DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 163 952
do ultramar. Dentro do seu vasto perímetro cada província constituiria uma entidade especial com mais ou menos faculdades, conforme as suas condições peculiares».
A reorganização administrativa de Moçambique, de 1907 (Aires de Orneias), constituiu, por seu turno, e essa efectivamente, uma espécie de decreto ou estatuto orgânico da província, o qual, embora moldado nos princípios da Carta Orgânica de 1869 (Rebelo da Silva), lhe introduziu as modificações requeridas pelas condições especiais dessa província da África Oriental.
E foi esta a orientação das leis orgânicas de 1914, 1920, 1926 e 1928. A sua execução é que terá sido deficiente a ponto de ter justificado a orientação uni formizadora do legislador da Carta Orgânica do Império Colonial Português.
Ora a Câmara sabe de um certo mal-estar político subsistente numa ou noutra província, das críticas e representações que de certa ou certas delas intermitentemente têm partido, originadas no sistema de governo e de administração talhado uniformemente para todas, o qual, se quadra com as condições de algumas, é mais ou menos inadequado para essas outras ...
Poderia pensar-se em resolver o problema assim suscitado abrindo ao sistema de 1933 uma que outra excepção e deixando-o em vigor para as restantes províncias. E não faltará quem pense que este seria politicamente o caminho mais aconselhável.
A Câmara concorda, porém, com a orientação do Governo, expressa no projecto em exame, em nome, que mais não seja, da ideia de igualdade. Assim como a metrópole tem a sua organização político-administrativa própria (e como, dentro dela, a têm, outrossim, de certo modo, as ilhas adjacentes), inspirada no condicionalismo que lhe é especial, tenham-na também todos e cada um dos territórios, todas e cada uma das províncias do ultramar português, inspirada por seu turno nas condições específicas respectivas. Não deve haver províncias ultramarinas que vivam à sombra de um estatuto excepcional. Que vivam, sim, simultaneamente de acordo com o regime geral de governo de todas elas e com o seu próprio estatuto.
Assim, de resto, se evita que quanto fosse excepcionalmente concedido só a uma viesse sucessivamente a ser reclamado ou exigido por qualquer das restantes províncias de além-mar.
O projecto tem, pois, além do mais, toda a oportunidade política.
E designadamente no capítulo respeitante à constituição, funcionamento e atribuições dos seus órgãos colegiais de governo e no das atribuições «dos governadores que mais razão haverá para individualizar a organizarão político-administrativa de cada província, por bastante dever depender das suas respectivas condições particulares.
O Decreto n.º 7:008, de 20 de Outubro de 1920, foi a primeira das leis orgânicas do ultramar a enunciar as matérias que exclusivamente deveriam fazer parte das cartas orgânicas coloniais, e já dele constava que estas definiriam, além do mais, a competência do governador e a competência, atribuições e exercício de funções do Conselho Executivo e Legislativo. Orientação idêntica adoptou o legislador de 1926.
Todo o acerto da orientação legislativa agora restaurada dependerá, porém, em último termo, da execução que se venha a dar ao regime geral projectado. O estatuto de cada província não é obra para ser rapidamente feita em Lisboa. Requer, como aliás se prevê, o parecer do Conselho Ultramarino e a audição dos órgãos legislativos de cada província. Nada de os decalcar uns nos outros, como no passado se fez, a ponto de se desacreditar o regime da especialização das cartas orgânicas coloniais.
2. No projecto do proposta de lei dá particularmente nas vistas a instituição, nas províncias de governo-geral, de conselhos legislativos de constituição electiva e de atribuições deliberativas no domínio da legislação local. Teremos, assim, de certo modo, ultrapassada, neste campo, e quanto a estas províncias, a própria orientação adoptada pela primeira legislação republicana e perfilhada até ao Acto Colonial e à Carta Orgânica do Império.
Que pensar da posição tomada pelo projecto neste ponto?
Note-se preliminarmente que a Constituição não a prescreve nem a veda. No artigo 151.º prevê-se apenas a possibilidade de a lei orgânica do ultramar consagrar mais do que um órgão legislativo local. Nada, pois, impediria o legislador ordinário de manter, para o Estado da índia, Angola e Moçambique, o sistema vigente, em que os conselhos locais de governo têm funções apenas consultivas, embora o seu voto se deva, em princípio, considerar vinculante para o governador, quando este exerce a sua competência legislativa.
Considere-se, porém, que o legislador do Acto Colonial e da Carta Orgânica regressou ao sistema clássico dos Conselhos de Governo do tempo da Monarquia, de funções meramente consultivas, para não continuar ingenuamente apegado ao equívoco de supor a existência de elites sociais e económicas locais que realmente estavam ainda longe de existir, e com o objectivo de, por meio de uma disciplina centralizadora, corrigir os alegados desvios e reparar os patentes erros da administração colonial do vinténio anterior, decorrentes do facto de o Terreiro do Paço, instituída em cada território lata autonomia administrativa, financeira e legislativa, se ter dispensado de fiscalizar a administração das colónias e de superintender nela na medida adequada. A sombra do sistema do Acto Colonial e da Carta Orgânica se realizou uma obra ingente de recuperação e de progresso administrativo, financeiro, económico, político e social em todas as províncias ultramarinas e particularmente naqueles três territórios. Decorridos vinte anos sobre a vigência da Carta Orgânica, esses territórios portugueses de além-mar adquiriram nova vitalidade económica e social. Angola, por exemplo, é hoje o centro de consideráveis interesses económicos e viu multiplicada a sua população branca e civilizada, que incorpora elites e valores sociais do nível dos metropolitanos. O mesmo, ou sensivelmente o mesmo, se passa com Moçambique. O Estado da índia conhece a prosperidade económica e financeira, além de que possui desenvolvimento cultural e civilização que o colocam sensivelmente a par dos outros territórios nacionais mais adiantados.
Há, pois, que dar atenção às transformações operadas, justamente, em boa medida, por força das disciplinas impostas à administração ultramarina pelo Acto Colonial e pela Carta Orgânica. Há que dar acrescida audiência aos interesses e à opinião local, através de adequada representação nos órgãos de governo de cada território. A isso visa o projecto ao dar constituição electiva e ao atribuir funções deliberativas, no domínio legislativo, aos conselhos legislativos das províncias de governo-geral, nos termos que adiante, na especialidade, se analisarão.
E não se tema que sejamos assim lançados no plano inclinado que conduz à autonomia, ao self-government colonial, o passo que lógica e historicamente antecede a independência política integral, a plena «descolonização». Não se tema que, sem darmos por isso, vamos alinhar as nossas terras ultramarinas na procissão cons-