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4 DE MARÇO DE 1952 389

cessem da parte de ssa avoenga». Semelhantemente diz-se numa lei de D. Afonso III que «todo homem ou molher pode demandar e auer todo herdamento ou casa ou vinha ou outra cousa de tanto por tanto titolo que seia de asa auoenga».
A reserva hereditária também se formou em resultado de uma evolução lenta, como forma específica de sucessão forçada, que pressupunha a distinção entre bens próprios e adquiridos e só atingia os primeiros ou os afectava em anais larga medida do que aos segurados. A variedade que se nota a este respeito nas compilações do Direito consuetudinário local é muito grande. Ou se estabelecia uma reserva total dos bens de avoenga, imperativamente destinados aos parentes do respectivo ramo familiar, e uma absoluta liberdade de disposição dos bens de compradela; ou se sujeitavam ambas as espécies a reserva parcial, maior-contudo para os próprios o que para os adquiridos. Uma das modalidades mais características, ainda plena de vitalidade em fins do século XIII, foi a que prevaleceu no Norte, com duas quotas disponíveis, um quinto para os bens de avoenga, um terço para os de ganhadia.
O sistema era completado pelo direito de troncalidade, regra de sucessão legítima que, na ausência de herdeiros reservatórios ou para além dos limites do seu direito, deferia os bens próprios aos parentes da linha donde eles procediam. Paterna paternis, materna maternis.
Este conjunto de leis ou costumes, inspirados na defesa económica da família, atenuava até certo pomto os efeitos do natural pendor das populações nortenhas para a fragmentação do solo. Os bens próprios, entre os quais avultava a terra, não saíam da família ou dificilmente passavam à posse de estranho, graças ao direito de avoenga. Conservados no âmbito familiar, à morte do seu proprietário não se dividiam uniformemenite por todos os herdeiros, mas revertiam apenas para os parentes da linha donde eram oriundos, ou forçadamente, por efeito da reserva hereditária, ou no silêncio do testaidor quaníto à quota disponível, mercê do direito de troncalidade.
Cada um dos bens de avoenga, limitado a parentes ou do lado paterno ou do lado materno, tinha assim menor número de sucessores que os adquiridos: o que não compelia aos mesmos extremos a sua divisão.
A partir do século XIII, porém, deu-se um facto que, aliado às novas condições políticas e sociais trazidas pela cessação da luta com o infiel, determinou o sucessivo e gradual desaparecimento deste sistema jurídico de protecção do património da família. Referimo-nos à penetração do Direito Romano, cujo estudo, na sua forma justinianeia, se restaurara lá fora. O Direito Romano, vazado em moldes individualistas, hostilizou estas formas nascidas sob a inspiração de um pensamento espontâneo de defesa superior e institucional da molécula familiar. Uma a uma, semelhantes instituições e outras análogas caíram ao sopro individualizador e nivelador da legislação herdada de Roma.
De todas as regras atrás referidas a primeira a soçobrar foi a da sucessão troncal: na legislação geral mais antiga (século XIII) já se não encontra vestígio de se transmitir a sucessão de raiz a raiz. Depois começou a entrar em esquecimento a reserva hereditária, totalmente abolida no século XIV em prol da doutrina romanista da sucessão legitimaria, com expressão definitiva e completa nas Ordenações.
Mais resistente, o direito de avoenga sobreviveu à codificação afonsina, que não ousou suprimi-lo: revogando embora a lei de D. Afonso II (IV, 37, 2), conservou a de D. Afonso III, «porque fomos certamente enformado, que assy foy sempre em estes Regnos guardada, e usada» (IV, 38, 13).
Mas a vida deste último instituto não foi muito mais longa e, setenta anos volvidos, ao serem promulgadas as Ordenações Manuelinas, ele desapareceu definitivamente da face do Direito português (IV, 25).
Criou-se assim um ambiente jurídico individualista, fermento favorável à divisão da propriedade 1.
Esse efeito, contudo, foi de algum modo compensado ou contrabalançado pela generalização doa morgados ou vínculos. Estes eram fideicomissos perpétuos, destinados a conservar indefinidamente os bens dentro da família, ao longo das gerações. A sua origem não está, contra o que já se tem pretendido, no direito de avoenga, mas a sua função representa um sucedâneo histórico da armadura protectora do património avoengo, rota no embate com as doutrinas adversas do Direito justianianeu. Tal Direito veio trazer uma faculdade ampla de disposição dos bens, mas muitos proprietários aproveitaram esse poder, em si individualista, para o porem ao serviço de uma preocupação institucional de defesa económica familiar, instituindo vínculos, em geral pelas forças da quota disponível.
A propriedade vinculada, que depois de se tornar conhecida entre nós no século xin não mais deixou de progredir, tinha como carácter essencial a sucessão perpétua dentro da família, a que se juntavam normalmente, mas não necessariamente, o direito de primogenitura e a preferência da linha masculina.
Os morgados não eram privativos das famílias nobres; famílias plebeias também os utilizavam. No entanto, foram sobretudo as primeiras que lhes deram incremento, como garantia económica do seu lustre e perpetuação pêlos séculos fora.
A perpetuidade pressupunha a inalienabilidade e a indivisibilidade, aliás inerentes aos fideicomissos em geral. Essa segunda característica era um obstáculo ao fraccionamento da propriedade vinculada.
Não quer isto dizer que todos os morgados fossem latifúndios. Longe disso. As instituições vinculares não imprimiram propriamente uma fisionomia especial às vastas propriedades alentejanas, que sem elas existiriam quase do mesmo modo; e, em contrapartida, compadeciam-se com os casais ou pequenos campos minhotos, em que tanto se generalizaram.
O regime dos vínculos era, pois, perfeitamente compatível com a pequena propriedade: e onde ela já existia manteve-a e aplicou-se-lhe, como não podia deixar de ser. Mas teve o mérito de impedir que ela se fragmentasse mais, subtraiu-a ao movimento progressivo de parcelamento a que continuaram abandonadas as outras terras.
As Ordenações Afonsinas ainda não aludiam aos morgados; as Manuelinas apenas se lhes referiam em dois parágrafos (II, 35, 48 e 49). Foi só com D. Sebastião que apareceu a primeira regulamentação jurídica da matéria, expressa nas Leis de 15 de Setembro de 1557, depois incorporadas no código filipino (IV, 100) juntamente com outras disposições, pela maior parte extraídas de leis castelhanas.
O combate à propriedade vinculada integrava-se na política pombalina, e por isso o Marquês, sem ainda lhe pôr fim, rodeou-a de uma legislação fortemente restritiva. A Lei de 9 de Setembro de 1769 começou por proibir a instituição dos vínculos denominados «capelas». Na esteira deste precedente, a Lei de 3 de Agosto do ano seguinte lançou reforma radical, abolindo muitos vínculos de pretérito e sujeitando de futuro os morgados a confirmação régia. A legislação subsequente,

1 Prof. Paulo Mereia, «Organização Social e Administração Pública», na História de Portugal, de Barcelos, vol. n, p. 458; Prof. Cabral de Moncada. A Reserva Hereditária no Direito Peninsular e Português} Prof. Braga da Cruz, O Direito de Troncalidade.