608-(6) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 144
Razões da melhoria nos pagamentos
13. Esquecem-se, com rapidez e facilidade que muitas vezes surpreendem, factos que na essência são fundamentais.
O parecer das coutas está cheio de prevenções a esto respeito. E chega às vezes a ser confrangedora a indiferença com que se olham as consequências do problemas que, se atalhadas em tempo devido, poderiam ser consideràvelmente reduzidas.
A história dos últimos dez anos é fértil em ensinamentos de natureza financeira e económica. E quem quiser debruçar-se um pouco sobre a vida social, no momento presente e no passado, aprenderá neles as causas de dificuldades de variada natureza.
Como já por diversas vezes se acentuou, a vida portuguesa depende ainda hoje, e dependeu bastante no passado, de factores relacionados com acontecimentos externos.
A melhoria acentuada a partir de 1950 é consequência directa do agravamento da situação internacional. Houve, a partir de meados de 1949, grande progresso no consumo de matérias-primas destinadas ao rearmamento, que indirectamente estimulou o consumo de alguns produtos portugueses que já nessa data constituíam reservas importantes, à espera de consumo. A alta considerável nos preços de alguns, e, pôr outro lado, o importante descongestionamento nas existências, ocasionou a subida de mais de um milhão de contos na exportação de 1950, acentuada para bastante mais de dois milhões em 1951, em relação ao ano anterior.
Também a alta nos produtos coloniais, especialmente no café, sisal e outros, teve influência considerável na balança de pagamentos, tanto da metrópole como do ultramar. A influência do ultramar manifestou-se especialmente através da entrada de invisíveis, de transacções liquidadas nas praças da metrópole.
Vê-se, pois, que o alivio notado na balança de pagamentos derivou, não de um aumento acentuado na produção interna - ele deu-se em certos sectores por efeito de melhores anos agrícolas -, mas essencialmente de uma alta de preços de certos produtos, sem contar com a ajuda americana por empréstimos, que subiram a 878 mil contos nos dois anos de 1950 e 1951 (até Agosto), o do saldo de direitos de saque, de cerca de 650 mil contos.
Convém atentar bem em todos estes factores e na sua importância na economia do País e até na sua vida social. Entraram no circuito interno e externo da Nação somas consideráveis, ponderada a relatividade dos meios de pagamento, provindas da ajuda americana ou originadas numa alta de preços de produtos de exportação.
Será ilusória toda a política fundada na anormalidade, benéfica no caso presente, da actual situação económica. Presuma-se, por momentos, que se mantinha o nível dos preços do exportação na base média do 1949. Quem se der ao trabalho de analisar esses preços o as quantidades exportadas, tanto da metrópole como pelo ultramar, verificará, certamente confrangido, os efeitos de uma baixa para médias parecidas com as daquele ano.
Nesta grave contingência está o melhor argumento da necessidade absoluta de inverter, tão ràpidamente quanto possível, a maior parte das disponibilidades nacionais em empresas que assegurem aumento de produção em termos económicos estáveis que assegurem a máxima produtividade e segurança.
Actuais disponibilidades monetárias
14. Mas a alta do preços, iniciada com as perspectivas de rearmamento na Europa e na América, não teve apenas o efeito benéfico de neutralizar as ameaças de depressão notadas em 1949. Na base de 1927 igual a 100 a média dos preços por grosso na metrópole, que fora do 251,7 em 1949 e descera para 248,9 em 1950, atingiu 272,5 em 1951 e maior seria se não fosse a forçada baixa de produtos alimentares.
Este fenómeno produziu efeitos de diversa ordem que não podem ser detidamente analisados neste lugar. Mas a subida acentuada que se nota no último ano e as dificuldades resultantes da intensificação dos programas de rearmamento, acompanhadas da procura de produtos do origem nacional, tanto da metrópole como do ultramar, levaram à formação de um volumoso saldo credor na União Europeia de Pagamentos. Esse saldo deve ter atingido, na data em que é escrito este parecer, mais de 60 milhões de unidades de conta, equivalente a mais de 60 milhões de dólares.
O fenómeno é idêntico ao que se deu com a formação do um importante saldo credor em libras durante a guerra e os seus efeitos dentro do País terão de ser, e na verdade são, idênticos - quer dizer, a criação do um grande volume de crédito sem directa contrapartida lia economia interna -, e, por consequência, os começos de inflação, já visíveis em certos sectores da vida nacional, tanto na metrópole como no ultramar.
Pôs-se diante do País uma nova oportunidade para dar impulso enérgico à modificação dos instrumentos produtivos. Seria possível, se houvesse uma política económica definida e coordenada, atenuar os saldos credores da União Europeia de Pagamentos pela compra em tempo oportuno, nos países da Europa Ocidental, dos equipamentos mecânicos necessários aos instrumentos da produção, tanto de natureza industrial como agrícola, mas ainda hoje se discutem aspectos da vida económica susceptíveis de absorver elevadas somas de moeda de conta, como a questão do ferro, a política hidroeléctrica, as indústrias que melhor se podem adaptar às condições nacionais e outros. E, a não ser no aspecto do reequipamento naval por compra de barcos para a marinha mercante, não se deu o impulso indispensável à melhoria dos instrumentos de produção.
A situação é muito complicada pela influência exercida pelas províncias ultramarinas na balança de pagamentos e na acumulação de saldos credores na União Europeia de Pagamentos. O exame dos valores de exportações angolanas e moçambicanas, nos dois últimos anos, sobretudo das primeiras, dão-nos logo a conhecer a origem do uma das mais fortes razões do grande desequilíbrio nos saldos e, indirectamente, explicam-nos as causas do agravamento desses saldos, e, por consequência, dos seus perniciosos efeitos na moeda, tanto no ultramar como na metrópole.
Parece que a primeira medida a tomar, e já b devia ter sido há muito tempo, será a de imobilizar uma forte percentagem das disponibilidades, em Angola o em Moçambique, que resultam das exportações, e orientar o seu gasto para obras de natureza reprodutiva, que assegurem a continuação do progresso económico, logo que haja passado a euforia da alta das exportações e se reduza a actividade. Seria a única maneira de evitar crises futuras, como as que no passado arrasaram a economia provincial, e de fixar nas províncias ultramarinas, para seu próprio progresso, uma grande parte do produto da sua riqueza.