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23 DE JANEIRO DE 1952 247

Eu ponho dois exemplos para ilustrar o que acabei de dizer: o primeiro da vinicultura e o outro nos lacticínios.
Numa região do País, afamada pêlos vinhos que produz e que não há ainda muito foram aqui falados nesta Assembleia, a propósito de outro condicionamento, e do plantio da vinha, tais vinhos são fabricados com uvas de casta, e somente com essas. Mas o lavrador, o pequeno lavrador, regra geral não fabrica o vinho, vende as uvas ao industrial, impossibilitado como está, por falta de técnica, de tirar do fabrico o rendimento exigido pelo apuro da qualidade. Isto dá em resultado vender, as uvas a preços que regulam pêlos do vinho de qualidade vulgar, mas que o industrial, a quem sem dúvida a expansão do vinho muito deve, transforma no precioso néctar, que coloca no mercado a preço muitas vezes por cento superior ao que deu pelas uvas.
Isto é, a mais valia da excepcional qualidade do vinho pouco ou nada aproveita à lavoura, salvo se não resistir à tentação de o beber...
No dia, que não estará distante, em que os agricultores, libertos de dificuldades de ordem formal e estimulados pelo Estado, com o auxílio da técnica e até do capital, se associarem para em comum transformarem as uvas em vinho, o seu nível de vida aumentará consideravelmente, pois o lucro, que agora fica nas mãos de um ou dois, era repartido por todos.
O outro caso dias respeito a uma das indústrias que mais têm reagido contra certas disposições da proposta de lei, parecem que poderá ser colocado viu paralelo com o anterior.
Os industriais de certa região do País estão a comprar leite produzido em outra região situa-la a 200 quilómetros de distância, que transporiam todos os dias em camiões. Até há pouco o negócio ova feito assim: compravam o leite, com uma percentagem média de 4,5 por cento de gordura, a 1$30 casa litro, transformavam-no nas suas fábricas e iam depois, vendê-lo numa grande cidade situada a outros 200 quilómetros ao preço de 3$60.
Hoje adoptam outro processo, certamente ainda mais lucrativo: compram o leite já desnatado, mas ainda com certa percentagem de gordura, a $30 cada litro e, depois de o misturarem nas fábricas com outro da sua região, vendem-no em natureza na referida cidade e pelo mesmo preço de 3$60.
Julgo que não são precisas quaisquer considerações ... Outro aspecto que me parece de interesse focar:
Tenho por vexes ouvido louvar os benefícios levados pêlos estabelecimentos industriais aos meios onde se instalam.
Terá a indústria, na verdade, contribuído para o aumento do nível de vida das populações desses meios?
Creio que é fácil sustentar-se a afirmativa.
Porém, e sem querer generalizar, e reputando-me a uma das regiões anais industriais do País, mas que é ao mesmo tempo importante região agrícola e o argumento tem mais calor quando as duas características coexistirem, não tenho dúvidas em afirmar que o nível de vida dessas populações ,no geral não corresponde aos lucros, pelo menos aparentes, que certas indústrias têm obtido.
Ao lado da proletarização progressiva das populações rurais, com todos os seus inconvenientes, a terra está a concentrar-se nus mãos de alguns industriais poderosos, incapazes, por via de regra, de continuarem a manter aquele benéfico ascendente paternal que era atributo tradicional do velho lavrador enraizado e assento da estabilidade social.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- Isto não quer dizer que me coloque dentro do ponto de vista daqueles que sustentam que a industrialização do País é uni mal.
Por forma alguma.
O que quero dizer é que, no meu entender e no entender das pessoas a que me referi no início das minhas considerações e que de economia política só têm as noções da experiência, onde for possível manter ou estimular e facilitar a criação de indústrias complementares da agricultura pêlos próprios lavradores ou pela associação de lavradores, muitos, senão todos, os inconvenientes que apontei da industrialização de regiões com características rurais perderão o seu valor.
E a propósito de pequenas indústrias, que, não sendo propriamente rurais, servem a terra, permito-me referir um caso em que tive directa intervenção e que por si só mostra bem quanto o condicionamento industrial aplicado a essas indústrias onerava o industrial, o consumidor e a própria. Administração.
Uma pequena azenha com um casal de mós, em região de propriedade fraccionada e cuja motorização fora autorizada durante o período da estiagem por reconhecida impossibilidade de labora cã o hidráulica. O proprietário, homem pobre, como os demais da freguesia, no louvável intuito de melhorar o rendimento e a qualidade da moagem, fez umas pequenas obras no edifício e aproveitou a ocasião para deslocar o engenho uns 4 metros do local primitivo e substituir as mós em más condições. Por denúncia de um industrial vizinho, industrial no verdadeiro sentido da palavra, pois dirigia uma fábrica de certas proporções e envolvendo interesses consideráveis, mas a quem a pequena azenha fazia concorrência, surgiu o indispensável fiscal e selou as mós, paralisando a sua laboração.
O caso eternizou-se pela s sucessivas intervenções de toda a hierarquia dos serviços respectivos. Quer dizer: durante longos meses, que quase foram aos dois anos, prejuízo para o infeliz moleiro, que ficou som o seu ganha-pão, e prejuízo para o público, que para moer o seu milho se teve de entregar nas mãos do denunciante, liberto da concorrência.
E prejuízo também para o Estado: depois de muito papel gasto e de muita actividade despendida na interpretação do facto, que a, alguns dos agentes se afigurava de extrema gravidade, para se saber se a mudança e substituição das mós de um engenho rural implicava alteração no regime do condicionamento, foi o próprio Ministro da Economia quem teve de resolver a questão, com excelente bom senso, deva dizer-se, revelado nas oportunas considerações que lançou no despacho.
Razões teve, na verdade, S. Ex.ª o Ministro actual, a quem louvores são devidos pela proposta, para dizer no relatório do Decreto-Lei. n.º 38:14-1 que o condicionamento de certas modalidades industriais implica lamentável desperdício de tempo e de actividade, obrigando importantes serviços do Estado a desviarem-se de outras tarefas de mais alto interesse nacional, que devem constituir a sua finalidade dominante.
A lavoura precisa, para produzir mais e melhores produtos, elevando assim o nível de vida dos que a ela se dedicam, de se adaptar a uma organização técnica e economicamente mais perfeita do que aquela em que tem vivido, e só o poderá fazer através de uma associação que estabeleça mais íntima ligação de interesses entre os produtores e transforme os seus processos rotineiros de trabalho.
Não serão disso exemplo as adegas corporativas, fomentadas pela Junta Nacional do Vinho, os lagares sociais e as cooperativas de lacticínios?
E não há que recear que a libertação das indústrias complementares da actividade agrícola possa trazer perturbações no mercado dos produtos transformados.