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388 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131

Fundada a Monarquia, os nossos primeiros reis, seguidos no exemplo pêlos senhores, lançaram as bases da organização étnica portuguesa através de um notável esforço de povoamento ou colonização, cujos efeitos perduraram. Doando ou concedendo colectivamente terras, tanto a naturais- como a forasteiros, fixavam ao solo núcleos de população, muitos dos quais ulteriormente adquiriam existência política, como municípios, pela outorga de forais. Esta a origem de numerosas povoações e concelhos.
Os sistemas de colonização variavam com as regiões e essa diversidade, fruto da variedade geográfica, consolidou uma repartição natural de gentes e terras, imposta por esta. No Minho os terrenos eram divididos em casais, que se distribuíam por grupos de dez, vinte e trinta povoadores, com obrigação para cada casal, a que correspondia certa porção de bravio, de pagar uma pensão em cereais, galinhas ou dinheiro; morto o possuidor, todos os terrenos lavrados entravam em partilha. Ao sul do Tejo, pelo contrário, tinham predomínio as grandes doações ou concessões.
Assim nos aparece o contraste entre a divisão e a concentração fundiária, com população avultada além, diminuta aqui 1.
Este estado de coisas manteve-se sem grande alteração, e por isso já no século XVI se queixava Severim de Faria de que os homens não tinham terras para cultivar, porque as províncias de Entre-Douro e Minho estavam, muito povoadas, não havendo nelas lugar para se fundar, mais povos, e estava, por outro lado, o Alentejo dividido em herdades de tal grandeza que se não podiam povoar ai em cultivar 2.

e) Causas legais. Sua evolução; estado actual

5. O movimento da legislação ora tem favorecido ora tem contrariado a decomposição da propriedade rural, onde esta decomposição representa uma tendência do meio geográfico. O legislador é impotente para se sobrepor à Natureza, mas impera na vontade (humana e pode nela fortalecer os reflexos do condicionalismo físico ou subtraída, por um sistema de prudentes proibições ou limitações, no jugo desse condicionalismo, quando tido por nefasto.
Pôr isso os estados legislativos que têm consentido entre nós a excessiva divisão do solo são também um factor a considerar, não como sua causa directamente determinante, mas como pressuposto que a possibilita. As providências legais permissivas do fraccionamento da terra não o originam por si no Alentejo, onde a Natureza não propende a aceitá-lo de modo espontâneo. Mas no Norte do País, que conhece a tendência oposta, aquelas providências dão-lhe largas e consentem que ela se desenvolva com liberdade até consequências extremas.
Já vimos que o reino, ao fundar-se, encontrou bastante parceladas as terras de- cultivo. Imprescindivelmente na base deste fenómeno está um factor jurídico: a faculdade de divisão, amplamente consentida pelo Código Visigótico, por que ao tempo se regiam os hispano-godos. Como escreve Gama Barros: «Não existindo ainda nas leis gerais, que eram então as do Código Visigótico, o direito de avoenga, conquanto já talvez introduzido nalguns costumes locais (...); e sendo de tempos mais (modernos as restrições impostas nas doações régias ao direito de sucessão, bastavam as partilhas das heranças para se produzir necessariamente a divisão da propriedade; e só era no domínio das corporações eclesiásticas que, em regra, se iam amortizando os bens de raiz, que por qualquer título entraram no seu património»1.
Entretanto, porém, o quadro social e jurídico foi-se alterando. A instabilidade da Reconquista deu à família um forte impulso de coesão. O movimento libertador lançado dos penhascos das Astúrias durou séculos de combate, em que aos avanços cristãos se sucediam as incursões muçulmanas, deixando atrás de si um rasto de destruição e miséria. A presença do inimigo era uma ameaça constante e a perturbação subia de ponto com as rivalidades de príncipes neogodos, traduzidas em lutas partidárias.
Neste ambiente de insegurança geral os indivíduos sentiam-se mais solidários e carecidos de buscar amparo para tantos perigos no auxílio recíproco, na união dentro dos agregados sociais em que mais perto estavam uns dos outros. Assim se fortaleceram os vínculos familiares. A família tornou-se um corpo dotado de maior homogeneidade e solidez.
Por outro lado, acentuou-se a primazia económica da terra. Os bens móveis eram precários, sujeitos ao poder de destruição ou à cobiça do inimigo. Nas suas investidas as hostes agarenas semeavam o extermínio a ferro e a fogo, arrasavam e saqueavam, anãs a todas aã devastações sobrevivia incólume a terra, como fonte perene de riqueza, sempre pronta a ser fecundada e a desentranhar-se generosamente em novos frutos.
Destas duas circunstâncias reunidas, o revigoramento da célula familiar e a valorização dia fortuna imobiliária, traduzida sobretudo na terra, proveio, pela evolução espontânea dos costumes, um conjunto de importantes providências jurídicas de protecção da referida fortuna dentro da família. O Direito tomou sob a sua carinhosa tutela a propriedade imobiliária, votada a uma destinação familiar, como sólido esteio patrimonial desse agregado.
Tais providências assentavam todas na distinção entre bens de avoenga e bens de ganatura ou compradela e rodeavam os (primeiros de uma rede de cautelosas limitações, tendentes a evitar a sua saída do seio da família, a que tradicionalmente pertenciam e de que eram fundamento e amparo económico. Os bens de avoenga correspondiam aos próprios de que falam as fontes francesas, os outros aos adquiridos. Estavam na primeira condição os imobiliários de procedência familiar, herdados dos antepassados; todos os mais, de diversa proveniência, diziam-se de ganatura ou ganha-dia e entravam no comércio jurídico normal.
O sistema protector do património da família, representado nos bens de avoenga ou (parentela, veio a diversificar-se e definir-se em três instituições jurídicas principais - retracto familiar, reserva hereditária e direito de troncalidade.
O retracto familiar, ou direito de avoenga, como costumava ser designado no antigo Direito português, numa expressão excessivamente genérica, era um direito de preferência: a faculdade reconhecida aos parentes, do lado de proveniência dos bens próprios, de preferirem a estranhos na aquisição a título oneroso desses bens. O direito de avoenga, na sua forma plena, afirma-se tão-sòmente no século XIII, como coroamento de uma evolução vinda de trás e que atravessou fases sucessivas, entre elas a da autorização dos parentes e a da oferta prévia. Uma lei de D. Afonso II reconhece aos parentes direito de preferência quando «alguum quizer uender ou apenhorar sas próprias posisões que lhi acae-

1 Dantas Pereira, «Nota sobre a Legislação e Cultura de El-Rei D. Dinis», nas Memórias da Academia; Oliveira Martins, Projecto de Fomento Rural, pp. 27 e segs.; Anselmo de Andrade, Portugal Económico, tomo I, pp. 63 e 64.
2 Notícias de Portugal, tomo I, p. 18.

1 História da Administração Pública, 2.ª ed., tomo IV, pp. 34 e 35.