362 diário das sessões n.º 73
E ainda se dirá que actualmente as mesmas câmaras devem a institutos de crédito cerca de 13:000 contos.
As possibilidades de realização dos fins cominados ás câmaras estão reduzidas a um mínimo total que se não vê como poderão constituir incentivo bastante para manter nos seus lugares os que se têm disposto a chefiar as edilidades pobres.
Sr. Presidente: nas zonas do continente, onde crises cíclicas várias mais dificultam as vidas dos povos, onde as massas trabalhadoras mais sentiram os efeitos da política económica e do desemprego forçado, não se conhece o economista Beveridge, mas sente-se que ele não se enganava ao escrever: "o maior mal do chômage não é a perda de um suplemento de riqueza material de que disporíamos se houvesse ocupação completa. Mas engendra dois males bem mais graves - o primeiro é o facto de os homens se suporem inúteis, indesejáveis e sem pátria; o segundo é que os homens passam a viver em estado de receio e o receio origina o ódio".
Nas mesmas regiões não se sabe se Leão XIII preconizou fórmulas para combater a lutado classes o conciliar o capital e o trabalho nem tão-pouco se em Inglaterra Adam Smith e depois lord Keynes procuraram fórmil1a9 que levassem ao full employment, depois de quanto tinham ensaiado os americanos Poster e Catchings.
Uma só coisa conta: a vida continua dura, por incerta, como há muitos séculos; os homens sentem-se desamparados e carecem de amparo.
Já referimos o número de portugueses que neste problema estilo interessados, já referimos a vastidão das áreas que lhe estão afectas, para que soja necessário insistir na urgência em dar remédio ao principal mal nacional.
Se o dar trabalho, sem significado económico ou tendo como consequência asfixiar as fontes da produção, não levou a uma melhoria, como já atrasadamente foi demonstrado nesta Assembleia, parece que se deverá concluir pela necessidade de criar condições novas, por meio de trabalhos novos que criem riquezas novas, para absorver a mão-de-obra em épocas onde actualmente não tem aproveitamento económico.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se as regiões mais afectadas são aquelas onde predomina a monocultura, a esta é consequência imediata da falta de água, e apenas são possíveis as culturas de sequeiro, tira-se como corolário que se torna imperioso levar água para rega a essas regiões.
Falta-nos competência para dizer se é ou não possível levá-la em condições económicas, mas outros com autoridade bastante batem-se com entusiasmo crescendo há al uns anos por esta ideia, que logrou já entusiasmar directamente interessados, que perguntam ansiosamente porque se não encara a sério esta hipótese tão inteligentemente formulada.
A água transformará todo o regime agrário das zonas onde possa chegar, exigirá a ocupação permanente para muitos braços o facultará trabalho nas épocas em que
actualmente não existe. Ela permitirá o fomento pecuário, assegurando forragens verdes, mais racionais na alimentação de herbívoros, que encontrarão nos prados artificiais as condições óptimas para o aumento da produção de carne, leite, peles, lã, etc.
A água, por si, levará a um parcelamento racional, e não o que possa resultar de concepções mais ou menos teóricas, que a natureza, na sua suprema indiferença pelas idealizações humanas, se encarrega de destruir a cada passo. A água não obriga a parcelamentos que forcem a uma pecuária liliputiana, sem significado económico.
Na água, numa palavra, parece residir a esperança de riqueza que levará a resolver grande parte dos males de que sofre mais de metade da população portuguesa e assegurará a elevação do poder de compra, indispensável ao desenvolvimento da indústria.
As vastas zonas desarborizadas onde a água não possa chegar, desde que, com o auxílio valioso do Estado, possam ser recobertas de floresta de essências e fruteiras, completarão o plano para a transformação possível do nível de vida Alentejo.
Se, pelos estudos já feitos, se antevê a possibilidade de a água poder ser aplicada à produção, de energia, regar zonas de sequeiro, servir aos transportes fluviais e com estas aplicações evitar os males ao assoreamento, inundações e erosão, quem não é economista atreve-se a acreditar que estes rendimentos terão significado económico e, em consequência, são de realizar.
Admitamos, porém, a pior das hipóteses. Uma empresa particular que se formasse para levar a água salvadora ao Alentejo viria a falir por o negócio não ser rendoso. Terá esta conclusão que levar a desistir do empreendimento de salvaguarda de mais de metade da população portuguesa? Deverá o problema social ficar por resolver e os cofres públicos terão de, em soluções de emergência, continuar a gastar milhares de contos, que ao fim de um certo número de anos terão absorvido a verba necessária à realização da obra de fomento que nunca se terá feito.
Esta solução parece que também não poderá ser adoptada, por ilógica, porque, no fim de contas, não é solução, é a manutenção do estado de angústias e preocupações periódicas, que leva ao ódio visto por Beveridge, em constante agravamento pelo aumento demográfico.
Por exclusão de partes, por lógica, pelos direitos garantidos a todos os portugueses, a conclusão só pode ser uma, uma única. 0 Estado, pela sua acção supletiva, terá de chegar onde as empresas particulares não poderiam ir. À empresa privada apenas pode interessar o que dê rendimento imediato e directo. Ao contrário, no Estado cumpre realizar o necessário para assegurar a usufruição de regalias idênticas a todos os cidadãos portugueses e promover o máximo de produção e riqueza socialmente útil.
Obras desta envergadura não podem ser vistas à luz de um rendimento imediato a directo. Da mesma forma que uma estrada cuja construção se não baseia em cálculos de recuperação em determinado prazo da verba despendida ou cujo rendimento se não avalia pelo capital despendido, mas pelo desenvolvimento económico a que levará; as regiões atravessadas, que indirectamente a seu tempo tornarão possível o aumento das colectas fiscais, assim também as obras necessárias a levar água às regiões do sequeiro deverão ser encaradas pelo Governo.
A extensão destas obras, os volumosos dispêndios a que obrigam, forçam a escalá-las por largos anos, ou seja que a sua execução tem de ser morosa. Se nelas reside a única possibilidade de valer às regiões do sequeiro, se delas depende a melhoria das condições de vida de uma parte importantíssima da população portuguesa, quanto mais tarde se iniciarem tanto mais tarde essas populações gozarão os benefícios que já hoje auferem outras regiões do País não submetidas às crises periódicas.
Se planos desta natureza só podem ser concebidos para uma execução que durará quinze ou vinte anos, certamente se concluirá pela urgência em lhes dar início.
0 que fica dito para a água tem aplicação para a electricidade, que hoje é factor primordial para o desenvolvimento das populações.