemos, na verdade, ser simpatizantes com formas bem diferentes de governo, somos capazes - e temo-lo mostrado - de estar a discordar em muitos pontos, mas julgo que todos nos unimos em volta desta norma de actuação parlamentar: não se critica, aqui, na ânsia doentia ou calculada de destruir ou de dificultar, mas sim porque, sentindo como temos condições que nos sobejam para sermos mais perfeitos na acção interventiva do Estado na vida nacional; porque, sentindo como certos erros e processos são incompatíveis com aquela doutrina que entusiasticamente aceitámos quando algo de novo surgiu em Portugal; porque, sentindo como está nas mãos do Chefe do Governo estruturar um futuro para esta situação que se criou, quando sentimos tudo isto, podemos dizer que criticamos na ânsia compreensível de querer ainda melhor.
Apoiados.
A colaboração que se nos pede pode ser, por isso mesmo, de um alto valor político; devemos, para tal, organizá-la de forma que, mais do que atitudes isoladas e dispersas, no individualismo dos protestos ou louvores, na análise das soluções já adoptadas ou das propostas de outras que nos pareçam mais convir, tenha para base, devidamente integrada numa determinada dogmática (e onde, afinal, repousa e se fortalece o princípio de autoridade que aceitamos e acatamos como indispensável ia vida nacional), tenha para base, dizia eu, uma actuação tal que nela se evidenciem, na realidade, tendências que ao Governo interesse conhecer e considerar, ponderar e interpretar.
Poderemos ser então, talvez, intransigentes quando notamos erros que nos diminuem sem perdão; poderemos ser demasiado violentos nas nossas reacções quando sentimos viverem à nossa sombra interesses que não contam para o País; mas, seja como for, o Governo só terá a aproveitar com essa colaboração que lhe prestamos: porque, mesmo na hipótese, aliás provável, de actuarmos sobre razão que não assiste, fica o Governo sentindo a necessidade em que se encontra de esclarecer a Nação; fica o Governo a sentir até que importa «saber» esclarecê-la. Porque o efeito político de uma determinada medida não nasce só da própria medida em si, mas também do modo como ela se recebe e interpreta: disse um dia o Sr. Presidente do Conselho - e disse bem - que em política o que parece é.
Temos obrigação, portanto, de corresponder a este apelo do Governo com tanto ou mais entusiasmo com que corresponderíamos ao da nossa consciência, levantando, sem qualquer apelo especial, as nossas objecções. Nesta colaboração que agora nos é pedida só cabe, como é evidente, a verdade, e tenho para mim, de resto, que o acto de melhor lealdade na colaboração política está precisamente nesse campo.
Foi dentro deste espírito que resolvi apreciar a proposta da Lei de Meios sob um dos seus aspectos mais particulares e mais graves.

Vozes: - Muito bem, muito bem!