768 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º94
O Orador: - Inclusive, é ainda negar a própria doutrina corporativa ...
Por outro lado, conceber que o Presidente da República sela eleito por sufrágio directo é o mesmo que acreditar numa vontade nacional acerca de determinada pessoa
E pergunta-se então para que serve a "censura" que o Conselho de Estado se pop0e fazer aos candidatos á presidência?
Das duas uma: ou a Nação sabe quem quer, o nesse caso não há perigo em serem aceitos todos os candidatos, ou a, Nação não sabe, e então é evidente que não deve ter voto directo em problema de tão magna transcendência.
Isto na teoria. Na prática, suponhamos que a candidatura de determinado indivíduo de incontestável prestígio é rejeitada pelo Conselho de Estado por não oferecer suficientes garantias. Logo tal candidato se constituirá mártir da tirania e, como chefe, se transformará num símbolo, aglutinando à sua volta todos os que se dizem oprimidos, todos os descontentes. Não faltarão depois as inevitáveis especulações políticas internas e externas. Dir-se-á que as eleições não foram livres, pois o voto como expressão da vontade nacional fora previamente condicionado à vontade do Conselho de Estado: isto é, a Nação só é livre de escolher quem o Conselho de Estado entender, ou, por outras palavras, quem escolho em última análise é o Conselho de Estado e a Nação só é livre de se pronunciar em ordem à preferência.
Por um lado ficamos na posse de uma arma que nos defenderá dos tais "golpes de estado constitucionais ", mas em contrapartida o outro gume a espada poderá voltar-se contra nós, enfraquecendo o significado da eleição como expressão da vontade nacional.
Exemplifico: suponhamos que nas eleições de 1949 o Conselho de Estado não aceitava a candidatura do general Norton de Matos.
Se tal houvesse acontecido, na impossibilidade de se medirem forças, a triunfal e significativa vitória do nosso querido e venerando marechal Carmona podia estar agora denegrida por se dizer que ela não correspondia à vontade nacional, vontade que, se pudesse exprimir-se livremente, recairia no seu adversário.
É evidente que o parecer do Conselho de Estado dos candidatos à presidência da República, actuando como verdadeira censura, pode defender o regime, mas pode
também enfraquecê-lo. Não se mo afigura por isso uma solução cabal.
E se a eleição para a chefatura do Estado dependesse antes da vontade expressa pelas duas Câmaras, que por sua vez representam ou tendem a representar a Nação? Seria um bem? Seria um mal? Não discuto, que o problema não está posto.
Tinha-se, pelo menos, a virtude de poupar a Nação a umas eleições às quais não está habilitada a responder conscienciosamente, e isso por si só já seria um bem inestimável!
Eis o que se me apraz dizer quanto ao processo de eleição do Presidente da República.
Vejamos agora, Sr. Presidente, o outro ponto: a sua sucessão em caso de morte.
Continuamos aqui como estávamos: o Presidente do Conselho assumo as funções de Chefe do Estado, para, no prazo máximo de sessenta dias, proceder a novas eleições. Lá diz o ditado que uma desgraça nunca vem só; neste caso também a uma desgraça outra se sucede: ainda todo o País está fortemente emocionado, ainda decorrem as exéquias em S. Domingos o já temos na rua a propaganda eleitoral.
Pobre Nação!
Vem-me á ideia o caso dos Estados Unidos; onde o vice-presidente, assegurando uma continuidade imediata, dá aquela tranquilidade de le roi est, vive le roi. Truman sucedeu a Roosevelt naturalmente, e só mais tarde, em momento oportuno e com a consciência da nação já refeita, se discutia o problema.
É uma solução que não interessa analisar se melhor se pior, porque não está em causa, mas que tem inegáveis vantagens.
Estas as minhas dúvidas. Aqui as deixo registadas, mais por descargo de consciência do que para merecerem a atenção de VV. Ex.ªs; delas o só delas provém a minha satisfação.
Tenho dito.
Vozes: - Mito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. João Ameal: - Sr. Presidente; quando da última revisão constitucional, em 1945, tive ensejo de subir a esta tribuna para apresentar algumas reflexões que
julguei virem a propósito. Acabara pouco antes a guerra na a Europa, com a vitória total das chamadas grandes potências democráticas.
Embora estivesse entre os vencedores outra grande potência o menos democrática possível - a Rússia soviética - houve no nosso País, fora e dentro desta Assembleia, tendências visíveis o precipitadas para sugerir alterações na linha doutrinária afirmada pelo Estado Português depois de 1926 e na estrutura orgânica estabelecida de acordo com ela.
Os de fora tinham intuitos francamente subversivos e a esperança de regressar ao velho sistema de que o Exército em boa hora nos libertara em 28 de Maio; os de dentro imaginavam tornar assim viável, num mando outra vez regido pela constelação dos mitos da democracia, o regime português acusado com veemência por determinadas vozes, no imenso desconcerto internacional da época, de "ditatorial" e "fascista" ... Como quer que fosse, acima das más intenções dos primeiros e da ingénua leviandade dos segundos, o fenómeno traduzia um condenável espírito. de subserviência perante o estrangeiro.
Certos dos nossos rumos e dos nossos passos, nada .nos cumpria aceitar de figurinos alheios - muito mais quando se baseavam em conceitos fictícios e nefastos, cuja dolorosa experiência sofrêramos durante mais de com anos!
As palavras que então proferi quiseram expressar a minha reacção contra essa corrente. Lembrei que a Constituição de 1933, longe de ser uma construção utópica derivada de postulados abstractos, era antes o produto de um exame sério às realidades autênticas da vida portuguesa o do homem português através doa ensinamentos da história (interpretada não como passado morto, mas como presente vivo e incessante preparação, do futuro) e através daquelas adaptações que as exigências dos tempos aconselhavam ou mesmo impunham. Três directrizes substanciais se podiam extrair do seu conjunto: reforço do Poder, no sentido de maior independência e de maior estabilidade (visto o primeiro direito aos povos - Salazar o dissera, na esteira dos melhores mestres - é serem bem governados); primazia do bem comum sobro os bens fragmentários e particulares; substituição da velha quimera da liberdade indefinida e ilimitada pela concessão de liberdades positivas e concretas.
Firmada nestes três pilares, a Constituição de 1933 tendeu a reajustar o Estado à Nação, e dentro dos seus preceitos conhecemos já quase duas décadas de reconstrução e engrandecimento.
Como súmula a conclusão dos raciocínios que expus, encerrei em 1945 o meu ponto de vista nesta fórmula simples: o que interessa não são as pequenas emendas