23 DE JANEIRO DE 1952 245
Os velhos lagares, onde se pisava a uva, transformaram-se em grandes adegas industriais. Os pequenos lagares de azeite viram aparecer os grandes lagares industriais. As engordas de poucos nos montados viram aparecer, as «n gorda s industriais, abastecidas tanto quanto possível de forragens que se negam, à lavoura.
O lavrador viu, compreendeu que a vida para ele tinha mudado, vai aproveitando aquilo que ainda lhe deixam ficar, mete-se no seu fatalismo e, continua a produzir o mais e melhor que pode e sabe, para entregar à indústria os seus produtos, quantas vezes através de vários intermediários, e recebendo em troca, em muitos casos, uns preços que quase são uma esmola.
Bem haja o Sr. Ministro da Economia por reconhecer a necessidade que a lavoura tem de poder transformar alguma coisa daquilo que com tantos riscos e incertezas, logra produzir.
Sr. Presidente: temo-nos alongado em demasia; mais umas palavras para rematar estas modestas considerações, para marcar posição na política económica imperial.
A proposta em discussão refere-se apenas à indústria metropolitana, e nada diz com relação à ultramarina, naturalmente por que esta última depende do Ministério do Ultramar, onde se encontra regulada, a partir do Decreto n.º 20:509, de 11 de Abril de 1930. Parece, no entanto, evidente, desde que o Acto Colonial se acha integrado na Constituição Política, que um diploma como o que se vem discutindo tivesse possibilidade de se ligar desde já com as indústrias ultramarinas e com a produção local de matérias-primas.
Não se carece de inovações, pois já o Acto Colonial, no seu artigo 34.°, estabelecia: «A metrópole e as colónias, pêlos seus laços morais e políticos, têm na base da sua economia, uma comunidade e solidariedade natural, que a lei reconhece». No artigo 35.° estabelecera-se: «Os regimes económicos das colónias são estabelecidos em harmonia com as necessidades do seu desenvolvimento, com ajusta reciprocidade entre elas e os países vizinhos e com os direitos e legítimas conveniências da metrópole e do Império Colonial Português».
Isto quer simplesmente significar que as economias metropolitana e ultramarina hão-de considerar-se complementares na formação do todo económico nacional, tal como o todo político se realizou pela integração do Acto Colonial na Constituição actualmente em vigor.
Desejamos dar o nosso completo aplauso à forma como o nosso colega Prof. Amorim Ferreira colocou o problema quanto à economia ultramarina.
Referiu o Sr. Engenheiro Magalhães Ramalho dificuldades que chegaram ao seu conhecimento para a colocação de bons produtos da indústria nacional, por restrições postas por repartições oficiais, especialmente no ultramar, dando-se preferência a produtos estrangeiros.
Necessariamente que actos desta natureza estão fora do que é lógico, do que é natural, ainda que mão houvesse legislação apropriada, como, graças a Deus e aos cuidados dos governantes, temos.
Porque até nós também chegam ecos dessa natureza, porque os reputamos atentatórios dos verdadeiros interesses nacionais, dos legítimos interesses privados, do prestígio das nossas possibilidades, do esforço criador, que tem jus a decidida protecção, daqui os apresentamos à consideração de S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, distinto e ilustre membro desta Casa.
Existem em Portugal duas empresas que se dedicam à preparação de vacina antivariolosa, ambas estabelecidas há longos anos e cujos produtos, sempre sob fiscalização da Direeção-Geral de Saúde, estão acreditados como eficientes.
Uma das empresas, que em breve completará setenta anos de existência, entendeu dever tentar alargar- a sua actividade às nossas províncias ultramarinas, e para tanto lançou-se nos estudos e investigação da forma de obter vacina seca, que, em virtude do clima quente em que teria de ser aplicada, dava, maiores garantias de conservar a necessária virulência. Sem protecção alguma oficial, a expensas próprias, foram visitadas instalações congéneres na América do Norte. Itália, França e Suíça, onde se nào revelou a forma de obter a secagem da vacina. Alguns anos de trabalhos, dispêndios e insucessos levaram finalmente a conseguir o objectivo em vista.
Com grande sucesso a indústria nacional logrou levar produto seu, eficiente e garantido, a todo o nosso ultramar, e durante doze anos consecutivos, sem reclamações, forneceu esta vacina aos serviços de saúde e higiene da província de Angola.
De súbito são suspensas as remessas, sem aviso prévio, sem reclamação que justificasse tal atitude, sem alegação dos motivos que a determinavam. O industrial naturalmente tinha constituído as suas reservas, imobilizado o seu capital para poder acudir, não só às remessas normais, mas ainda a pedidos de emergência, como cumpre em vacinas desta natureza.
Verificou-se que se tinha feito substituir a vacina nacional pela estrangeira, e, perante a necessidade de explicarem a sua atitude, os serviços referidos alegaram vagamente a existência de abaixamento de virulência c a cor escura de alguns comprimidos.
Surpreendida a empresa pêlos motivos alegados no que toca à virulência, ouviu todos os outros consumidores não só de Angola como das restantes províncias, e em documentos escritos certificou-se de que apenas a anomalia se verificara nos serviços de saúde da província de Angola, que tinha aberto concurso para o respectivo fornecimento sem dele dar conhecimento ao seu habitual fornecedor. Quem puder que entenda...
Quanto à cor escura, foi plenamente justificada tecnicamente e ainda importava quanto à eficiência da vacina.
Decididamente, Sr. Presidente, não é assim que se defende o esforço nacional, pois este acto, sem razão, representa o descrédito de um bom produto nacional, acreditado durante doze anos- na metrópole e no ultramar, e não foi cometido por uma empresa particular e concorrente, mas sim por serviços oficiais.
Vamos terminar.
Fazemos votos porque o Governo, tão breve quanto possível, possa, sobre o muito que foi dito neste debate, rever todo o problema do condicionamento, encarado sob bases imperiais e assente num inquérito industrial que tome em consideração o que na verdade, interessa à unidade nacional, visando bem de frente os problemas económico-sociais.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta:- Sr. Presidente: a apreciação na generalidade da proposta de lei sobre o condicionamento das indústrias foi feita já com tão grande amplitude, e nào menor brilho, pêlos ilustres Deputados que subiram antes de mini a esta tribuna que a Assembleia não pode deixar de estar perfeitamente esclarecida e orientada.
No entanto, permito-me roubar alguns breves minutos a V. Ex.ª Sr. Presidente, e à Câmara, para dizer também o que sobre ela penso e comigo pensam alguns portugueses que pouco ou nada percebem de