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282 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 126

O Sr. Botelho Moniz: - Cite-me V. Ex.ª um exemplo negativo - uma coisa que ela não tenha feito. Assim talvez seja mais fácil a resposta. E a lavoura que alimenta o País!

O Orador: - Confesso que sinto um grande pesar quando entro numa loja, numa boa mercearia de Lisboa, e olho para os escaparates e verifico que eles estão cheios de produtos estrangeiros que nós poderíamos preparar e fabricar e pôr ao alcance do consumo nacional. Verifico ainda mais o seguinte: que um grande número de pessoas compra produtos estrangeiros havendo a possibilidade teórica de os comprar nacionais, se eles fossem produzidos em idênticas ou melhores condições económicas e outras.
Do trigo e de outros cereais, por exemplo, não se prepara só o pão, podem-se preparar muitos outros produtos, alguns muito mais ricos de valor nutritivo do que o pão fabricado entre nós ou daquilo que a lavoura poderá fabricar, e de melhor uso doméstico, por se prestarem a variadas, cómodas, agradáveis e higiénicas combinações culinárias.
Hoje em dia há um problema doméstico, complicado na sua resolução, que é o trabalho das donas de casa pela falta das criadas de servir, que tendem a desaparecer ou são de péssima qualidade. Portanto, a dona de casa ou se transforma em criada de servir da família ou procura ter ao seu alcance meios que lhe facilitem a resolução das necessidades domésticas.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A teoria de V. Ex.ª acaba no restaurante. Em vez da cozinha cozinhada em casa acaba-se por comprar a cozinha lá fora. É a última expressão do individualismo.

O Orador: - Mas o que eu pretendo evitar é que se vá para o restaurante. Como resolver o problema de uma dona de casa com muitos filhos e sem criados?

O Sr. Mário de Figueiredo: - As condições económicas gerais de ocupação fora de casa para todos é que têm levado à completa desintegração da família. Ou vai ao restaurante cada um dos membros da família por si, ou vai a casa cozinhar o ovo que se recebe da mercearia, em fogões com tempo e temperatura marcados automaticamente, ou come qualquer coisa enlatada que da mercearia vai também. V. Ex.ª está convertendo a cozinha familiar num restaurante!

O Orador: - Mas é precisamente o contrário para o qual me proponho chamar a atenção de VV. Ex.ªs Apontei factos, não apontei teorias.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Se eu falei da teoria de V. Ex.ª queria aludir naturalmente ao pressuposto que está na base das suas considerações. Atrás delas há-de estar um certo princípio.

O Orador: - Não há princípio algum pressuposto; ou melhor: se tiverem de ser estabelecidos esses princípios, devem sê-lo depois de conveniente análise, e não serão esses que V. Ex.ª afirma.
Desaparecendo esse instrumento de trabalho que são as criadas de servir, e V. Ex.ª não pode impedi lo, vamos aliviar o trabalho da dona de casa, como trabalhadora, ou vamos torná-la escrava?

O Sr. Botelho Moniz: - Mas qual é a culpa da agricultura nisto?

O Orador: - Penso que a culpa da agricultura neste caso seria não satisfazer as necessidades do consumidor, pondo ao alcance dele os produtos agrícolas industrializados e preparados de uma maneira conveniente para que a dona de casa tenha o trabalho facilitado, para não ter de ir ao restaurante, e, por outro lado, para ter uma alimentação mais rica e mais saudável, a fim de que a raça e os filhos não definhem.

O Sr. Botelho Moniz: - É precisamente isso que a isenção do condicionamento tornaria possível.
Até agora é que não ora possível, e V. Ex.ª, em vez de acusar a agricultura, está a acusar a indústria.
V. Ex.ª acaba, pois, de aprovar a base VI.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Penso que V. Ex.ª não tem razão.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª é que não tem razão, pois, por um lado, aprova a base vi e, por outro, condena-a.

O Orador: - V. Ex.ª é que está interpretando mal as minhas considerações. O melhor será prosseguir no assunto que estava tratando. Talvez o meu pensamento fique melhor esclarecido depois e se verifique que ele não se presta às críticas que V. Ex.ª me dirige.
Dizia eu, sobre as relações da agricultura com a indústria, que só em circunstâncias muito excepcionais poderia verificar-se que um bom agricultor fosse simultâneamente um bom industrial, sobretudo num país como o nosso, onde predomina o regime da pequena propriedade.
O que na prática se verifica, aquilo que interessa geralmente ao agricultor, é vender os seus produtos a uma indústria suficientemente apetrechada para os valorizar econòmicamente. Se isso é assim com a azeitona, por exemplo, que é um produto de industrialização fácil, que não diremos de um sem-número de outros produtos que a agricultura pode fornecer para serem aproveitados para o nosso consumo e para exportação para mercados que um dia poderemos conquistar?
No século XIX possuímos grandes mercados de frutas no estrangeiro, que perdemos - estou convencido - por incúria nossa.
Suponho que não será impassível reconquistá-los para as frutas frescas e secas e ainda para produtos agrícolas industrializados. Mas julgo que a condição prévia indispensável será uma adequada concentração industrial de modo a obter esses produtos, de alto valor nutritivo e de bom gasto, em condições económicas favoráveis.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Este problema dos estabelecimentos complementares da agricultura não é apenas um problema industrial. A meu ver é, muito principalmente, um problema de defesa comercial dos produtos agrícolas. Quero dizer: a existência da isenção do condicionamento fornece à lavoura a possibilidade de defesa contra pretensões excessivas por parte da indústria na compra dos produtos agrícolas.
Não é necessário apenas produzir, ter a ciência de produzir, mas também a possibilidade e a facilidade de vender bem, porque para a agricultura de nada serve produzir cada vez mais e melhor se, à medida que cada vez produz mais, menos lhe pagam pelou seus produtos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A este respeito permitam-me VV. Ex.ªs que lhes conte um caso que observei e que me encheu de tristeza.