13 DE NOVEMBRO DE 1952 965
lar um diploma inconstitucional, em termos de não mais poder ser aplicado por qualquer instância ou tribunal, não seria intrinsecamente um acto jurisdicional: seria um acto legislativo, que, como tal, deve caber nas faculdades do órgão metropolitano normalmente competente para legislar para o ultramar. A decisão do Conselho não deveria, por via disso, ser expressão da sua jurisdição própria: seria um mero parecer a fornecer ao Ministro do Ultramar, que o teria ou não em conta para efeito de anular ou manter o diploma arguido de inconstitucional.
Sem entrar nas questões de saber o que deve entender-se por jurisdição e o que distingue esta, materialmente, da legislação, recordemos apenas as plúrimas formas de jurisdição objectiva de que a teoria geral do direito nos dá conta, designadamente no campo do contencioso administrativo e do trabalho e no campo da justiça constitucional. Seja como for, a escolha da solução a consagrar não está na dependência do partido que seja lícito tomar sobre a natureza do acto jurisdicional e do acto legislativo. Depende tão só de saber se é aconselhável pôr nas mãos do Executivo - e nem mesmo de todo ele, antes só do Ministro do Ultramar - n decisão de problemas de tal transcendência; ou se, pelo contrário, deve optar-se por que a apreciarão definitiva do incidente da inconstitucionalidade deva caber (já que não aos tribunais) a um órgão como o Conselho Ultramarino, que, não obstante as suas ligações com o Executivo, tem neste domínio independência legislativamente assegurada.
Atente-se em que o problema da constitucionalidade material se pode pôr em relação a diplomas emanados de órgãos metropolitanos diferentes do Ministro: não se recomenda que seja este a anular, a título de inconstitucionais, diplomas emanados do Governo ou da Assembleia Nacional, até porque sempre teria relutância em o fazer. Quanto a ser o Ministro a anular a sua própria legislação arguida de inconstitucional... seria talvez pedir muito à sua objectividade. Tenha-se em conta, para mais, que o problema da inconstitucionalidade pode surgir em pleitos administrativos, nos quais a Administração é parte: confiar nestes casos a decisão do incidente de inconstitucionalidade ao Ministro seria o mesmo que confiar a decisão desses pleitos à própria parte demandada ou recorrida ... Num domínio como o da Administração ultramarina, em que a função legislativa está amplamente atribuída ao Executivo, não faz, pois, sentido fazer dela guarda da constitucionalidade.
O regime perfilhado no projecto não é, pois, em boa verdade, aceitável. Até porque, e por último, em ponto nenhum da Constituição se atribuem ao Governo as funções de fiscal da constitucionalidade das leis e mais diplomas.
III - Em face do que vem de ser observado sobre os números anteriores deste artigo, conclui-se naturalmente pela rejeição deste preceito.
ARTIGOS 28.º E 29.º
31. A Carta Orgânica continha toda uma secção respeitante ao regime preventivo e repressivo dos crimes (artigos 208.º a 212.º), que, feitas as necessárias alterações, convém manter, exceptuando os preceitos sobre delitos de abuso de liberdade de imprensa e limitações da liberdade de entrada e residência nas províncias ultramarinas. O primeiro assunto deve reservar-se para diploma especial e o segundo terá outro lugar na lei orgânica.
Qualquer dos preceitos do projecto sobre o regime preventivo e repressivo dos crimes merece aplauso, feitos, porém, os devidos esclarecimentos que se exprimem nas considerações seguintes, em que se alicerça o texto que é sugerido pela Câmara para substituir o do projecto.
Da unidade da Nação decorre naturalmente o princípio da unidade do sistema penal e prisional. Por isso se propõe que o sistema penal e prisional metropolitano seja estendido ao ultramar.
A circunstância, porém, de esse sistema metropolitano assentar num certo nível de civilização e estado social importa condicionar a sua extensão às províncias ultramarinas pelo nível respectivo das diversas populações.
Propõe-se que a pena de degredo não seja ordenada nem cumprida mais nas províncias ultramarinas. Na verdade, na medida em que ela se traduzia praticamente numa deportação ou envio puro e simples para esses territórios, envolvia o perigo de lançar no seio deles elementos de grave perturbação e corrupção.
Ao encontro desta ideia foi, de resto, já o Decreto n.º 20:877, de 13 de Fevereiro de 1932, retomando-a a Reforma Prisional de 1936, em vigor.
Há, porém, que entender a supressão do degredo apenas com esse significado. Na verdade, dispondo o País de vastos territórios ultramarinos, mal se compreenderia que não fossem aproveitados para neles se organizarem estabelecimentos penais visando os seguintes fins:
a) Maior segregação de delinquentes, designadamente políticos ou comuns de difícil correcção, aos quais naturalmente convém cortar todas as ligações com o meio em que desenvolveram ou podem desenvolver a sua actividade criminosa. Tais delinquentes «degredados» no ultramar estarão sujeitos no resto a um regime inteiramente semelhante ao da metrópole;
b) Maior intimidação relativamente a delinquentes autores de muito graves infracções, pela cumulação de um regime de prisão com o afastamento para regiões remotas;
c) Facilitar a correcção de delinquentes primários ou de todos aqueles cuja criminalidade deriva sobretudo de razões de ambiente (social, moral, económico, etc.), ou seja, do tipo chamado pela criminologia «exógeno», pela criação de condições de regeneração e readaptação a nova vida social.
Estes últimos estabelecimentos serão de tipo predominantemente aberto e têm uma importância tanto maior quanto é certo que se podem e devem integrar em planos de colonização: o trabalho destes criminosos permite o aproveitamento de zonas climàticamente duras ou onde a colonização é incipiente.
Este pensamento de utilizar, com as devidas precauções, delinquentes para aproveitamento e exploração de terrenos incultos e, de um modo geral, para dar os primeiros passos na colonização de certas regiões, é velho na história portuguesa, encontrando tradução inclusive nas Ordenações. Em dias de hoje não deixa de ser especificamente defendido. Ainda recentemente o Prof. Ataliba Nogueira sugeriu esta forma de reacção criminal como processo de colonização interna no Brasil. Um estabelecimento penal com este objectivo está em construção na região de Silva Porto, Angola. Substituirá a colónia do Tarrafal.
Há-de acentuar-se que se trata de estabelecimentos que, na sua estrutura, são fundamentalmente idênticos aos eventualmente criados na metrópole com o mesmo fim.
Decorrida a pena cujo cumprimento tenha lugar nestes estabelecimentos, deve fazer-se, por serviços a determinar, um juízo sobre a possibilidade de os criminosos se poderem integrar, em plena liberdade, na