86 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 115
seu valor e da modalidade «do seu trabalho». E estaria inteiramente certo.
E não se argumente que os engenheiros não querem. Que importa isso? Também, ninguém perguntou aos jornalistas se eles querem ou não aquilo a que foi mandado dar execução. Dar-se-á o caso de nestas modernas casas dos 24 caberem, à vontade, 26 ou 28 e de as profissões qualificadas serem matéria despicienda perante a omnipotência das repartições e dos institutos?
Há, porém, um aspecto confrangedor, de ordem corporativa, nestes pareceres, o qual consiste na má interpretação do quê seja uma profissão.
Reconhecem eles o valor pessoal de muitos jornalistas desportivos, que podem ombrear com muitos dos que trabalham na imprensa diária.
O Sr. Manuel Múrias: - V. Ex.ª dá-me licença? A maior parte dos jornalistas desportivos são jornalistas que colaboram quotidianamente nos jornais diários.
O Orador: - São colaboradores!
O Sr. Manuel Múrias: - São redactores.
O Orador: - Então são jornalistas.
Isto é verdade e toda a gente o reconhece, mas não é suficiente para justificar o uso de um título profissional.
É sabido que em toda a escala das actividades intelectuais ou artísticas há pessoas que, por amadorismo, adquirem possibilidades de realizar superiores às que muitos profissionais podem exibir.
Mas uma profissão não é apenas um conjunto de pessoas exercendo determinada actividade, porque a ela anda ligado também um significado moral e social.
Só aquele que a vive, que se regozija com o seu prestígio e sofre amargamente os seus reveses, que sente os seus problemas e procura estudá-los a fim de contribuir para u sua resolução, que lhe dedica inteiramente as faculdades próprias e sente que também ela lhe retribui esse afecto, proporcionando-lhe, cada vez mais, melhores condições de vida e de existência - só esse deverá ser considerado profissional de uma determinada actividade.
Ora, nada disto pode ser sentido; ou só o será em grau muito reduzido, por aqueles que trabalham em semanários, porque esta actividade é, em regra, acessória à principal de cada um e, mesmo quando retribuída, constitui mais um governo de vida do que um modo de vida. Inclusivamente, quando os seus principais proventos derivam dessa actividade, a sua situação é mais a de um colaborador efectivo do que a de um jornalista.
Eu sei bem que esta profissão, por ser uma das mais jovens, uma das mais complexas, uma das que mais tem sentido toda a renovação imposta pelo progresso material incessante, não é ainda uma actividade perfeitamente definida.
E não vale a pena estar agora aqui a desfiar todas as definições dadas, pitorescas ou ingénuas, ora eruditas, ora presumidas, porque interessa fixarmo-nos apenas no que entre nós está assente e consagrado pelas disposições legais.
Segundo o que dispõem os estatutos do Sindicato Nacional dos Jornalistas, este admite três categorias de sócios: efectivos, estagiários e correspondentes. São efectivos os que exerçam há mais de um ano, por forma efectiva, permanente e remunerada, em jornais diários, as funções de chefe e subchefe de redacção, redactor, repórter ou fotógrafo, ou que exerçam em iguais condições as funções de correspondente e redactor em agências noticiosas, traduzindo a sua actividade no envio de reportagens de Portugal para o estrangeiro.
Nem mesmo os directores são incluídos na categoria de efectivos, e compreende-se que assim seja, se houver em vista serem eles na generalidade delegados das empresas proprietárias dos jornais.
Hás estas disposições, quanto aos sócios efectivos, não fecham a porta a outros trabalhadores afins, porquanto na categoria de correspondentes podem ser admitidos todos os indivíduos que colaborem por forma efectiva em quaisquer publicações periódicas, e a estes, pelo artigo 14.º do mesmos estatutos, são garantidos todos os direitos e vantagens de que usufruírem os efectivos, com excepção da carteira profissional, porque esta confere título.
"Parece que estas disposições deveriam ser suficientes para tudo resolverem e o Instituto Nacional do Trabalho escusava de se propor modificar os estatutos de um sindicato nacional sem ouvir ou consultar a opinião dos respectivos sócios efectivos.
E esta é que é a chave do problema: desejar-se que, em harmonia com a boa tradição nacional, aos jornalistas portugueses -e só a estes- seja reconhecido o direito de juízo sobre a oportunidade e a conveniência de abrirem a porta da sua casa a quem quer que a ela venha bater.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Múrias: - Ouvi com toda a atenção as palavras proferidas pelo nosso ilustre colega Prof. Jacinto Ferreira, e devo dizer que não concordei com S. Ex.ª em nenhuma das suas afirmações e vou dizer porquê.
Não há dúvida alguma de que trato de um problema que não me diz respeito, visto que, pelos estatutos do Sindicato Nacional dos Jornalistas, um homem que viveu a maior parte da sua vida profissional exclusivamente do seu trabalho na imprensa, como eu, deixou de ser jornalista no dia em que passou a dirigir a actividade de um grupo de jornalistas, como director de um jornal.
Deverá ser assim?
À primeira vista parece que os próprios directores do Sindicato Nacional dos Jornalistas a certa altura julgaram que era perfeitamente incompreensível que isso pudesse fazer-se a homens que tinham começado e desenvolvido a sua carreira pública e política exclusivamente vivendo, ou quase, do que faziam em jornais diários de maior reputação neste país. Simplesmente se perguntava o que iria fazer-se, que posição se ia marcar a esses homens para poderem continuar a ser considerados em condições de lhes ser distribuída a carteira profissional de jornalista. E a solução foi a de considerar esses homens como sócios correspondentes, a quem nem sequer se dava a categoria dos agentes de informações para a imprensa estrangeira, pois não passavam de tolerados dentro da profissão que, por outro lado, efectivamente serviam.
Como é que se pode admitir uma situação desta ordem? Como é que se pode tolerar que ao fim de uma carreira, em que houve, se quiserem, ascensão, mas que não foi interrompida, se tire a carteira profissional a homens em tais condições?
O Sr. Deputado Jacinto Ferreira, ao referir-se a determinados colaboradores de jornais que não se publicam todos os dias, disse que não se deveria alterar uma tradição nacional.
O Sr. Jacinto Ferreira: - Se V. Ex.ª tivesse usado da palavra amanhã e houvesse, entretanto, lido o Diário das Sessões, veria que eu não disse isso.
O Orador: - Continuando as minhas considerações, devo salientar que, como VV. Ex.ªs ouviram por aquilo