29 DE OUTUBRO DE 1952 865
isso deixa de julgar que da um problema de duplo aspecto, material e psicológico, a estudar.
Realmente o governador de província, representando o poder civil em nível não comparável ao dos governadores civis metropolitanos, tendo jurisdição e poderes que as bases não destroem, aparece em caso de operações em situação ambígua, obscura, que não parece fácil ignorar, e pode conduzir a complicações e atritos que convém evitar e se augura útil defrontar desde já.
As operações militares executam-se para cumprimento de uma missão imposta pelo Governo, missão que pode sofrer adaptações conforme o decorrer daquelas, e missões que necessitam da cooperação e decidida boa vontade dos diversos serviços civis. Por outro lado, em teatros de guerra distantes é óbvia a dificuldade de, a milhares de quilómetros, o Governo do País ir regulando as relações de pormenor entre as autoridades civis e militares à medida que as adaptações referidas as imponham, por falta de ambiente local, que inclui desde as condições especiais topográficas e a hostilidade do meio físico, até à particularidade da psicologia das populações, factores cujo pormenor ou sensibilidade bem podem escapar no seu valor se apreciados e tratados de tão longe e por autoridades políticas quantas vezes desconhecedoras por completo desse ambiente.
Finalmente seria forçar as qualidades do povo português, pertencente ao ramo de cultura e história de tipo latino, atribuir-lhe predisposição para a cooperação, que na verdade não está no substracto dos nossos métodos educativos, escolares, políticos ou sociais.
Ao contrário, parece mais fácil descortinar a tendência para o compartimento estanque entre as diversas partes do Estado, o desejo, se não a necessidade, da especificação clara de hierarquia e do poder do mando e, portanto, da subordinação.
Nestas condições tenta aplicar-se o exposto aos dois casos extremos referidos.
Suponha-se, pois, o caso de operações limitadas, tipo de polícia ou de pequeno conflito de fronteira.
O comandante militar agirá segundo directivas, ordens ou instruções iniciais do Governo metropolitano.
Nos termos actuais há independência total dos comandos em relação ao governador da província.
A Câmara, como se disse, sem impugnar o princípio geral, pergunta, porém, se na prática será possível prever a questão com tal simplicidade.
Não haverá, além da necessária cooperação dos serviços civis - mão-de-obra, instalações, víveres, etc. -, tão dependentes do governo da província, factores de política local indígena ou de outra ordem a pesar na execução de pormenor de operações? Não poderia descortinar-se aqui a necessidade de as directrizes para as operações passarem, por via do governador, concertadas previamente pelo Governo na capital do País?
Não se trata de subordinação, mas de uma operação de coordenação superiormente delineada. Ter um poder civil e um poder militar que se desconhecem em caso de guerra ou só se conhecem para o segundo requisitar ao primeiro o que necessitar, parece ser fórmula demasiado simplista para correr sem atrito a milhares de quilómetros de distância do Poder Central.
Considere-se a outra hipótese: operações de grande envergadura, envolvendo mobilização geral ou muito extensa e praticamente todo o território ou grande parte dele. Não parece de prever que, como já sucedeu em campanhas ultramarinas nossas, o comando militar coincida com as funções de governador da província, dada a grande ligação entre as operações, os serviços, a ordem pública e a sua repercussão na vida social das populações?
Quer dizer: a Câmara nem pretende que em tempo de guerra automaticamente o comando militar tome conta do governo da província (extensão da base V da Lei de 31 de Junho de 1926), nem tão-pouco fazer reviver doutrina morta pelo artigo 11.º do Decreto n.º 37:542, de 2 de Setembro de 1949, que tirou aos governadores de província a superintendência das operações, revogando o artigo 34.º da Carta Orgânica e a base II da Lei de 31 de Junho de 1926.
Não. Trata-se apenas de, sem ferir o princípio de independência das forças militares, ou, melhor, da sua dependência directa dos Ministérios militares, analisar praticamente problemas que existem - até em operações que se dêem em regiões europeias -, onde, aliás, se prevê a zona do interior dependente do Governo, e a zona de operações sob a jurisdição do comandante-chefe; e onde o Governo, órgão colegial fácil de reunir, pode tomar decisões que obriguem os poderes civil e militar, dispondo para o efeito de um conhecimento bem mais pormenorizado de factores do que terá no caso de operações ultramarinas.
O facto de a própria secção de Defesa Nacional, apesar de naturalmente ser inclinada para a maior independência possível dos comandos militares em tempo de guerra, levantar um assunto deste género, ao qual a lei não faz referência, parece de per si ser prova da existência de matéria merecedora de atenção.
De resto há um problema, pelo menos psicológico, que não escapou ao Governo quando na base V diz que os governadores ultramarinos devem ser ouvidos para a nomeação dos comandantes militares, a despeito da completa independência destes em relação àqueles, e de, na metrópole, nunca ser ouvido um governador civil para a colocação de um comandante militar.
A existência do problema surge ainda quando no § 3.º artigo 4.º do Decreto n.º 37:542 se prevê que os comandantes militares informem os governadores, em certos casos por relatório escrito, de assuntos referentes às forças armadas.
A base VI nada traz para a matéria em análise e a base III refere-se apenas à dependência dos comandantes militares, do Ministério do Exército, para efeito de «instrução, administração e disciplina». Não há uma palavra a respeito de emprego das tropas.
Em resumo: percorrendo a proposta de lei, não se encontra outra referência ao problema ora levantado, que, portanto, parece viver apenas do estabelecido na já citada base IX da Lei n.º 2:051, de 15 de Janeiro de 1952.
Oportunamente, pois, na apreciação na especialidade a Câmara proporá alterações no texto, que, sem ferirem o princípio estabelecido, tomem o exposto em conta.
6. 2.º PONTO - Aumento quase geral para as províncias ultramarinas das unidades de tempo de paz. - Propriamente à questão do número de unidades, a Câmara referir-se-á mais adiante. Antes, porém, julga merecer análise um ponto de vista geral, isto é, não especificamente ultramarino.
obviamente que a Câmara compreende não ser fácil aplicar ao País, e muito menos o seria em curto prazo, um sistema militar pelo qual o quadro permanente de oficiais e sargentos fosse levado a um tipo menos pesado, susceptível de reduzir a percentagem de gastos com o pessoal.
Logo surgem factores que se não compadecem com o esquecimento das realidades práticas ligados, por um lado, a direitos ou legítimas ambições e, por outro, a certo espírito de rotina inerente aos exércitos e como que uma excrescência natural das suas tradições, factor tão importante na paz e na guerra.
No entanto a Câmara tem dúvidas sobre se existirá apreciável proporcionalidade entre a eficiência de um exército em tempo de guerra e o número de altos postos