394 DIÁRIO DAS CESSÕES N.º 131
A operação assenta, senão exclusiva pelo menos principalmente, num sistema de trocas. Por meio de permutas plurilaterais combate-se a dispersão rural e cada proprietário passa a ter um ou poucos prédios pequenos ou medianos, em lugar da anterior poeira de retalhos disseminados.
O emparcelamento não se destina à constituição da glande propriedade nem visa a reunião desta na mão de poucos, contra o que poderia supor-se. O número de proprietários mantem-se o mesmo, e a mesma é a extensão territorial pertencente a cada um. Ninguém ganha e ninguém perde. Apenas se fazem trocas, racionalmente ordenadas em vista à formação de prédios contínuos em substituição de glebas dispersas.
O emparcelamento, já praticado em vários países com grande êxito e preconizado por muitos economistas e estadistas, tem sido objecto de críticas. Algumas delas assentam num conhecimento errado da operação. Outras só são aplicáveis a este ou àquele sistema. A operação, com efeito, pode realizar-se e tem-se realizado segundo sistemas vários. Adiante se fará a exposição dos principais, dizendo-se os defeitos de que cada um enferma. O reconhecimento desses defeitos não é obstáculo à adopção de unia modalidade que os não tenha ou que, na sua transposição para a legislação portuguesa, seja deles expungida. Aliás, Hão importa copiar, seja que modelo for, mas apenas instituir o regime que mais convenha a Portugal.
Há, porém, uma importante crítica de ordem geral que importa considerar desde já. Aponta-se, com razão, o facto de muitas vezes a terra oferecer para o seu proprietário um valor estimativa particular, que acresce ao puro valor de troca. Razões de afecto tornam a propriedade, em não poucos casos, como uma emanação da personalidade, que nela se projecta e continua. A terra ou foi herdada dos avós ou amanhada com especial desvelo pelo lavrador que nela pôs um pouco do seu coração; e por estas motivos ou outros análogos tem, para o dono, mais do que uma simples significação económica. Está nela incorporada qualquer coisa de pessoal ou subjectivo que a faz única, insubstituível por outra, ainda que de valor económico igual.
O argumento é considerável, sobretudo num país como o nosso, onde há um tão entranhado amor à terra e onde o temperamento da população a leva a nortear-se com frequência, nos seus gostos e reacções, mais pelas imposições espontâneas do sentimento do que pelas exigências raciocinadas de um frio cálculo. E deve ter em especial atenção esta, circunstância o legislador que, dentro das directrizes anteriormente estabelecidas, não queira sobrepor por sistema a economia a razões de ordem espiritual ou afectiva.
O óbice, porém, não é tão grande como à primeira vista se julgará, ponderado que a operação de emparcelamento fica dependente do voto de uma maioria. Mas pode-se e deve-se ir ainda mais longe e excluir da operação, além de outros, os terrenos grandemente valorizados por efeito de benfeitorias agrícolas, fruto de particulares cuidados postos na sua cultura. A ligação sentimental a certo tracto de terra só constituirá legítimo obstáculo à sua troca, para efeitos de emparceiramento, se se houver traduzido num esforço de valorização. Esse esforço é índice de meritória dedicação à terra e o único que legitima uni tratamento de favor. As globas nas referidas condições ficarão, pois, de fora e não se fará a sua permuta por outras, ainda que de valor igual.
O emparcelamento mão é novidade no Direito português. Já está anele consagrado. Estabeleceu-o o Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919. Simplesmente esse decreto jamais foi regulamentado e, assim, a sua doutrina tem permanecido letra morta.
Há que rever a orientação aí definida, modificando-a e aperfeiçoando-a, em ordem a gizar a regulamentação mais conveniente.
Exponhamos e apreciemos sucintamente os- principais sistemas que têm triunfado noutras legislações e depois digamos de qual deles anais se aproxima o instituído pelo citado Decreto.
Sistema germânico de emparcelamento
14. Na Alemanha, na Suíça1 e em outros países do centro e norte da Europa o emparcelamento tem largas tradições e vem sendo efectuado há séculos, com êxito e com geral contentamento. Os mais antigos emparceiramentos de que há notícia remontam, segundo parece, a 1540; efectuaram-se em Kemptem, na Alta Suábia. Umas vezes por espontâneo acordo de todos os interessados, mas má maior parte dos casos por determinação coactiva da lei, com base no voto de uma maioria mais ou menos rigorosa, têm-se feito com frequência largas operações de recomposição fundiária.
Os processos têm variado, mas com predomínio, pelo menos na Alemanha, da orientação seguinte. Forma-se, digamos, uma massa comum, constituída por todos os prédios existentes ma zona considerada. A divisão da propriedade refaz-se, racionalmente, em mais vantajosos termos; delineiam-se prédios homogéneos, servidos por caminhos livres e regulares. E cada proprietário recebe finalmente um prédio ou prédios contínuos, compostos de terras sensivelmente iguais em qualidade às anteriores e proporcionais em extensão, abatido o seu contributo para as obras comuns, como os caminhos.
Semelhante sistema, se pode coadunar-se com a idiossincrasia de povos facilmente propensos a aceitar as puras imposições da conveniência económica, seria impraticável em Portugal. De resto, além do temperamento do povo, outras circunstâncias peculiares, que entre nós se não verificam, facilitaram nos antigos Estados germânicos, ou em alguma, a sua divulgação, como o processo de povoamento, o afolhamento comum, a ausência de caminhos murais.
O sistema, no seu extremismo, não se afigura necessário nem vantajoso. E ir muito longe querer traçar uma nova rede de comunicações e, em harmonia com ela, delinear noivas propriedades, sem respeito pela antiga divisão predial.
Aqueles que têm um prédio só ou prédios com área superior ao mínimo reclamado (pelas exigências agrícolas não são interessados no emparcelamento, não pre-
Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, vol III, pp. 147-148, nota).
A razão da crítica está no facto de haver uma noção legal definida de «parcela», diferente da que a palavra tem naquele seu derivado. Com efeito, na terminologia cadastral consagrada por lei, parcela é «a porção contínua de terreno situada num só prédio rústico, quando ela tenha uma só qualidade e classe de cultura, ou ainda uma dependência agrícola ou parte de dependência situada igualmente num só prédio rústico e com um único destino» (Decreto-Lei n.º 36:505, de 11 de Setembro de 1947).
Mas nada obsta à formação de um derivado, insusceptível de confusões, em que a raiz entre com significação diversa, e que, de resto, também tem a aboná-lo o seu emprego na lei (Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919; Decreto n.º 11:859, de 2 de Julho de 1926, publicado no Diário do Governo de 7 do mesmo mês, base II, alínea 3.ª, e base XI, alínea 2.º; Decreto n.º 12:451, de 9 de Outubro de 1926, artigo 27.º).
1 Rapport sur les Améliorations Foncières de la Suisse 1940-1946; engenheiros agrónomos Mário Pereira e Armando Oscar Cândido Ferreira, Relatório de uma Missão de Estudo a Itália, Suíça e Espanha (Junta de Colonização Interna), pp. 311 e segs.