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13 DE NOVEMBRO DE 1952 951

artigo 150.º, n.º 1.º), há-de ser muito menos ambicioso do que o foi o legislador de 1933.
Em 1933, ao redigir-se a Carta Orgânica, foi-se dominado pelo ideal da uniformidade administrativa do Império. O legislador considerou que não havia razão para admitir antagonismos ou diferenças substanciais entre os sistemas político-administrativos de cada uma das colónias portuguesas. Salvas especialidades de mero pormenor, uma só lei deveria reger o governo e a administração de todo o Império. Tal teria de se considerar, aliás - pensava-se -, a resultante da concepção de um império uno e solidário, nos limites do qual o exercício plurissecular da nossa soberania e a prática invariável dos nossos específicos métodos de colonização teriam conduzido à formação de um condicionalismo propício a uma orgânica político-administrativa uniforme. Pode ver-se a apologia eloquente, destas ideias, por exemplo, no relatório do Decreto n.º 26:180, de 7 de Janeiro de 1936, que reorganizou os serviços do Ministério das Colónias.
Tinha-se, aliás, presente a circunstância de que a história mais recente da administração ultramarina militava no sentido da comunidade da forma de governo e administração das colónias. Fixadas, na verdade, em 1914 e em 1920, as bases da administração civil e financeira das províncias ultramarinas, veio a verificar-se que as cartas orgânicas sucessivamente elaboradas para cada uma delas em muito pouco diferiam umas das outras. Era patente que o mesmo ou sensivelmente o mesmo resultado se conseguiria facilmente com um texto único em que, nos lugares próprios, se inserissem os preceitos necessários à contemplação das especialidades de organização de cada uma das províncias ultramarinas. Por este caminho se julgou, deste modo, autorizado a enveredar o legislador da Carta Orgânica, em 1933.
Perante um preceito como o do artigo 134.º da Constituição vigente, continuam a oferecer-se ao legislador ordinário duas possibilidades, ao traçar o regime geral de governo das províncias ultramarinas: elaborar um texto único e pormenorizado, no qual se consignem, nos lugares próprios, as disposições requeridas pelas especiais condições de cada território; ou estabelecer, em primeiro lugar, as bases de que conste apenas o que de comum se possa dispor uniformemente para todos os governos ultramarinos, reservando para diplomas especiais a cada um deles a regulamentação complementar do quê, em matéria de organização político-administrativa, particularmente seja requerido pela situação geográfica e pelas condições do meio social.
A primeira orientação seria naturalmente perfilhada por um legislador que, apesar de tudo, continuasse a acreditar na conveniência da uniformização, da simetria político-administrativa à outrance, e só constrangido aceitasse a pluralidade da legislação colonial neste domínio, que para ele importaria quebra dos laços de solidariedade imperial entre os vários territórios.
A outra orientação, adoptada no projecto de proposta de lei em exame, não só não dá relevo às consequências de desagregação imperial, pretensamente ligadas ao sistema da pluralidade de legislação, como destaca, pelo contrário, a conveniência de o regime geral de governo ultramarino consistir apenas em directrizes ou cânones esquemáticos, convenientes e adequados a todas as províncias sem distinção, tendo-se em conta que são muito diversas as condições económicas, étnicas, sociais e culturais e o meio geográfico de cada um desses territórios. Uma organização político-administrativa uniforme há-de sempre constituir um colete de forças para todas ou para algumas das províncias ultramarinas. Não pode equiparar-se integralmente, por exemplo, a organização que convém a Angola à que convém a Macau ou a que convém a S. Tomé à que deve servir para o Estado da índia. Temos províncias insulares e províncias continentais, temos grandes e temos pequenos territórios, temos províncias densamente povoadas e províncias de fraca densidade de população, temos províncias relativamente próximas da metrópole e províncias longínquas, temos províncias de população ètnicamente a bem dizer homogénea e províncias de população mista, temos terras civilizadas e terras só restritamente civilizadas, temos territórios economicamente progressivos e territórios atrasados. Temos, em suma, um pouco de tudo. Só com prejuízo para a eficiência dos serviços e para os interesses das populações se pode levar longe o princípio da uniformidade, do padrão único político-administrativo ...
Acresce, aliás, ainda que o legislador actual não está nas mesmas condições em que se encontrou o legislador de 1933. O legislador da Carta Orgânica não foi a Assembleia Nacional: foi o próprio Governo. Compreende-se que tenha ido além das simples bases gerais e alcançado o domínio da regulamentação propriamente dita, tanto mais quanto é certo que se deu oportunidade à I Conferência dos Governadores Coloniais de estudar previamente o projecto da Carta Orgânica e de fazer ao Governo sugestões práticas no domínio, quer das grandes linhas de orientação, quer, sobretudo, dos pormenores da organização. Desta vez, pelo contrário, é a Assembleia Nacional que, no uso da competência que lhe está constitucionalmente reservada, vai legislar sobre o regime geral de governo das províncias ultramarinas; e à Assembleia Nacional cabe naturalmente apenas, por força da sua própria índole e composição, aprovar as bases gerais desse regime geral de governo. Sem desprimor para este órgão da soberania, pode dizer-se ainda hoje que «os parlamentos não dispõem de tempo nem se acham à vontade nos assuntos coloniais, estranhos à maioria dos seus membros». Está em melhores condições para regular os pormenores da organização administrativa de cada província, pela sua presumida especialização no conhecimento dos problemas ultramarinos, o Ministro do Ultramar, a quem, portanto, logicamente, o projecto atribui competência para decretar a legislação complementar do regime geral aprovado pela Assembleia Nacional, designadamente para elaborar o que no projecto se chama o a estatuto político-administrativo» de cada província.
O Ministro deverá naturalmente conter-se nos limites do regime geral de governo votado pela Assembleia Nacional, ao legislar, para todas as províncias, além do mais sobre o seu regime administrativo geral (correspondente à actual Reforma Administrativa Ultramarina), sobre a organização geral dos serviços públicos ultramarinos, e ao legislar, por último, em relação a cada uma delas, sobre o seu «estatuto político-administrativo ».
A orientação do projecto não contradiz, no modo de ver da Câmara Corporativa, nenhum dos princípios tradicionais da administração ultramarina portuguesa. Desde cedo, no século passado, se sentiu a conveniência de especializar a administração de cada território ultramarino. Deve considerar-se uma tentativa nesse sentido o Código Administrativo das províncias ultramarinas de 1881, da autoria de Júlio de Vilhena, que pretendeu ser «lei geral para o ultramar», mas «sofreria as modificações reclamadas pelas circunstâncias especiais de cada província». Deste modo, «o projecto ficaria constituindo o código-tipo das províncias ultramarinas. No decreto orgânico de cada província seriam feitas as referências ao mesmo código, pondo em vigor com as alterações convenientes as disposições acomodadas ao estado de civilização de cada uma». «O novo código traçou o círculo em que teria de mover-se a administração