15 DE DEZEMBRO DE 1950 189
guardar o prestígio das pessoas que exercem determinadas funções».
Da, leitura do relatório da Direcção-Geral de Administração Política e Civil fica-se com a impressão de que tais reparos não se têm verificado e que as edilidades inspeccionadas têm exultado não só pela forma como tudo tem corrido, mas pelos resultados vantajosos para a administração local.
Sr. Presidente: outra tem sido a linguagem ouvida nos arraiais políticos. E, sem pretender prejudicar o valor do que se diz nos ofícios transcritos e dimanados de várias câmaras municipais, posso garantir a V. Ex.ª que, mais do que os reparos muito lealmente referidos pelo distinto Ministro do Interior, tem havido repetidos e enérgicos protestos, e são constantes as alusões fritas às consequências nocivas daí resultantes para o prestígio das pessoas que exercem as altas, difíceis e trabalhosas funções de presidentes e vereadores das câmaras municipais e doutras autarquias, quase sempre gratuitas, prestígio que o mesmo Ministro reconhece, e muito bem, ser necessário salvaguardar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esclarece o ofício da Direcção-Geral de Administração Política e Civil que as inspecções efectuadas por este organismo são definidas pelo artigo 373.º do Código Administrativo e pelo artigo 16.º do Decreto n.º 36:702, de 30 de Dezembro de 1947.
O primeiro daqueles diplomas, vá que não vá.
Foi-se um pouco longe demais reconhecendo aos inspectores administrativos competência para «averiguar a obra realizada pelas autarquias locais», uma vez que à palavra «averiguar» se dê o significado de apreciar, pois esta função exige preparação técnica e conhecimento das necessidades e possibilidades locais, difíceis de se verificarem nos referidos inspectores.
Mas o citado artigo do Decreto n.º 36:702 vai mais longe, pois reconhece aos inspectores administrativos competência para averiguarem quais as necessidades públicas mais instantes das autorquias respectivas e grau de urgência, e orientarem sobre a ordem de resolução dos problemas e outras atribuições de equivalente jaez, como se os tais senhores do Terreiro do Paço tivessem conhecimento para decidir das necessidades dos povos rurais e competência técnica para se pronunciarem sobre as obras precisas para as atender.
Valha-nos Deus, já que as leis dos homens são o que acabamos de ver e expõem as sacrificadas autarquias a tais inspecções e aos desígnios que os respectivos inspectores ordenarem sobre a vida local, e às devassas que entenderem fazer, e aos inquéritos que determinarem, e às conclusões a que chegarem, e ao risco de sentenças condenatórias, e ao desprestígio que tudo isto implica, e à fobia e consequente abandono de funções de administração local pelos homens bons do concelho, e ao inevitável engrossamento do funcionalismo, e à correspondente burocratização dos serviços municipais, em suma, a uma perigosa hipertrofia de um dos sectores do Estado, o que em nada contribuirá, antes estorvará o equilíbrio que a nossa política sempre visara entre o Estado e a Nação, para que do concurso de todos possam resultar o progresso e o bem-estar gerais.
Sr. Presidente: no primeiro quarto de século do actual regime, que se completa no próximo dia 28 de Maio, todos nos esforçámos por dignificar e valorizar o principio da autoridade expressa na vasta gama dos Poderes Públicos, não hesitando para isso em diminuir-nos, e até apagar-nos, bem como em concentrar no erário a quase totalidade dos réditos da Nação.
Mas à medida que a máquina do Estado engrossava em poder e recursos alastrava e complicava-se a rede de formalidades e de exigências e assistia-se a certo definhamento da autonomia,, actuação e demais prerrogativas municipais.
Simultaneamente registava-se um intervencionismo e dirigismo, que iam asfixiando as actividades privadas.
Mutatis mutandis, tão empenhado fora o esforço do Estado Novo no capítulo social para dignificar e melhorar as classes operárias que nos esquecemos do vasto e importantíssimo sector das classes médias, alterando assim o anterior equilíbrio económico-social existente entre os variados sectores da colectividade, com manifesto dano dos interesses não só do funcionalismo em geral - militar e civil, professorado e outros servidores do Estado -, sobre os quais, recentemente e com razão, se ouviram nesta Assembleia palavras eloquentes de defesa, mas das restantes actividades agrícolas, industriais e comerciais, proprietários, capitalistas, profissões liberais e tantas outras que em tempos desfrutaram relativa abastança, mas que as dificuldades da conjuntura económica fizeram descer para uma mediania que frequentemente roça pela penúria e até pela miséria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ainda há dias, na reunião que os representantes distritais tiveram com a nova comissão executiva da União Nacional, eu afirmara que, entre outros problemas que importa tratar, avulta a tríade preocupadora da defesa das classes médias, sem prejuízo, é bem de ver, das legítimas aspirações do operariado; a simplificação da máquina burocrática, expurgando-a do exigências e formalidades desnecessárias, bem como de manobras intervencionistas e dirigistas que perturbam o trabalho e estiolam a actividade das empresas; e, finalmente, a valorização, paralelamente com a organização estadual, para cujo robustecimento todos vimos contribuindo, da organização civil, na multiplicidade dos seus componentes privados e dos organismos oficiais ou paraoficiais, uns de proveniência electiva e carácter acentuadamente político, a começar pelas juntas de freguesia, câmaras municipais, juntas de província, até ao último escalão constituído pela Assembleia Nacional, e outros de nomeação, como os governadores civis, presidentes de câmaras e tantos outros cargos cujas pomposas designações estão longe de corresponder à exiguidade de funções e limitação de poderes mercê de uma centralização politico-administrativa que tem pontificado por mais tempo do que conviria aos altos interesses da Nação, rumo inconveniente, que tem de ser alterado.
A ligar todos aqueles elementos que podem vir a ser utilíssimos ao País lá está a União Nacional, até aqui subordinada ao decreto que a criara, mas que o eminente português que preside à sua comissão central afirmou, em seu discurso notável de anteontem, que «a massa dos nacionalistas muito bem pode já tomar sobre si, definir os laços que os ligam e a orgânica em que desejam integrar-se».
Eis o rumo acertado, o único que pode e deve seguir a grande massa de nacionalistas, que, após um quarto de século de esforços patrióticos rematados por um dos maiores triunfos da nossa história, demonstrou poder dispensar em certos aspectos a intervenção do Poder Central.
Rumo tão acertado e justificado que conviria generalizá-lo aos restantes sectores, reduzindo ao estritamente indispensável o intervencionismo polimorfo do Estado na vida nacional.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.