O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

25 DE JANEIRO DS 1952 287

Se se montaram muitas moagens é porque elas rendiam dinheiro. Até é bom termos este exemplo em consideração para se evitar que possa suceder que, sendo um dos motivos da existência do condicionamento a existência de estabelecimentos fabris em excesso, não venha a suceder que se promova o excesso, para provocar ou justificar o condicionamento.
Aproveitemos o exemplo porque nunca o cuidado é bastante com a natural tendência para estes abusos.
Mas dizia eu que não sei se o descasque de arroz merece categoria de indústria, e disse-o pela seguinte razão: aquilo que se considera impropriamente a debulha do arroz é simplesmente separar os grãos da espiga, e devo dizer a VV. Ex.ªs que, todavia, esta operação de debulha talvez seja mais complicada que a do descasque. Esta operação implica por vezes a existência de secadores para se poder realizar quando a época da colheita decorre chuvosa. O descasque é que é, propriamente, a debulha do arroz.
Mas terão, no fim de contas, os industriais de descasque de arroz razão nas suas observações ou nas preocupações e lamentações aqui apresentadas? Para isso, Sr. Presidente, e peço desculpa de ocupar mais alguns minutos, porque nem todos terão conhecimento do assunto, tenho de contar a história da remodelação por que passou o nosso sistema de comércio interno do arroz.
Em 1933 a Itália, por meio de prémios de exportação, punha em Portugal arroz por metade do preço por que era vendido em Itália. Em consequência disto os nossos produtores de arroz não podiam viver. Então foram ter com o Governo, não com lágrimas nos olhos, como aqui disse o Sr. Engenheiro Calheiros Lopes, porque o Governo nem sequer os viu, por ter essa reclamação sido apresentada pela Associação Central da Agricultura Portuguesa, solicitando protecção legitima para a cultura do arroz que os livrasse de processos ilegítimos de concorrência.
O nosso ilustre colega engenheiro Sebastião Ramires, com a argúcia que lhe conhecemos, pôde encontrar solução e tão bem resolveu o problema que ainda hoje vigoram as disposições que tomou e cujos resultados, particularmente felizes, vou já apresentar a VV. Ex.ªs Em todo o caso, nesses anos em que se fazia a importação de arroz a produção em Portugal era da ordem dos 34.000:000 de quilogramas. A nossa indústria de descasque era a mesma que actualmente existe, pois VV. Ex.ªs ouviram aqui a afirmação de que se não encerraram quaisquer descasques, e trabalhava com os 34.000:000 de quilogramas.
Estabelecidos os princípios para resolver este momentoso assunto pelo Sr. Engenheiro Sebastião Ramires, então Ministro do Comércio, logo a seguir, em 1939, a produção subia para 65.000:000, e foi assim por diante, com 73.000:000, 83.000:000, 73.000:000, 69.000:000 de quilogramas, etc., conforme os anos agrícolas corriam melhor ou pior, até que chegámos agora, em 1951, à produção de 130.000:000, e a mim admira-me que uma indústria que viveu com 34.000:000 de quilogramas, que passou a 60.000:000 de quilogramas e tem hoje 130.000:000 - quatro vezes mais -, ainda se aflija com a ideia de que qualquer lavrador mais abastado, ou, melhor, com grande colheita de arroz, possa montar um descasque para a sua própria produção!
Que influência poderá ter este facto nesta indústria, que viu multiplicado por quatro o número de milhões de quilogramas com que trabalhava?
Espero ter demonstrado que este problema não pode pesar na nossa consciência.
De resto, Sr. Presidente, se há indústria complementar da agricultura é precisamente esta, porque o azeite transforma o produto, o leite transforma o produto, o vinho transforma o produto, ao passo que aqui, no caso do arroz, há apenas a debulha e não qualquer espécie de transformação.
Isto é apenas para pormos o assunto tão claro que não possa haver dúvidas sobre a sua solução.
Ainda outra afirmação eu pretendo fazer: é que não foi o condicionamento da indústria que deu o arroz; o que deu o arroz foi o preço remunerador que ele passou a ter.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que não se pode é trabalhar para perder, e a indústria, que não está, e com razão, disposta a tal, deve compreender muito bem esto estado de espírito da lavoura.
E, neste aspecto, o que vale e o que fez passar de 34 para 130 milhões de quilogramas a produção foi ter o arroz um preço remunerador. Qualquer que fosse o sistema arquitectado, desde que se garantisse um preço compensador, o produto apareceria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se porventura alguns lavradores, ou mesmo alguma cooperativa, vier a fazer descasque, não acredito que, com este número que acabo de citar, isso possa ser um embaraço para a indústria do descasque de arroz.
Mas, se porventura os lavradores que se resolverem a utilizar a lei forem muitos, talvez ai se possa arranjar algum benefício para o consumidor, que é precisamente aquilo que nós todos devemos desejar.
A lavoura não pretende invadir o campo da indústria, mas não há dúvida de que a indústria invade sem preocupações o campo agrícola e o campo comercial.
Ainda há dias o nosso ilustre colega Sr. Carlos Mantero afirmou, com a sua particular autoridade, que assim sucedia, e eu posso dizer a VV. Ex.ªs que conheço o caso de indústrias mal acabadas de nascer que imediatamente instalam organizações comerciais, através das quais dominam o próprio comércio e o consumidor. A agricultura não pretende dominar nada nem ninguém, mas o que não quer, e isso positivamente não quer, é ser tratada como parente pobre, até mesmo porque os seus sacrifícios lhe devem permitir uma outra situação que não seja a de ser tratada com desprezo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E eu sei que este não é o espírito da maioria dos industriais.
À indústria o que interessa é uma agricultura progressiva e rica, porque nós, os homens da terra, o grosso da população, é que somos os clientes da indústria, vivendo, salvo honrosas excepções, do mercado interno.
Todas estas coisas que eu acabo de dizer não podem ter, de maneira nenhuma, a intenção, nem de longe, de serem desagradáveis à indústria.
O esforço que os nossos industriais fazem é apreciado por todos, e o seu progresso e prosperidade não podem deixar de ser uma aspiração nacional.
Por isso, a base VI, tão discutida nesta Assembleia, quase a única base discutida desta lei, está muito bem e representa um reconhecimento e uma justiça feitos pelo Governo à classe agrícola.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.