4 DE MARÇO DE 1952 387
Em Évora cada proprietário tem, em média, 22,8 hectares, distribuídos por 1,3 prédios. Em Bragança esses números são, respectivamente, 5,9 e 10. Quer dizer: aqui, aproximadamente, para perfazer uma área quatro Tezes mais pequena torna-se preciso um número de prédios oito vezes superior. A superfície média de cada prédio no primeiro desses distrito», expressa em hectares, é de 17,1; no segundo é de 0,5; em Viana do Castelo e em Coimbra é de 0,2.
Os confrontos são sintomáticos 1.
Já em 1887 Oliveira Martins no seu conhecido projecto de fomento rural traçava, a título de exemplo, o seguinte quadro de fragmentação da propriedade numa veiga da freguesia de Moreira de Bei, no concelho de fafe. «A veiga está dividida em leiras ou fitas paralelas que paralelamente se vão subdividindo em tantas leiras quantos são os herdeiros de uma sucessão. A divisão fez-se por muito tempo seguindo a direcção longitudinal, mas como esta chegou já ao extremo limite, hoje partem-se as leiras ao sentido transversal. Agora as dimensões de cada leira, ou de cada propriedade, regulam entre o máximo de 5 metros e o mínimo de 0m,80 para a largura e 100 e 10 metros para o comprimento»2.
Outros exemplos curiosos da divisão do solo e de árvores, colhidos na literatura da especialidade: um castanheiro pertencia a trinta e duas pessoas; faleceu uma delas e a sua parte foi subdividida por nada menos que seis herdeiros. Em certa zona hortícola da freguesia de Alvite, concelho de Viseu, existem ou existiam há alguns anos cinquenta e dois prédios em 711 metros quadrados, o que significa uma área média de 14 metros quadrados por prédio 3.
Na vizinha Espanha ficou legendário um prédio de l metro quadrado com três proprietários: um, do solo, outro de uma árvore lá existente e outro de um censo que onerava os primeiros.
Causas da excessiva divisão do solo
a) Causas geográficas
3. O fenómeno descrito do fraccionamento rural nas regiões minhota, trasmontana, beirã e estremenha tem causas múltiplas, que se podem reduzir a três categorias fundamentais - de ordem geográfica, histórica, legal. Convém conhecê-las, para melhor diagnóstico do problema e busca mais acertada das soluções, na medida em que estas podem depender da acção do legislador.
As condições mesológicas parece terem influência inegável no modo de repartição da propriedade.
A conhecida diversidade orográfica e climatérica entre Norte e Sul corresponde, até certo ponto, a variedade no revestimento vegetal, na configuração da paisagem, no modo de distribuição das populações.
O Alentejo, com as suas vastas planícies e a carência de água, propende à formação das herdades, divididas em folhas, umas agricultadas e as outras em pousio. O sobreiro e a azinheira, de folha perene, as extensas searas de trigo, de centeio, etc., casam-se bem com a secura e o ardor de demorados estios. A exploração, do tipo extensivo (embora já hoje vão aparecendo notáveis exemplos de intensificação cultural), não incita por via de regra à divisão da propriedade nem requer densidade na população, que não se fixa onde não tem água e, sendo rara, não força ao retalhamento do solo.
As gentes aglomeram-se, de longe a longe, nos povoados e nos o montes», que mal interrompem a solidão da planície.
No Norte, com exclusão de parte de Trás-os-Montes, a abundância de água torna intensiva a cultura, adensa a população, que procura na emigração uma fuga para o excesso, e dessas duas circunstâncias conjugadas - a possibilidade - de melhor aproveitamento do solo e a condensação demográfica - resulta o fraccionamento da terra, onde predomina o milho regado, a par do pinheiro bravo, do carvalho e do castanheiro 1. No Minho e nos vales do Paiva e do Vouga, como reflexo da disseminação da propriedade, verifica-se a disseminação populacional, e quase não se formam aldeias, mas simples lugarejos, espalhadas pêlos campos as casas de habitação.
Eis como o condicionalismo mesológico comanda, dentro de certos limites, a repartição do solo português e por imperativos de ordem natural favorece, ora a concentração da propriedade, ora a divisão da terra, por vezes em fragmentos de liliputianas proporções 2.
Passemos agora à consideração das circunstâncias de índole histórica.
b) Causas históricas
4. Os factores geográficos anteriormente lembrados actuaram no transcurso dos séculos sobre a vontade dos homens e, na medida em que não foram contrariados pela legislação, lançaram os fundamentos dos dois tipos de propriedade, na metade setentrional e na metade meridional do território. Acumulou-se através das gerações uma densa sedimentação histórica, que traduziu e corroborou nos factos humanos o sistema determinado ou favorecido pela natureza das coisas.
Já anteriormente à fundação do reino, na região compreendida entre Minho e Mondego, vivia sedentàriamente numerosa população agrícola, sem embargo das vicissitudes e perturbações originadas pelo movimento da Reconquista. Irregularmente distribuídas, encontravam-se aí aldeias, granjas, casais, terras lavradas. A propriedade acusava elevado grau de fraccionamento.
Assim o testemunham os muitos actos de transmissão respeitantes a prédios situados na região aludida, cujos documentos vieram até nós: actos de meros particulares, dos séculos X e XI, como vendas, doações, testamentos, e, já desde o século, IX, doações régias- e, em geral, actos relativos a pessoas ou corporações eclesiásticas.
Por aí se vê que os prédios rústicos não tinham geralmente grande superfície, que muitos deles pertenciam a um só indivíduo ou a uma só corporação e que era numerosa a classe dos proprietários. A reunião de múltiplas vilas na mão da mesma pessoa convence de que os prédios assim denominados não podiam ser de proporções avantajadas. E os Portugaliae Monumenta Histórica (Diplomata et Chartae) dão-nos a conhecer de modo directo, em muitos documentos, a existência de pequenos tractos de terras, inferiores em extensão às vilas e que se chamavam láreas.
Enfim, a propriedade estava já então fragmentada e disseminada nos territórios que correspondem hoje ao Minho, Trás-os-Montes e Beiras 3.
1 Não fornecemos elementos estatísticos com base no cadastro geométrico relativamente aos concelhos onde este já existe, por gases elementos ainda não se encontrarem organizados.
2 Projecto de Fomento Rural, p. 60.
3 Prof. Lima Bastos, «A Propriedade Rústica», nos Anais do Instituto Superior de Agronomia vol. XII, fase. 1.°, p. 43.
1 Acentue-se no entanto que a pequena cultura pode coexistir, e coexiste muitas vezes, com a grande propriedade.
2 Prof. Amorim Girão, Atlas de Portugal, quadro XV.
3 Gama Barros, História da Administração Pública, 2.ª ed. tomo IV, pp. 32 e segs.; Anselmo de Andrade, Portugal Económico 2.ª ed., tomo I, pp. 59 e 60; Alberto Sampaio, As Vilas do Norte de Portugal.