182 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 63
Mantendo, como mantenho, o mesmo ponto de vista, julgo não me encontrar de qualquer modo fora daquele princípio basilar da nossa reforma financeira; e, sendo assim, discuto o problema na mesma base de partida, o que é fundamental para comparar conclusões.
Seja-me permitida, contudo, uma observação, aliás ligeira: que houvesse quem fosse capaz de ler sem saber como se escreve, não era novidade para mim; mas haver quem escrevesse sem saber como se lê, isso é que constituiu, para mim também, uma verdadeira surpresa ...
2.º ponto (p. 93, col. 1.ª, 1. 9.ª a 36.ª). Disse eu:
Se o orçamento constitui um elemento de acção, se fomenta a economia nacional, se facilita a criação da riqueza, se tem vida e dinamismo na sua contextura, a disciplina financeira aparece, por mais severa que seja, com o próprio fundamento de salvaguardar o fim que se encontra na essência da sua concepção - e, então, todos a acatam; mas se, pelo contrário, se cai na rigidez da pura contabilidade aritmética, indo buscar a paliativos de momento a possibilidade de equilibrar simples despesas correntes ou outras a que, excepcionalmente, nos vejamos obrigados, se teimamos numa vida estática entre o alinhamento dos números existentes, se não procuramos alterá-los por novos meios da nossa economia, se não sabemos tirar todo o proveito da muita riqueza que temos em potencial pelo País, se tudo subordinamos ao critério dum equilíbrio no que existe e não tratamos de obter um equilíbrio mais largo, mais são e mais profícuo, através do muito que podemos encontrar ainda, então a situação é, na verdade, diferente.
Já não vivemos, somente, sob a disciplina, lógica e construtiva, de uma administração obediente a determinado conceito de sanidade financeira, mas sob a hegemonia perigosa de um critério de pura contabilidade orçamental, que pode levar a esquecer o princípio posto por Salazar na Sala do Risco, em 1930, de que a par da ordem na administração tinha de existir a ordem financeiras e «sobre esta e por meio desta o desenvolvimento económico».
E perguntarei, agora, unicamente:
É ou não verdade que o processo da despesa pública reside, em grande parte, na transformação do património financeiro em património económico?
É ou não verdade que o processo da receita pública reside na reconversão do património económico em património financeiro?
Se é assim, por que razão não aceitar que o fluxo das despesas públicas, capazes ide espalhar, directa ou indirectamente, a produtividade, não seja capaz de preparar um refluxo de rendimentos, capazes de procurar, directa ou indirectamente, um aumento de riqueza utilizável do Estado?
As finanças públicas não podem encontrar na política económica geral nem servidão nem concorrência, dado que têm de ser francas colaboradoras dela; já hoje não são, como o poderiam ser ontem, simples repartidoras ou consumidoras de riquezas, mas, acima de tudo e fundamentalmente, criadoras delas.
Esta é, de resto, a directiva da política financeira do Estado que marca uma orientação nova dos processos, a tornar bem evidente a mudança que se operou no decorrer dos últimos vinte anos e que a levam, das qualidades estáticas que tinha, de parcimónia, «descrição e pouco mais, às qualidades dinâmicas que vêm a traduzir-se numa função interventiva fomentadora de riqueza.
Revelam-se as consequências desta nova forma nos campos social e económico; e lembro, de passagem, a opinião corajosa de um moderno tratadista, de que nunca se impôs tanto como agora a alternativa axiomática de que a negação do social conduz à revolução e a negação do económico é o caminho mais aberto para nos levar à ruína.
Por isso todo o encorajamento que dermos ao Governo para a realização de um bom trabalho nestes campos é sempre um dever e é sempre pouco.
Não esqueçamos, meus senhores, que, ao referir as características das despesas públicas sob o ponto de vista político, o Prof. Laufenburger, detentor da cadeira de Finanças da Faculdade de Direito de Paris, as aponta como constituindo a alma política do Estado; e na sua recentíssima Teoria Económica das Finanças Públicas o Prof. Masoin, da Faculdade de Direito da Universidade de Liége, lembra, por sua vez, que a política financeira do Estado deve tender - tem de tender! -, por todos os meios e em todas as circunstâncias, para se conseguir aquela abundância, aquela segurança e aquela justiça que são as condições económicas e sociais do bem comum. E ilustra este conceito, que reputo por mim indiscutível, com opiniões dos melhores economistas a militar em políticas diferentes; faz, digamos nós, a sua demonstração partindo exactamente da inteira concordância neste ponto de homens sabedores e experimentados, que tanto discordam noutros.
Para muitos, porém, defender este critério é ser-se partidário inconsciente duma política de desequilíbrio orçamental, visto que, sem a menor dúvida, este seria consequência inevitável dele.
A resposta a tão precipitada conclusão resume-se, aliás, a muito pouco; só a isto: as receitas vêm, como é evidente, do que existe, do que está, ao passo que as despesas, se em grande parte se destinam ao que se deve, também se podem destinar ao que se quer.
E nada impedirá, portanto, que as possamos destinar a fomentar riquezas e bem-estar social.
Mesmo nas próprias crises, nas próprias conjunturas, não há normas indiscutidas e indiscutíveis para a política a aceitar quanto às despesas do Estado: se uns são partidários - e constituem, sem dúvida, a maioria de restrições no seu volume, com vista à salvaguarda do equilíbrio financeiro, outros, pelo contrário, defendem o seu aumento nessas circunstâncias anormais, como único meio, na verdade, de se poderem libertar rapidamente delas.
Se a Argentina, a Austrália, a Bélgica, o Canadá, a França e a Inglaterra restringiram as suas despesas orçamentadas no período de 1930 a 1935-1936; por exemplo, o certo é que seguiram política diferente a Dinamarca, os Estados Unidos, o Japão e a Suíça - não tomo posição no problema: aponto simplesmente o facto à consideração de VV. Exas., nada mais.
Mas retomemos as considerações que me prendiam.
A par das despesas reais e de repartição aparecem-nos, como de primacial interesse para o Governo e para os governados, as chamadas despesas reprodutivas, ou sejam todas quantas possam encontrar contrapartida no valor económico dos bens para cuja criação concorrem: justificar-se-iam, portanto, pelo seu próprio rendimento económico e financeiro.
Ora a pergunta que, desde já, se pode aqui fazer é se é ou não verdade que entre muitas despesas realizadas nos últimos quinze anos algumas se poderiam talvez ter sacrificado em benefício de outras de muito maior interesse sob o ponto de vista do «rendimento nacional»?
Não discuto, porque não tenho competência para o efeito, aquelas que se devem considerar como improdutivas sob o aspecto económico, e que tiveram lugar,