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27 DE ABRIL DE 1951 947

Compreendo que nações sem o nosso passado, sem as nossas responsabilidades históricas, se não preocupem com a sua constituição populacional, com as suas virtualidades étnicas. A Portugal é que essa questão não pode ser indiferente. Veremos como nos surge remediável dentro da generalização da cidadania.
A estes argumentos em favor do regime de indigenato opõem-se outros, que me parecem dignos de ponderação.
Já aludimos ao anticolonialismo internacional. Banindo a palavra colónia da terminologia constitucional, damos satisfação menos a esse ambiente do que à realidade tradicional dos nossos princípios de união e integração do ultramar e da metrópole, à política de assimilação fraterna e cristã que orientou sempre a nossa política ultramarina.
Desaparece do nosso texto constitucional a palavra colónia, objecto duma hostilidade quase geral, porventura discutível, mas nem por isso inexistente e inevitável. Porque há-de um nome importado recentemente e que na semântica internacional atingiu um significado depreciativo manter-se a todo o custo, com os inconvenientes de permitir um juízo injusto sobre a nossa política ultramarina? O mesmo raciocínio é de aplicar aos termos «indígena» e «indigenato».
Nenhuma necessidade há de uniformizar sob uma mesma designação jurídica, antipática a muitos, susceptível de explorações malévolas, mesmo junto dos próprios interessados, os grupos populacionais ultramarinos a que se apliquem as disposições do artigo 7.º-B da proposta do Governo. Aliás, o racional é que cada estatuto especial se aplique a grupos circunscritos, bem determinados, segundo as necessidades de cada caso, e não com uma uniformização arbitrária de disposições para o conjunto dos mais heterogéneos grupos.
Por outro lado, distinguir na Constituição dois blocos ou castas de portugueses, a saber: cidadãos e indígenas, é contrário aos preceitos de fraternidade cristã, às mossas tradições espirituais e, presentemente, à própria tarefa, em que o Governo e esta Assembleia se empenham, de unificação ao máximo, dentro do possível e do humano, entre a metrópole e o ultramar.
Pode haver dúvidas quanto à extensão de uma garantia ou outra, especialmente quanto a determinados direitos políticos, mas a definição de cidadania dada pela Constituição e pelo Código Civil parece-me tão susceptível de aplicação a um português da metrópole como a qualquer natural das províncias ultramarinas que se encontre nas condições do artigo 18.º do Código Civil.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O artigo anterior do mesmo Código diz que só os cidadãos portugueses podem gozar plenamente de todos os direitos que a lei civil reconhece e assegura. Poder gozar de um direito não é expressão de absoluta latitude que signifique a supressão de todas as condições e limitações legais para o respectivo exercício.
Se ninguém nega, que eu saiba, a um indivíduo na condição de indígena a possibilidade de, devidamente civilizado e assimilado, passar à categoria de cidadão, se o chamado regime de indigenato tem, salvo porventura alguns casos especiais de resistência à evolução, o carácter transitório, porque não havemos de admitir que um dito indígena seja cidadão português, quando, na verdade, uma criança recém-nascida, um fraco de espírito, um analfabeto, um inválido, um interdito, o são também, desde que tenham nascido em território metropolitano de pais portugueses ou estejam nas outras condições do Código Civil? Lá estão as leis para dar maior ou menor amplitude à definição e efectivação dos direitos respectivos.
Para salvaguardar os direitos e garantias dos chamados indígenas e, por outro lado, para impedir os inconvenientes morais, políticos e económicos da perigosa ficção romântica que seria a total equiparação desde já entre portugueses civilizados e não civilizados, ou a participação destes últimos em actividades e instituições tão afastadas da sua cultura tradicional que nem sequer as compreenderiam, bastam o artigo 7.º-B, os estatutos especiais nele previstos e mais legislação por eles autorizada.
Não me recuso, porém (acho mesmo que tem certa vantagem uma concretização clara de certos factos), à adopção dos outros artigos do capítulo III, sobretudo os referentes ao trabalho e às responsabilidades do Estado na protecção das populações. Apenas julgaria conveniente acrescentar o direito a representação nos conselhos governativos nos termos e com a amplitude que a lei estabelecer. Mas do artigo 15.º e de todo o capítulo deveriam desaparecer todas as menções das palavras indígena e indigenato, que, segundo julgo, apareceram na nossa legislação, como a palavra colónia, sob a inspiração de figurino estrangeiro. Deixemos a outros povos as designações jurídicas de native, african, etc.
Para nós, na Constituição só há e haverá portugueses, irmãos nossos, almas, seres humanos como nós, colaboradores duma missão cristã, humana e universalista que a História, as nossas convicções e as nossas mais altas aspirações nos impuseram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estou recordando aqueles simpáticos negros que na minha visita às minas do Transval, ao perguntar-lhes a sua origem, não respondiam cabisbaixos, como os seus companheiros doutras proveniências, dando o nome da sua tribo, mas declarando alegremente, orgulhosamente: sou português.
Estou recordando a solidariedade que tantas vezes uniu portugueses da metrópole e dos sertões mais remotos do ultramar em empreendimentos e façanhas de heroísmo e de epopeia. Recordo comovidamente a colaboração do braço negro no progresso material e moral do ultramar, do país inteiro.
Senhores: não é apenas de sentimentalismo, aliás respeitável, não é em obediência a ideologias mais ou menos discutíveis que afirmo solenemente a alegria com que veria concedida pela Assembleia a cidadania para os nossos irmãos de além-mar, sem distinção de raças, de cor ou de costumes: é como preito de justiça, é em nome das realidades mais imperativas da hora presente, é como expressão do reconhecimento e da solidariedade duma pátria una e indivisível.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer algumas considerações sobre os artigos 19.º, 20.º e 21.º Para que não haja errada interpretação das intenções com que venho à tribuna, devo declarar desde já que vou dar o meu voto de aprovação aos três citados artigos. Mas como, pela primeira vez, vou aprovar uma coisa com que não concordo, peço a V. Ex.ª que me conceda uns minutos para dizer o que penso sobre este delicado problema, de importância máxima para o progresso dos nossos territórios de além-mar.