964 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 163
nos ultramarinos, confiando-o ao Tribunal de Contas (Constituição, artigos 91.º, n.º 3.º, e 171.º).
De sorte que hoje se pode rigorosamente dizer, como no preceito se diz, que o Tribunal de Contas tem jurisdição no ultramar.
c) Corresponde literalmente ao artigo 193.º, alínea b), da Carta Orgânica.
II - A Câmara já expressou atrás a sua relutância em admitir que o Supremo Tribunal Administrativo absorva a actual competência do Conselho Ultramarino. Impõe-se, pois, modificar este preceito, colocando o Conselho no lugar do Supremo Tribunal e omitindo a alínea a).
III - Decorre este preceito do que acima se disse sobre a extensão da jurisdição do Tribunal de Contas em face do direito vigente. Crê-se que se deve aludir também na alínea a) às funções de consulta do Tribunal de Contas, e não apenas às de exame e visto.
IV - Combinando o disposto no artigo 195.º da Carta Orgânica com o disposto nos artigos 661.º e seguintes da Reforma Administrativa Ultramarina e aproximando estes textos do que no projecto se propõe em matéria de competência dos tribunais administrativos ultramarinos, verifica-se que se está substancialmente de acordo com este, salvo leves diferenças de redacção.
ARTIGO 27.º
30. O artigo 123 º da Constituição tem sido invariavelmente entendido no sentido de que os tribunais - todos os tribunais, ordinários ou especiais- têm competência para apreciar, oficiosamente ou em seguida a recurso indirecto, da constitucionalidade ou inconstitucionalidade material, substancial ou intrínseca das normas jurídicas, tendo a sua decisão neste domínio eficácia restrita ao pleito em que for proferida.
A Constituição não consigna, no título respeitante ao ultramar, qualquer preceito que altere, nesta matéria, a competência dos tribunais com jurisdição nas províncias ultramarinas. Nesse título só se refere à inconstitucionalidade orgânica (artigo 150.º, § 3.º), aliás para confirmar o disposto no § único do artigo 123.º
De sorte que se nos impõe considerar as disposições do artigo 123.º e do seu § único da Constituição como de direito comum à metrópole e ao ultramar.
Nenhuma dúvida se tem suscitado quanto à aplicação desse § único a todo o território nacional. O § 1.º do artigo 199.º da Carta Orgânica reprodu-lo praticamente, e parece que a nova lei orgânica o deve, pois, transcrever. Não se ignora que o prestígio dos governadores é afectado de todas as vezes que os diplomas legislativos locais organicamente inconstitucionais são anulados pêlos tribunais das províncias ultramarinas, como realmente o podem ser, em consequência de não serem promulgados pelo Presidente da República. Ë o que sucede quando os órgãos legislativos locais invadem a competência da Assembleia ou do Governo (não, porém, quando invadem a competência legislativa do Ministro, caso em que tem lugar mera ilegalidade, sujeita a sanção hierárquica, que se traduz em anulação pelo Ministro do Ultramar). Trata-se de hipótese relativamente frequente. Conviria submetê-la a regime idêntico ao que a Carta Orgânica reserva para a inconstitucionalidade material - mas o certo é que a Constituição não autoriza a consagração deste sistema e a Câmara não tem coragem para propor solução que dela se afaste.
Pelo que diz respeito à inconstitucionalidade material, o legislador da Carta Orgânica tomou precauções destinadas a salvaguardar o prestígio dos governadores. Precauções exageradas, diga-se de passagem, porque são raríssimos os casos em que a alegação da inconstitucionalidade intrínseca pode verosìmilmente triunfar, e, em todo o caso, precauções que mal se podem considerar conformes com a Constituição. Na verdade, a Carta Orgânica não se cingiu estritamente à letra e à doutrina do artigo 123.º e, depois de o ter transcrito, já com certa modificação menos feliz, no corpo do seu artigo 199.º, acrescentou-lhe três parágrafos, o 2.º, o 3.º e o 4.º desse artigo, que dificilmente se pode pretender estarem de acordo com a doutrina fixada naquela disposição constitucional.
Na verdade, enquanto a Constituição confere a todos os tribunais competência para não aplicarem a legislação que eles próprios julguem materialmente inconstitucional, os §§ 2.º e 3.º do artigo 199.º da Carta Orgânica retiram-lhes essa competência, para lhes deixarem apenas a de remeterem o incidente ao Conselho Ultramarino e a de proferirem despacho prévio sobre a viabilidade da arguição do vício de inconstitucionalidade, vindo o incidente a ser julgado em definitivo pelo dito Conselho. Aliás, a decisão deste, por força do § 4.º, terá eficácia objectiva ou erga omnes, impondo-se a todos os particulares, autoridades e tribunais. O Conselho Ultramarino funciona, no exercício desta competência, como uma espécie de «tribunal constitucional».
Não se nega que, em princípio e de jure constituendo, convenha, em relação ao ultramar, uma solução deste tipo para garantia da constitucionalidade. Boa parte da legislação ultramarina e dos diplomas regulamentares provém dos órgãos da própria província - e é aconselhável evitar atritos entre os tribunais e as autoridades governativas, cujo prestígio mal se coaduna com a divisão e independência dos poderes ... Simplesmente, repetimos, raras hão-de ser as hipóteses em que os diplomas dos governadores ultramarinos possam ser seriamente arguidos de intrinsecamente inconstitucionais.
Seja como for, a verdade é que a constitucionalidade dos mencionados preceitos da Carta Orgânica é mais que duvidosa, não tendo faltado quem tenha pretendido salvá-la sustentando que a Carta Orgânica não substitui um regime por outro, antes apenas acrescentou um a outro regime. O Conselho, no modo de ver de certos, interviria como órgão de consulta do Ministro do Ultramar, cuja vontade se presume ser idêntica à do seu mais alto corpo consultivo quanto a manter-se ou não o diploma em vigor. Até o momento da decisão do Conselho, os tribunais, incluindo aquele em que o incidente tivesse sido levantado, conservariam o poder de apreciar a constitucionalidade do diploma com inteira liberdade, aplicando-o ou não, conforme o seu critério.
Mas não se vê por que estranha razão teria o legislador da Carta Orgânica duplicado os sistemas de controle da constitucionalidade no que respeita à legislação ultramarina. Esta interpretação não representa mais do que uma forma de interpretação ... revogatória de textos demasiado claros em sentido contrário.
O regime da Carta Orgânica em matéria de fiscalização da constitucionalidade material, como de resto aquele que o projecto procura instituir, é, repete-se, de constitucionalidade duvidosa. A Câmara não se furta, por uma questão de honestidade, a pôr este problema. Depois do que se passa a analisar as soluções agora preconizadas, pressupondo a sua regularidade constitucional.
I - Merece este número, além de retoques de redacção, um reparo de fundo, comum ao número II, de que sucessivamente nos vamos ocupar.
II - O projecto parece partir da ideia de que é contraditório conferir ao Conselho Ultramarino poderes para julgar, com efeitos objectivos, o incidente de inconstitucionalidade. A decisão que se traduza em anu-