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812 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96

Eu sei muito bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não é a letra da Constituição que há-de decidir a evolução política do País. E até sob este ponto de vista a discussão do artigo 72.º ou a do artigo 5.º se me afigura inteiramente supérflua.
Sei que é necessário trabalhar, tanto em religião como em política, para cultivar nas almas o fogo sagrado da fé naqueles princípios que já Balzac proclamava como as duas grandes verdades eternas. Para que se cumpra a obra de redenção é necessário que se ilumine e desperte uma consciência nacional, capaz de compreender o problema para além do campo sentimental das sensibilidades emotivas. Ultrapassar até o próprio sentimento das razões puramente tradicionais, as quais, se bem que muito respeitáveis para a sensibilidade, carecem de valor convincente para a inteligência.
É por isso que, julgando embora supérflua a discussão dos artigos mencionados na intenção de fiar da sua letra o futuro das instituições, não considero porém supérfluo expor na devida altura o que eu considero unia necessidade fundamental para a estrutura política do Estado, na certeza de que enunciar o princípio da continuidade do Poder representa, além de tudo o mais, uma homenagem de apreço à obra dos que há vinte e cinco anos vêm dando ao País o esforço da sua inteligência e do seu trabalho, o sacrifício total das suas vidas, com os olhos postos nos supremos interesses do presente e do futuro da Pátria Portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- E faço votos por que esse penedo de Sísifo, que há vinte e cinco anos, com titânico esforço e heróica perseverança, vem sendo rolado pela montanha acima, possa por fim, atingido o vértice da escalada, firmar-se estabilizadamente, como a pedra angular sobre a qual se torne possível construir a grande obra capaz de prevalecer sobre a vida transitória de uma geração de sacrificados.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: ao subir à tribuna para iniciar as minhas considerações sobre a revisão constitucional, acodem-me ao espírito as palavras de Taine, citadas no parecer da Câmara Corporativa, de que a melhor constituição política de um povo é a determinada pelo seu carácter e pelo seu passado, sob pena de cair em breve aos pedaços se não obedecer a estas condições.
No mesmo sentido afirmou neste lugar o Sr. Dr. Caetano Beirão que a constituição de um povo a determinam «a natureza e a história».
E o nosso Presidente do Conselho, com a sua acuidade de visão e o extraordinário sentido das realidades que o caracterizam, depois de afirmar que as constituições são «modalidades da vida pública», disse também que para encontrar a mais conveniente dessas modalidades será necessário a tomar resolutamente nas mãos as tradições aproveitáveis do passado, as realidades do presente e os frutos da experiência própria e alheia».
Todas estas citações se fizeram, Sr. Presidente, porque o meu desejo é orientar à luz que delas promana o que vou dizer sobre a reforma da Constituição.
O «nosso carácter e o nosso passado», «a natureza e a história», a as tradições aproveitáveis do passado, as lições do presente e os frutos da experiência própria e alheia» exigem e impõem uma Constituição em que o direito escrito esteja de acordo com as realidades ou legitimas situações de facto.
A este intuito e propósito obedece o projecto da Constituição apresentado à discussão desta Câmara, em que alguns retoques de doutrina, e não apenas de redacção, são indispensáveis para que, como disse o Chefe do Governo, melhor se ajuste ao nosso temperamento e às nossas necessidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nunca as leis resultam eficientes e se consegue por elas o bem comum a que se aspira se não encontrarem ambiente propício nos costumes. Esta verdade, porém, é correlativa de que os costumes por sua vez se purificam ou corrompem pela acção salutar ou deletéria das leis.
É regra dupla que explica, creio eu, muitas hesitações que se notam nos diversos projectos de Constituição apresentados a esta Câmara no formular de verdades totais, de verdades salvadoras, a cuja efectividade tem de chegar-se para restituir Portugal à continuidade da sua história e ao reencontro da sua fisionomia nacional e espiritual, do seu próprio carácter de nação cristã e missionária...
Tinha-se, porém, descido muito.
Caíra-se na extrema abjecção.
Descaracterizara-se, primeiro pela acção do liberalismo, depois pela acção da demagogia feita poder, a nossa vida pública e tentava-se descaracterizar os próprios costumes, vestindo-nos por modelo estrangeiro e vendendo-nos a estrangeiras ideias.
Apoiados.
Restaurar e reparar é mais difícil do que fazer de novo. Não sòmente mais difícil, mas de muito menos efeito e aparato, porque a reparação serve-se dos materiais velhos para fazer obra nova, ao passo que a nova construção é nova e bela em todo o sentido.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se o facto se dá nas reparações materiais a levar a efeito, verifica-se ainda mais nas realizações ideológicas, em que o peso morto do ambiente, dos preconceitos e dos vícios generalizados obriga por vezes a fazer o que é possível, até que chegue o dia e a hora de fazer brilhar o ideal em toda a plenitude do seu esplendor.
Seja isto dito à maneira de preâmbulo doutrinal e para significar que a evolução da nossa vida política há-de fazer-se lentamente, com segurança, atendendo às possibilidades, mas sem perder de vista a realização do ideal e sem causar profunda desilusão aos que se bateram e sacrificaram por ele.
Sr. Presidente: há na proposta da Constituição apresentada à discussão da Assembleia Nacional muitas determinações excelentes, à mistura com outras que, atentas as realidades do presente e os ensinamentos da história, precisam de correcção e emenda.
Antes de tudo o mais seja-me lícito notar que as leis devem fazer-se para se cumprirem e que a Constituição deve ser votada para ser guia, base e orientação da nossa vida política e de acção governamental. É triste verificar que há princípios da Constituição e leis votadas e publicadas que são apenas leis no papel, pois de facto ou caíram no esquecimento, ou nunca se executaram.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na política de verdade em que vivemos são muito de estranhar atitudes práticas desta natureza e que se possa repetir a velha fórmula de que as leis,