21 DE DEZEMBRO DE 1951 105
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre as bases da organização da defesa nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: abordo esta tribuna para trazer a expressão do meu voto de confiança de português à patriótica acção de Salazar, levantando bem alto a minha voz para repetir com Clemenceau: «II n´y a pás de défense nationnle possible que si Ia nation y participe de son esprit comme de son coeur». O relator do parecer da Câmara Corporativa é sobejamente conhecido pulas suas altas qualidades militares para que aqui me seja necessário encarecê-las. Que esta simples referência lhe sirva de justíssima homenagem.
Falaram os Srs. Deputados: Frederico Vilar, com precisão e nitidez: Sousa Rosal, competentemente salientando aspectos duma boa técnica de mobilização económico-militar; Lopes Alves e Quelhas Lima, que nos deliciaram intelectualmente pela sua eloquência, o primeiro com um expositivo no género britânico, o segundo arrebatando-nos com o brilho e fluência da sua palavra, que, sem desdouro para ninguém, o coloca entre os primeiros oradores desta Casa. Convenho com estes últimos que a marinha em tempo de paz deve constituir uma pasta independente, não só pelo seu aspecto militar, como também com a estreita ligação que tem, digamos assim, com o fomento marítimo. Acrescento eu que, reduzidos às necessidades puramente militares, os seus quadros seriam tão exíguos e a elasticidade de promoções tão pequena que não atrairia os valores que actualmente fazem dela uma corporação de elite, pela bravura e competência dos seus componentes. Onde pressinto que a minha opinião vai provocar divergências é quando sustento que na actual estratégia militar a marinha não tem uma acção independente, mas apenas complementar. A sorte estratégica da marinha tem estes altos e baixos.
Nem o submarino, nem o avião foram as primeiras armas a modificar as características do domínio militar do mar. O navio foi muito tempo para o combatente um simples prolongamento da terra firme; os mesmos soldados, com as mesmas armas, lutavam sob o comando dos mesmos chefes. Quando a abordagem foi substituída pelo combate de artilharia a distância a vizinhança das costas, guarnecida de artilharia, foi interdita aos navios; foi um período de profunda decadência, porque tinham de cruzar bem para lá dos portos, sem poderem interceptar completamente o comércio do inimigo. Quando os submarinos foram bem utilizados, uma nova posição foi retirada. Grandes desilusões sofreu o Almirantado inglês com o bloqueio da baía alem com o afundamento de três cruzadores por um único submarino. Quebrou-se o encanto do domínio absoluto do mar e os internacionalistas franceses avançaram a noção de metitrise partagée, em que o beligerante mais fraco, beneficiando da sua proximidade de terra ou da sua situação geográfica, gozava de um domínio equivalente. Na guerra de 1939 o mesmo sucedeu à Home Fleet e Hocheeflotte. Hoje os técnicos dividem o mar em duas zonas: a do domínio positivo, em que uma potência exclui a inimiga pela preponderância do seu tecto aéreo, e a negativa, em que elas se podem justapor, com alternativas de supremacia, de maior ou de menor duração. Quando os dois adversários marítimos estão a uma distância fraca evidentemente que domina o ar.
É um pouco delicado brincar aos profetas no que respeita ao futuro das armadas e predizer a posição estratégica exacta da marinha num futuro conflito sem nos sujeitarmos a desmentidos chocantes, mas a fisionomia geral do conflito oferecerá de começo um aspecto específico, resultante das condições gerais de armamento.
As sérias discussões que se levantam nas grandes potências acerca dos programas de construções navais são uma demonstração do meu acerto: a ameaça das armas novas para o couraçado, que já não pode assegurar uma protecção real aos transportes marítimos, a possibilidade de a substituir por aviões de largo raio de acção e, sobretudo, a facilidade também de substituir avia marítima habitual pela aérea e submarina trouxeram a maior acuidade ao problema. Taras evidentes que começou a sofrer uma frota de guerra com as armas novas, que permitirão perseguir muito melhor os navios de guerra adversos, mal defendidos pela blindagem. Pode quase afirmar-se que nenhuma armada pode subsistir sem a protecção aérea adequada. Um programa de construção naval que não corresponda a um desenvolvimento aéreo paralelo é uma rematada loucura política. No duelo entre o navio e o avião este leva a maior vantagem, por duas razões evidentes, que nunca poderão ser apagadas por aperfeiçoamentos técnicos, porque o avião tem uma mobilidade vinte vezes, pelo menos, superior à dum barco e ocupa a posição cimeira, fazendo jogar a seu favor as inquebráveis leis da gravidade.
Podemos afirmar sem ironia que o futuro da marinha está inscrito no ar e que não virá longe o tempo em que as frotas de transporte possam ser atacadas e protegidas unicamente pela aviação.
ü Sr. Vasco Lopes Alves: - V. Exª. permite-me uma pequena observação ? É que me parece que essa questão é demasiadamente complexa para ser posta com tanta rapidez.
O Orador:-Tenho de fazer uma síntese e por isso não posso deixar de ser rápido. Entendo que a marinha só se encontra protegida, em domínio absoluto, quando esteja sob um tecto aéreo que a proteja.
O Sr. Vasco Lopes Alves: - É evidente que a acção da marinha com a colaboração da aviação, como aliás ontem aqui foi frisado, tem muito maior eficiência do que sem a aviação; mas durante esta última guerra, como durante a guerra de 1914-1918, foi fundamental o papel da marinha para cortar as comunicações e os abastecimentos ao inimigo, bem como para garantir o tráfego marítimo dos aliados.
O Orador:-As mesmas condições em sempre se reproduzem.
O Sr. Vasco Lopes Alves: - A opinião de todos os técnicos navais é que a marinha não perdeu o valor militar nem a eficiência com o aparecimento das novas armas de combate.
Durante esta última guerra, ou pelo menos durante grande parte dela, a marinha dos aliados realizou a campanha anti-submarina e a intercepção das comunicações do inimigo, em grande parte, sem o auxilio da aviação; isto porque houve uma zona, na parte central do Atlântico, em que a protecção aérea era impossível, dada a distância a que se encontravam as bases da aviação. Fomos nós quem, em determinada altura, forneceu a possibilidade de essa protecção aérea lá se efectivar, com as facilidades que concedemos nos Açores.
O Orador:-Evidentemente que não comparo as possibilidades que tem hoje a aviação com as que tinha então, mas o que afirmo é que a marinha não pode efectuar por si só a sua autoprotecção.
O Sr. Vasco Lopes Alves: - Afigura-se-me que não está distinguindo entre aviação estratégica e aviação táctica.