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22 DE ABRIL DE 1952 793

Em face destes números, e mostrando as contas que à cobertura de despesas orçamentais foram aplicados apenas 319:000 contos do produto da venda de títulos, é natural inquirir: para onde foram os restantes milhares de contos produto dos empréstimos feitos?
Poderá a Assembleia aceitar a legitimidade dos encargos que por virtude desses empréstimos derivaram para as despesas gerais ?
Vou mostrar a VV. Ex. que não estamos em face de contas do Estado erradas, mas apenas em face de uma deficiência de clareza, justificável pela nova técnica de fomento económico instalada pela criação do Fundo de Fomento Nacional.
Antes de mais, o seguinte esclarecimento doutrinal. A experiência administrativa e financeira dos últimos anos diz-nos que o recurso ao crédito público não tem apenas por finalidade a cobertura de despesas orçamentais.
Assim, pode o Tesouro recorrer ao crédito público como simples meio de defesa da moeda e dos preços, fazendo recolher os excessos dê capitais imobilizados, e deste recurso lançou mão o Governo durante a guerra, chegando a amealhar, em operações de tesouraria, mais de 3 milhões de contos.
Pode ainda o Tesouro recorrer ao crédito público como meio de activar a circulação deste, ou para intensificar a comparticipação em empreendimentos de interesse nacional através de financiamentos reembolsáveis a curto prazo.
Podemos hoje considerar três formas especiais de actividade fomentadora exercidas pelo Estado:
Financiamentos feitos pelo capital particular com simples garantia ou aval do Estado, de que resulta uma responsabilidade meramente subsidiária, que só virá a tornar-se efectiva se a empresa deixar de honrar os seus compromissos. O Tribunal de Contas menciona e considera dentro desta espécie, por exemplo, o financiamento feito à Companhia das Águas e à Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal, nos quais o Estado tem apenas responsabilidade de aval;
Temos a seguir financiamentos de fomento directo, ou investimentos do Tesouro em empresas de interesse nacional consideradas reprodutivas ou susceptíveis de aumentar a riqueza nacional;
Finalmente, os financiamentos de fomento indirecto, realizados através do Fundo de Fomento Nacional, cuja actividade principiou, como já disse, na gerência de 1950.
Este Fundo está autorizado a fazer financiamentos a determinadas empresas ou realizações de reconhecido interesse nacional.
Estes financiamentos são reembolsáveis a curtos prazos e têm como garantia os valores que se destinam a favorecer; em representação das operações realizadas pelo Fundo de Fomento Nacional, podem ser emitidos empréstimos de divida pública, também amortizáveis a curto prazo e cujo ritmo de amortização corresponde ao ritmo de reembolso dos financiamentos feitos pelo Fundo às empresas. Tal é a técnica instalada.
Para abastecer o Fundo de Fomento Nacional o Tesouro recorreu, durante a gerência de 1950, além das operações de crédito externo americano, ao empréstimo interno de 3 4/2 por cento, por cujos encargos respondem, nos termos do Decreto-Lei n.º 37:827, de 19 de Maio de 1950, que o autorizou, as operações realizadas pelo Fundo de Fomento Nacional, em cuja representação foi emitido.
Postos estes esclarecimentos, podemos já responder à pergunta: para onde foram os milhares de contos produto dos empréstimos emitidos durante a gerência de 1950?
As operações referentes ao crédito externo americano e o empréstimo de 3 1/2 por cento foram para o Fundo de Fomento Nacional. As duas séries do empréstimo da marinha mercante, para abastecimento do respectivo Fundo, criado em 1946. Convém ainda esclarecer que as operações deste Fundo foram mandadas incorporar no Fundo de Fomento Nacional pelo decreto que criou este último.
Parece, no entanto, não ser possível deixar de figurar de futuro no relatório das contas públicas a destrinça destas várias espécies de responsabilidades assumidas pelo Tesouro; e bem assim um relatório da actividade do Fundo de Fomento Nacional, que deverá considerar-se entre os elementos de apreciação das contas públicas referidos no n.º 3.º do artigo 91.º da Constituição.
Dadas estas explicações, VV. Ex.ª poderão agora compreender e apreciar mais facilmente a dúvida levantada no relatório do Tribunal de Contas referente ao empréstimo da marinha mercante.
Segundo o relatório do Tribunal de Contas, este empréstimo não é dívida pública efectiva, mas divida contraída por terceiro com simples aval do Estado. E diz-nos mais que este empréstimo não deverá mesmo considerar-se dívida, mas simples investimento do Tesouro, porque, em vez de dar lugar a uma entrada de fundos, deu antes lugar a uma saída (ut fl. 2021).
Quem ler este extenso passo do relatório poderá supor que se trata apenas de uma divergência doutrinal, entre a Junta do Crédito Público e o Tribunal de Contas. Se esta suposição correspondesse à realidade, não me sentiria muito à vontade para versar o assunto nesta tribuna. Estariam, nesse caso, em causa as minhas responsabilidades de presidente da Junta, e estas a outros melhor pertenceria apreciá-las e julgá-las.
Não é esta porém a posição de facto.
É certo que a Junta do Crédito Público manteve até 1948 o critério de que realmente se tratava de um empréstimo feito por terceiros com o aval do Estado; mas, estudando melhor os decretos que lhe respeitam e a respectiva obrigação geral, chegou II conclusão de que se tratava de verdadeira dívida pública e, conformando-se com o velho aforismo sapientis est mutare consilio, mudou de critério e no seu relatório de 1949, enviado a esta Assembleia, expôs as razões por que o fazia.
A Comissão de Contas da Assembleia Nacional de que não tenho a honra de fazer parte, estudando a questão, convenceu-se também de que era razoável essa mudança de critério, e assim o propôs nas conclusões submetidas à aprovação desta Assembleia e por ela aprovadas em 30 de Abril do ano passado.
Portanto, neste momento, a posição real é esta: o critério defendido pelo douto Tribunal no seu relatório não é uma divergência com a Junta do Crédito Público, mas uma divergência com uma resolução da Assembleia e até com o próprio relatório de S. Ex.ª o Ministro das Finanças, que, como VV. Ex. poderão verificar a p. 21 desse relatório, mandou incluir, entre o nominal da dívida efectiva do Estado, para maior segurança diz-se em nota, o valor das emissões do empréstimo da marinha mercante, que anda à roda de 500:000 contos nas várias séries emitidas até hoje.
Mas, embora esta seja a posição real, como pode dizer-se que o Tribunal de Contas, ao insistir no assunto, quis apelar de uma Assembleia pouco informada para uma melhor informada, julgo conveniente dar um esclarecimento a VV. Ex. sobre a origem histórica da dúvida e sobre a insubsistência, que se me afigura manifesta, das alegações feitas pelo douto Tribunal:
Vejamos o aspecto da origem histórica da dúvida.
Em 24 de Setembro de 1946 foi criado o Fundo de Renovação da Marinha Mercante, que constituiu a primeira experiência prática da nova técnica de financiamentos indirectos.