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15 DE DEZEMBRO DE 1950 181

O Orador: - Não desconhecem VV. Exas., nem creio que o Governo o desconheça também, que se nota no País um certo movimento de crítica à nossa administração, podendo acarretar para os espíritos um estado quase mórbido de afastamento e de cansaço; essa crítica, que umas vezes as circunstâncias facilitam e outras certos homens parecem empenhados em fomentar não sei porquê, tem, por assim dizer, altos e baixos, mas vai, em cada dia que passa, perdendo objectividade.
Após a recomposição ministerial que teve lugar nos princípios de Agosto deste ano, a situação, pode dizer-se, melhorou, pelo menos no que respeita ao ambiente político que se vivia no País; e até, em relação a certos sectores mais delicados, houve um renascimento de esperança quanto a novos caminhos a seguir.
Pois bem: talvez eu vá contrariar a opinião de muitos, talvez eu vá, até, ferir alguém que não pretendo, mas tenho de afirmar, em plena consciência, que pena foi que a proposta de lei que estamos discutindo viesse a constituir uma inesperada surpresa para bastante gente.
Não discuto, por agora, a necessidade de certas medidas que nela se propõem, como creio que, a tornarem-se precisas, o País as não discutirá também; o que pergunto é por que é que vieram a final a ser precisas, e por que razão surgiram de repente, a constituir desalento para muitos.
Recordo a nota oficiosa do Ministério das Finanças de 17 de Junho do ano que findou, acerca de «certo estado de alarme criado no espírito público» pelo conhecimento de que aquele Ministério «tomara medidas tendentes à compressão de despesas do Estado, e, também, pela publicação de diplomas aumentando algumas receitas». Nela se considerava injustificado tal alarme e, numa nota de tranquilidade, afirmava-se que só pessoas habitualmente alheadas da apreciação dos fenómenos financeiros poderão ver sintomas de crise em medidas prudentemente destinadas a manter a política de fomento com a habitual folga de tesouraria».
E no relatório das Contas Gerais do Estado de 1949 não se encontram afirmações a traduzir alarme no campo das finanças públicas.
Relembro a última conferência do Sr. Ministro da Economia com a imprensa, marcando, do princípio ao fim, um ambiente de optimismo com base no regresso, que sentia, para a normalidade - e isto não poderia deixar de alegrar o coração dos portugueses; como relembro a sua afirmação tão clara acerca dos resultados obtidos quanto ao comércio externo e balança de pagamentos, que classificou simplesmente de brilhantes.
A esperança podia renascer, portanto, e aqueles, por exemplo, que vivem dos seus magros vencimentos ou aguardam, ansiosos, as suas merecidas promoções ou os seus contratos viram derrubar-se todo esse optimismo, em face da fria rigidez com que se vinca a necessidade imperiosa de uma austeridade maior.
A proposta de lei, que marca, muito embora, boas directrizes, mas que não quero discutir senão sob aquele aspecto, constitui, torno a dizer, uma surpresa dolorosa a contrapor-se à tranquilidade, à alegria e à esperança que pessoas responsáveis nos tinham incutido há pouco tempo.
Há quem pretenda, até, que aqueles quatro pontos postos pelo actual Chefe do Governo, quando tomou posse das Finanças em 27 de Abril de 1928, marcando as condições axiomáticas da sua reforma financeira que nos tirou do caos, são ultrapassados, na severidade e na rigidez que já traduzem, por aquilo que veio a prescrever-se nesta, proposta de lei. Certas minúcias, possivelmente descabidas, que só transcrevem nela, por se referirem a questões de simples regulamentação ministerial ou de orientação do próprio Ministério das Finanças no seio do Governo, podem justificar-se pela necessidade de dar demonstração, através de exemplos que nada terão que ver com a própria lei em si, do grau de compressão que se torna imprescindível para as despesas, em face da carência que temos de receitas.
Quando, em 1928, o Ministro das Finanças impôs as suas normas restritivas, o País acolheu-as com entusiasmo, apoiando incondicionalmente a visão e a coragem desse homem, que viera a final impor aquilo que se devia ter já imposto há muito tempo; quase que se podia falar em alegria - pelo menos na alegria que nos dão as atitudes que redimem.
Mas agora, após vinte e dois anos de disciplina financeira, em que, pari passu da marcha governativa. o Ministério das Finanças exerceu inflexivelmente, tenazmente, o seu contrôle, em que tudo se subordinou nos seus princípios e, senão à sua orientação, pelo menos ao seu comando censor, em que, acabada a ditadura do Governo, se manteve inexorável a ditadura financeira dentro dele, já não é com entusiasmo, decerto, que podem ser acolhidas de novo medidas semelhantes.
Acolhem-se, pelo menos, com espanto, e impõe-se esclarecer as suas causas e demonstrar as suas razões, para que o espanto passe a dar lugar a uma compreensiva aceitação.
Que são precisas? Não discuto; o que pergunto é se elas vêm, na realidade, comprovar a excelência do critério que em grande parte presidiu à fixação e distribuição das despesas durante estes longos anos de absoluto comando das finanças.
Para desde já evitar todas as eventuais confusões que, voluntária ou involuntariamente, se teceram em volta de tudo aquilo que acerca deste assunto melindroso aqui se disse no ano que passou, e que levou talvez a esquecer de se discutir certas coisas que afirmei, por se teimar em manter considerações em relação a hipóteses de partida que não pus, peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para relembrar num curto instante aquilo que disse então acerca do equilíbrio orçamental e da subordinação - passe o termo - do «financeiro» ao «económico».
Tudo se encontra devida e claramente relatado no Diário das Sessões n.º 9, de 15 de Dezembro próximo passado.
1.º ponto (p. 92, col. 1.ª, 1. 66.ª a 73., e col. 2.ª, 1. 1.ª a 17.ª). Disse eu:

A severidade com que se tem marcado a nossa técnica orçamental, a clareza modelar, a precisa pontualidade com que se apresentam os números que a definem, são garantia plena da honestidade no trabalho e, principalmente, da solidez dos princípios que há muito vêm presidindo às contas públicas portuguesas; a preocupação do seu arrumo, a coragem de não deixar sacrificar à euforia de uma grandeza passageira a segurança previdente, capaz de garantir para o futuro uma boa administração financeira, a certeza de uma verificação constante e objectiva do modo como se gasta, do modo como se amealha, são também garantias, por seu lado, da preocupação premente de ter sempre na devida ordem este conjunto complexo de receitas e despesas, e que há muito constitui uma das melhores pedras de toque da estabilidade nacional.
O princípio dum equilíbrio orçamental, mais do que um simples acto de pura administração judiciosa, traduz uma das mais transcendentes características de uma política de verdade, que corajosamente se apresenta, e se oferece, como pólo oposto, aos processos de administração financeira, que cobrem com deficits mais largos ou mais estreitos a mentira de procurar realizar aquilo para que não dispõem de meios.