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866 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 158

do quadro permanente em tempo de paz. De outra forma: a Câmara tem dúvidas sobre se não haverá tendência para exagerar a necessidade de postos em tempo de paz, com base em que são necessários em tempo de guerra.
Esta tendência pode levar a que na paz existam funções ou postos cujas atribuições umas vezes pão mal definidas, outras reduzidas a estação intermédia de simples passagem ou informação de documentos ou assuntos que nela não podem ser resolvidos, criando situações que não estão realmente à altura do posto de quem exerce a função, nem exigirão o preenchimento pleno do tempo do horário normal de serviço.
Em suma: postos haverá com grandes funções em tempo de guerra e muito limitadas em tempo de paz, e a tal ponto que bem pode supor-se ser preferível a imediata promoção em tempo de guerra de um oficial que esteja habituado a comandar realmente tropas, embora em posto menor, à existência já do oficial com posto superior, mas anquilosado por anos de função nesse posto por na paz só exercer funções como as que atrás ficaram descritas.
Postas estas premissas do pensamento, a Câmara, sem pretensões de tocar no fundo da questão, para o que aliás se não oferecia ocasião, pretende, contudo, emitir desde já opinião de que, em particular perante a realidade dos orçamentos, se deve ter cuidado na passagem para sistema que, prevendo mais comandos de postos altos e respectivos elementos de comando e estados-maiores, vá criar núcleos absorventes dos reduzidos fundos militares disponíveis em detrimento daqueles órgãos inferiores ou postos mais baixos donde se espera o dinamismo sensível, e cujas funções são de directo contacto com a instrução e a preparação das tropas.
Quanto pròpriamente às unidades previstas, não dispõe a Câmara de boa parte dos elementos objectivos e subjectivos que de base haverão servido para a sua fixação - hipóteses mais prováveis de guerra, efectivos a mobilizar, tempo útil a prover para a mobilização, etc. -, mas, havendo que pronunciar-se sobre elas, dirá que, a despeito dessa falta de elementos, na generalidade lhes dá o seu acordo, com base em que se por um lado a orgânica prescrita é grande para as possibilidades orçamentais, por outro não excederá aquele mínimo que garantirá a soberania de presença, instrução e outras funções de preparação para a guerra, ainda que se olhe só às extensões territoriais e massas de população. Aliás, até em países cujas necessidades de soberania com frequência exigiram o emprego das armas com maior actividade que entre nós por vezes a fixação do número de unidades assentou mais num critério subjectivo, quando não na tradição ou até na rotina.
Cita-se, a reforçar o dito, o caso de um oficial general que um dia no Staff College pergunta em discurso público porque 4 que a organização da paz estabelecia seis divisões para o exército inglês, e afirma que não havia nenhuma outra base senão a de em tempos recuados, numa situação de emergência, reunindo-se todas as unidades disponíveis, não se ter conseguido formar mais do que aquele número de grandes unidades.
A sua pergunta respondia ele próprio com o magnífico sense of humour britânico: «Nobody knows; nobody cares» - ninguém sabe, nem ninguém se importa.
Uma das tendências correntes é a de calcular as necessidades em unidades na paz fundamentalmente por um critério geofísico ou geo-estratégico - unidades sobre nós de comunicações principais, seja a cavaleiro das linhas de invasão, seja guarnecendo os principais objectivos de marcha ou de teatro de operações.
De qualquer maneira com frequência se não ,definem nos documentos as razões pormenorizadas que levam à fixação do número e distribuição de unidades e assim também sucede no relatório da missão militar às colónias, que, ao indicar a localização dos batalhões previstos, deixa a impressão de que foi fundamentalmente o referido critério geográfico o que pesou.
A Câmara, reconhecendo que este factor, em particular quando se trata de cobertura de fronteiras, tem um valor apreciável no conjunto dos factores a pesar - por convir que em dias ou horas, em certos pontos fronteiriços, as tropas permanentes, reforçadas tão depressa quanto possível com elementos na disponibilidade, possam logo acusar a sua presença de soberania -, considera-o de menor importância quando se trata do estudo do conjunto das grandes áreas territoriais.
Neste caso, critérios fundamentais parecem ser, além de outros e dos citados concernentes à cobertura:

a) Necessidade de garantir instrução eficiente dos contingentes a incorporar e que devem ser calculados para as necessidades da guerra nas hipóteses mais prováveis;
b) Um mínimo de pessoal permanente que garanta essa instrução, possivelmente reforçado com milicianos que necessitem de tempo de serviço nas fileiras, e assegure o enquadramento rápido dos efectivos a mobilizar, contando com os graduados e oficiais do complemento a obter in loco (incluindo os funcionários da administração civil, conforme se prevê na Reforma Administrativa Ultramarina), além dos oficiais a transportar rapidamente, seja da metrópole, seja de outras colónias, o que hoje está facilitado com a existência da via aérea, capaz de os levar aos antípodas em três dias de viagem;
c) Dispersão de aquartelamentos, e portanto de unidades, facilitando a dita acção de soberania e presença, bem como as operações de recrutamento, mobilização e concentração sobre as prováveis linhas de invasão.

Não julga pois a Câmara que as unidades de paz hajam de corresponder ao necessário para a defesa, cuja potência aliás terá de ser propocional aos efectivos do provável atacante, bem como não julga indispensável que em particular todos os altos postos e estados-maiores de campanha estejam completos desde tempo de paz.
Dir-se-á ainda que as províncias ultramarinas portuguesas apresentam diversidade tal de localização, de extensão, de população e de perigo latente de cobiça e invasão, que logo surge a dificuldade de estabelecer critérios rígidos, uniformes, para fixar o número e qualidade das unidades de tempo de paz, bem como a sua localização.
Finalmente a Câmara, embora emita o sen parecer por uma secção de Defesa Nacional, não deixa de aflorar as possíveis dificuldades orçamentais ultramarinas para implantar mesmo um programa modesto de reorganização militar.
Dum lado, se a massa de recrutamento ultramarino poderá garantir a sua execução, com excepção das províncias de Macau e, talvez, S. Tomé e Príncipe, parece optimismo prever a defesa sempre e só com os recursos de cada província.
Doutro lado, a reorganização para o orçamento de algumas ou todas as províncias apresentará dificuldades sérias.
Assim a Câmara não incorrerá em grande erro ao supor que a situação deste ponto de vista se deve apresentar sensivelmente como segue.