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244 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 124

havia antigamente -certamente quando se consumia arroz importado- várias qualidades de arroz que permitiam aos sucessores de Vatel cozinhar pratos diferentes, qualidades estas conhecidas por Veneza, Carolino, Glacé, e ainda outras, como o arroz da terra, que ao tampo seria o nacional. Porém hoje, que felizmente estamos libertos da importação, todo o arroz é igual, os velhos pitéus não são possíveis e, embora difira no preço, é todo igual e ainda acrescido da característica de todo ele ser vendido com pedras que não ficaram na debulha nem no descasque. Trata-se, evidentemente, de uma indústria ainda na infância e que carece dos aperfeiçoamentos técnicos tão preconizados.
Os resultados obtidos com esta indústria, que teve o condão de quase ter realizado o moto contínuo através da casca, que, sendo o fim da indústria, é ao mesmo tempo o princípio, por se ter transformado em força motriz, leva necessariamente a que os beneficiários possam afirmar em plena convicção, como o fez o nosso colega engenheiro Calheiros Lopes:

Numa época em que o problema fundamental a resolver, malgré tout, é o da industrialização, até justamente no plano de defesa contra o comunismo do Oriente, pretender regressar a formas arcaicas é positivamente abandonar as realidades por sonhos...

Ora realidades são as regulares produções das culturas de regadio, as contingentes produções do sequeiro, os baixos rendimentos da lavoura reconhecidos pelo Sr. Ministro da Economia, a garantia de matéria-prima às indústrias transformadoras dos produtos da agricultura, quer dos de regadio, quer dos de sequeiro, pela, importação que crobrirá as faltas da produção interna.
Sonhos são as esperanças da maioria da lavoura, que é a do sequeiro, tanto da grande como da pequena, de poderem um dia ver uma real compensação para os seus esforços e riscos, semelhante à que aufere a indústria do descasque de arroz.
Não se julgue, porém, que nos pesa que esta ou aquela actividade aufira lucros; o que lastimamos é que nu lavoura de .sequeiro esses lucros, como o reconhece o Sr. Ministro da Economia, repetimos, dificilmente se obtenham, e no entanto se tenha repetidamente de ouvir o dom estridente das buzinas dos «espadas» da lavoura, mas postas a tocar pela mão de tantos que nunca arriscaram nada na terra.
E não se imagine que pretendemos para a exploração da terra vantagens que se negam à indústria; o que se pretende é que se não radiquem ideias menos verdadeiras e que induzam afinal em erros prejudiciais. A melhor técnica, o melhor apetrechamento, convêm e importam igualmente à indústria e à lavoura; ambas têm a ganhar com a sua aplicação, mas no final as resultantes é que já não têm o mesmo paralelismo.
No caso do arroz, atingida a suficiência nacional pela produção interna, uma vez que se trata de uma cultura de regadio, a indústria, quando montada para as necessidades internas, tem a sua vida garantida. No caso do trigo, em que estamos longe de ter assegurado a cobertura das necessidades internas, é necessário recorrer a importações e, por uma forma ou por outra, a laboração desta indústria transformadora está igualmente garantida até ao montante do abastecimento interno. Uma e outra trabalham tudo quanto a terra produziu, recebem para transformar o que o lavrador salvou no imenso jogo eterno com a natureza, alheadas de todos os contratempos, de todas as pragas, de todos os riscos, que são o pão nosso de cada dia dos lavradores.
Ao contrário, o lavrador «não tem uma única certeza sobre os resultados da sua exploração, quando ela seja de sequeiro, embora uso a mais perfeita técnica e se sirva do mais moderno apetrechamento, desde que o tempo, factor primordial, lhe corra desfavorável.
Não é portanto sobre as incertezas da lavoura, mas sim sobre as certeza «da indústria transformadora, que o Sr. Engenheiro Calheiros Lopes pretende fomentar a indústria. Julgamos que poderá ter razão, enquanto se refira a produtos alimentares indispensáveis, ou quando trate das indústrias necessárias à manutenção da exploração agrícola, como adubos, ferragem agrícola, etc. Já assim não acontecerá com outras, que estão imediatamente dependentes dá capacidade de compra do País, em que a maior parte da população vive da terra, e portanto tem fraco poder aquisitivo. Como já aqui o temos afirmado, a esta população é necessário acudir, melhorar o seu nível de vida, o que «é possível com a elevação dos rendimentos da terra, visto que na terra ocupa a sua actividade. Aqui, julgamos, está a chave do problema, e só depois de resolvido este a indústria terá possibilidade de desenvolvimento pelo consumo garantido dos seus produtos.
Sr. Presidente: subindo a esta tribuna depois do nosso colega Botelho Moniz, tendo a representação de um círculo em que todas as actividades dependem da terra, não poderia deixar de lhe agradecer, em nome dos meus eleitores, as palavras de justiça que teve para com os homens que esforçadamente procuram desentranhar as riquezas da terra desde tempos imemoriais e o reconhecimento da situação precária em que se debate a grande maioria deles. Na verdade, é na terra que se encontram não só as riquezas materiais, mas também as espirituais, manancial inesgotável das virtudes da Raça.
Lavrador era D. João IV, e, no grande esforço a realizar depois de sessenta anos de dominação estrangeira, à terra se foi pedir e buscar o restaurador da nacionalidade. Pode ser ingrata, mas é sempre fiel guardiã das virtudes que fizeram e mantiveram a nacionalidade.
É, sem favor, o Sr. Deputado Botelho Moniz uma autoridade em assuntos industriais, habituado a lutar segundo os exemplos que nos deu no seu discurso de há dias; no entanto não se impressionou desfavoravelmente com a defesa da lavoura que o Governo entende ser justa, não receia que o lavrador invada o campo do industrial, não se assusta como o Sr. Engenheiro Calheiros Lopes, que nos disse «não dever ser enxertado em qualquer reorganização da indústria, como sector autónomo e independente que é, e não deve deixar de ser, o problema da lavoura».
Mas corre a indústria o risco de ver invadido o seu campo pela lavoura? Tem aqui sido afirmado muitas vezes que a lavoura não tem dinheiro (embora possa ter «espadas»), mas que tem dívidas, e grandes. Ë uma verdade que ninguém nega. Não se faz indústria sem dinheiro, e não é nu situação actual que ela se abalançaria a largos empreendimentos nesse sentido, como os não tentou quando vivia mais desafogada. As tentativas tímidas que a lavoura tem esboçado para industrializar alguns dos seus produtos têm tido sempre triste resultado, pois são espíritos totalmente diferentes o do lavrador e o do industrial. São dois lutadores congènitamente diferentes. Sobre o lavrador pesa uma ancestralidade de fatalismo, que lhe deu a paixão da terra, que o subjuga e não lhe consente outros amores, embora conte sempre com as ingratidões da sua bela.
Pode, portanto, o Sr. Engenheiro Calheiros Lopes estar tranquilo que por parte da lavoura não haverá inovação dos domínios industriais. Poderá antes pôr-se o problema ao invés; os domínios da lavoura foram invadidos ou a ela foram gradualmente sendo arrancados alguns produtos que industrializava, aliás em bem precárias circunstâncias.