13 DE NOVEMBRO DE 1952 975
Há até para isso uma certa justificação. É neste capítulo, na verdade, que se trata das bases gerais em que assenta a autonomia financeira das províncias ultramarinas, pela constituição reconhecida no artigo 148.º Ora, em regra, o pressuposto prático da autonomia financeira é a personalidade jurídica. De um ente que tenha autonomia financeira podemos mesmo dizer que tem personalidade financeira.
Diz a Constituição no mencionado artigo 165.º, e diz o projecto no presente artigo, que as províncias ultramarinas são pessoas colectivas de direito público. Isto quer dizer (grosso modo, para não entrarmos em discussão aberta sobre o alcance da personalidade jurídica pública por oposição à personalidade jurídica privada, aqui fora de lugar) que as províncias representadas pelos seus órgãos e agentes têm poderes jurídicos públicos, têm, em suma, competência propriamente dita.
O projecto acrescenta que as províncias «estão incluídas entre as pessoas morais a que se refere o artigo 37.º do Código Civil». Referência despropositada se tem de considerar esta: o artigo 37.º do Código Civil não resolve o problema de saber se as províncias ultramarinas (antigas colónias, a que o artigo expressamente alude) são ou não pessoas morais, pois diz que o Estado, as colónias, as províncias, os concelhos, as freguesias e quaisquer corporações administrativas e fundações ou estabelecimentos de beneficência, bem assim as associações ou instituições das igrejas, são havidas, quanto ao exercício dos direitos civis respectivos, como pessoas morais ou colectivas. O conceito de pessoa moral é antes dado polo artigo 32.º do Código Civil, que as reduz às corporações de direito privado e utilidade pública. Mas outros preceitos alargaram o âmbito da classificação, incluindo nela, entre outros entes, o Estado e as províncias ultramarinas (cf., por exemplo, o artigo 822.º, n.ºs 1.º e ,2.º, do Código de Processo Civil), além de que a doutrina, tendo em conta a razoabilidade de lhes aplicar os preceitos ou, de um modo geral, o regime das clássicas pessoas morais, considera englobadas na classificação todas as pessoas colectivas se direito público e ainda todas as fundações (pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública). Ficam de fora apenas, portanto, as pessoas colectivas de direito privado e utilidade particular ou de fim lucrativo.
Em resumo, portanto, deve o artigo ser amputado da sua segunda parte, por inexacta ou, em todo o caso, por desnecessária.
ARTIGO 54.º
56. Embora com desrespeito pelas exigências do sistema, a Constituição engloba no capítulo VI do título VII da parte II disposições respeitantes à capacidade civil e judiciária das províncias ultramarinas. Daí que, quer a Carta Orgânica, quer o presente projecto, se refiram igualmente a este assunto. A Carta Orgânica fazia-o numa secção sobro «princípios gerais» da administração financeira (artigos 152.º e 153.º). O projecto associa no mesmo preceito -o artigo 54.º- esta matéria à dos direitos patrimoniais, a que, quer a Constituição, quer a Carta Orgânica, se referem em disposições especiais (respectivamente artigos 167.º e 154.º). Convém seguir a tradição e englobar todos estes princípios numa secção sobre os princípios gerais da administração financeira.
ARTIGO 55.º
57. I - As províncias ultramarinas não têm domínio público. Pertencem ao domínio público do Estado os bens enumerados no artigo 49.º da Constituição e «quaisquer outros bens sujeitos por lei ao regime do domínio público» (artigo 49.º, n.º 8.º).
Sendo assim, é natural que a lei regule os poderes que sobre os bens dominiais situados no ultramar cabem aos governos ultramarinos e a outras entidades de direito público. Não necessita isto de ser dito nesta lei orgânica, ao que parece, por ser óbvio.
II - Este preceito é igual e claramente desnecessário.
SECÇÃO II
Receitas públicas
ARTIGO 56.º
58. O projecto traia sucessivamente das receitas públicas e das despesas, para só no fim tratar do orçamento e contabilidade. A Carta Orgânica tratava primeiro dos orçamentos coloniais, depois, e pela ordem, das receitas, das despesas, da contabilidade e da fiscalização. A ordem mais lógica leva-nos a tratar primeiro do orçamento, onde se prevêem as despesas e as receitas, depois das despesas, já que são estas que, dentro de determinados limites, determinam as receitas; em seguida das receitas; logo após da contabilidade; e, finalmente, da fiscalização. Transija-se, porém, na lei com a ordenação tradicional das matérias seguida na Carta Orgânica, nos termos da qual as receitas aparecem antes das despesas. E, aliás, esta a ordenação legal das matérias nos orçamentos ultramarinos e no Orçamento Geral do Estado.
I - O artigo 169.º da Constituição impõe que na lei orgânica do ultramar se estabeleçam as receitas que pertencem às províncias ultramarinas, separadamente ou em comum, bem como as atribuídas à metrópole. É ao que, quanto as primeiras, dá execução este n.º I.
Percorrendo as várias alíneas deste número, verifica-se que alude apenas às receitas efectivas -receitas patrimoniais, taxas e impostos-, esquecendo as chamadas tecnicamente receitas não-efectivas, as receitas provenientes de empréstimos e de outras operações de crédito. Embora no artigo 59.º se disponha sobre elas, há-de fazer-se-lhes, por uma questão de sistema, referência neste lugar.
E note-se, por último, que se omitiu uma disposição em que se diga que serão receitas públicas, próprias das províncias ultramarinas, quaisquer outras importâncias que a lei como tais considere, a exemplo do que sucedia na legislação de 1914 e de 1920: é o caso dos reembolsos, reposições, multas, etc.
a) Trata-se de fórmula sensivelmente igual às que vêm sendo usadas desde 1914;
b) Aqui se englobam todas as receitas provenientes do património provincial, incluindo os rendimentos das explorações directas ou das concessões de serviços de utilidade pública, de feição industrial ou comercial, no número dos quais, como dos mais importantes, se contam estabelecimentos públicos de crédito e de depósito e os institutos de emissão das províncias. Salva, pois, a redacção, o preceito é de aprovar;
c) Se bem que o Estado seja o titular dos bens do domínio público situados no ultramar, as províncias ultramarinas podem ser autorizadas a explorar qualquer das suas parcelas - arrecadando consequentemente as receitas dessas explorações. E pode o Estado autorizá-las a conceder, ou conceder ele mesmo directamente, a exploração de bens dessa espécie, com a obrigação para a província de assumir os encargos da concessão; nesses casos justifica-se perfeitamente que os rendimentos de tais concessões sejam próprios da respectiva província, guardados sempre os termos da lei.
II - Na medida em que existam bens ou serviços comuns das províncias ultramarinas, comuns deverão ser naturalmente os seus rendimentos. Em termos idênticos, na medida em que legalmente se constituam fun-