480 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 78
francamente más. Mas, relativamente ao planeamento, ainda quase todos continuam a reconhecer o seu valor e vêem sem dificuldades as suas vantagens.
Por isso me interessa, neste momento, tendo embora presentes todas aquelas vantagens, chamar a atenção de VV. Ex.ª e do Governo para alguns dos seus perigos, quando aplicado com demasiada rigidez e universalidade e movido por um espírito de sistema.
Os progressos técnicos e científicos complicaram muito as actividades do homem e tornaram-nas mais produtivas e interdependentes, reforçando as unidades nacionais, por um lado, as grandes comunidades de nações em vastas áreas de análogos interesses económicos, por outro, e a solidariedade de todos os povos da terra, por fim.
As suas consequências vão em dois sentidos opostos, mas opostos apenas na aparência: um, o do reforço da unidade da vida nacional em todos os países; o outro, o do reforço da solidariedade de todas as nações entre si e, em globo, o da solidariedade da Humanidade inteira.
A economia de todos os países é hoje de tal modo interdependente que a prosperidade de uma nação é incompatível com o empobrecimento ou a ruína de qualquer outra. O mal de uns reflecte-se nos outros, quer provocando um abaixamento do seu nível de vida, quer originando ainda outras consequências francamente maléficas.
Foi esta uma das grandes e tremendas lições da penúltima e última grandes guerras. Fazemos votos para que esta amarga lição esteja sempre presente no espírito dos responsáveis pelo destino dos povos.
Há necessidade, portanto, de examinar cientificamente os problemas da técnica da produção, Distribuição e consumo dos bens. Mas isso não significa necessariamente em todos os casos e em toda a extensão das questões um rígido planeamento.
A sabedoria dos homens, por muito vasta que seja, é sempre limitada. A vida é extremamente rica de caminhos e modalidades de transformação e desenvolvimento. E os mais sábios e bem elaborados programas e planos revelam-se muitas vezes de insuficiente plasticidade ou são ultrapassados pela própria vida na sua marcha evolutiva.
Quantas inovações da técnica provocadas por inesperados progressos científicos podem tornar inúteis, e até prejudiciais, de um momento para o outro, esforços colossais conjugados em obediência a planos grandiosos e minuciosamente elaborados?
Apoiados.
O perigo de surpresas deste género é tanto maior quanto mais pormenorizado e rígido tiver sido o plano elaborado.
O desfecho trágico de duas formidáveis guerras mostrou bem como os planos organizados sistematicamente pela Alemanha se revelaram impotentes contra o imprevisível do desenvolvimento da ciência e da técnica contra o engenho improvisador e criador do homem.
A inutilidade da Linha Maginot, em França, é outro exemplo dramático do que acabo de referir.
Ora, com os grandes empreendimentos económicos, baseados na mobilização de vastos recursos técnicos, pode acontecer o mesmo.
Haveria, por isso, toda a vantagem em que um organismo competente fosse criado para vigiar todos os planos de importância vital para a Nação, de modo a podermos encontrar sempre a justa solução que permita distinguir os empreendimentos ousados e de larga projecção no futuro daqueles que, grandiosos pela aparência momentânea, estão, no entanto, destinados a tornarem-se num fracasso e num insucesso.
Chamemos-lhe «junta permanente de fomento económico» ou dêmos-lhe qualquer outra designação, mas que seja um organismo capaz de fornecer ao Governo as directrizes encontradas de valor quase permanente para a economia nacional e que esteja habilitado a propor todas as alterações consideradas convenientes nos planos já aprovados, tomando em linha de conta, não só o seu valor económico no aspecto reprodutivo, mas também aquela interdependência da técnica, que se revela, por vezes, tão tragicamente onerosa nas soluções precipitadas e isentas duma vasta visão em profundidade.
Permitam-me que lhes cite um exemplo de problema do tipo daqueles a serem examinados por essa junta: o problema do real valor das barragens hidroeléctricas.
Pergunta-se: serão essas barragens a construir num próximo futuro empreendimentos económicos recomendáveis? O problema pode pôr-se em função do actual desenvolvimento da energia interatómica e da sua possivelmente próxima aplicação à indústria.
Os progressos que se anunciam tornam legítimo perguntar se os avanços da ciência não tornarão obsoletos, num espaço de tempo relativamente curto, todos estes modernos sistemas de produção de energia. Ao formular esta dúvida não quero, de modo nenhum, criar no espírito de VV. Ex.ªs uma atitude de pessimismo relativamente ao futuro da utilidade das grandes barragens para a produção da energia.
Pelo contrário, penso que não há motivo para desanimos, não só pelo sentido da marcha geral das descobertas científicas, como ainda por este facto bem significativo: os países onde os conhecimentos sobre a energia nuclear estão mais avançados continuam ainda a construir grandes represas para obter energia eléctrica.
As minhas observações pretendem apenas mostrar a necessidade que há de estes problemas serem examinados com todo o cuidado por técnicos competentes e considerados todos os aspectos antes de se tomarem decisões definitivas.
Servem também para pôr em evidência que há um factor muito importante nos grandes, empreendimentos económicos deste tipo: o factor tempo, considerado no duplo aspecto da rapidez da construção e da oportunidade da mesma.
Pelo que diz respeito ao aproveitamento da energia hidroeléctrica, que vimos considerando, o período óptimo para esse tipo de empreendimentos parece ter sido o que decorreu entre as duas grandes guerras. Hoje em dia, se quisermos tirar ainda o máximo partido possível dessas iniciativas, temos de andar depressa.
Cada lustre que passa em inacção é desperdício colossal de tempo, de dinheiro, de energias e de oportunidades. Assim como o carvão teve a sua época áurea, a electricidade obtida com as quedas de água e as represas terá também a sua e convém aproveitá-la.
A junta de fomento económico, a que aludimos, cuja criação consideramos de toda a necessidade, deveria ter, quanto a nós e em conformidade com o que acabámos de expor, uma função muito próxima daquela que lhe atribuiu o ilustre Deputado engenheiro Magalhães Ramalho.
Sr. Presidente: seja qual for, porém, a solução particular desses problemas a que me referi, há quatro pontos de suma importância em volta dos quais giram, quanto a mim, todas as grandes questões económicas, e que deviam condicionar e orientar os programas dos Governos:
1) Dispormos de energia suficiente (sob todas as modalidades) e tão barata quanto possível, a fim de podermos multiplicar a produção do trabalho e poupar tempo. Esta última parte não se compreende sem uma organização científica do trabalho, que permita obter o máximo rendimento possível do esforço humano;