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6 DE DEZEMBRO DE 1952 183

verdade, demasiadamente parcimonioso, e creio que não encara a lavoura portuguesa na sua verdadeira medida como factor principal da nossa riqueza e como a nossa mais viva realidade económica.
Sr. Presidente: já nesta legislatura foram debatidos alguns problemas agrários locais, focando-se aspectos da lavoura do Minho, das Beiras e do Alentejo, mas eu tenho para mini que não há, fora dê certos tipismos muito restritos, um problema agrário específico do Minho, das Beiras, de Trás-os-Montes ou do Alentejo, mas uni problema agrário nacional, uma vez que as dificuldades da lavoura se verificam com o mesmo aspecto e com a mesma acuidade desde o enclave trasmontano de Tourém até ao cabo algarvio de Santa Maria. Por toda a parte as mesmas vozes, as mesmas solicitações, as mesmas inquietações e, para bem dizer, por toda a parte a mesma incompreensão, os mesmos vícios, a mesma rotina, a mesma falta de sentido agrário.
Em Portugal, de forma geral, ignora-se - e creio que sobre o assunto já se levantou nesta Casa uma voz autorizada - o que é a agricultura e, sobretudo, o que a agricultura representa na vida nacional.
Não me refiro, por agora, ao aspecto tecnológico das coisas agrárias, aos métodos de produção, aos pormenores de estrutura agronómica nas várias regiões do País, tão díspares na paisagem, nos costumes, nos factores geofísicos, mas ao conjunto da lavoura nacional, à sua valorização económica, às suas necessidades gerais, aos seus anseios e às suas graves deficiências.
Segundo o censo de 1940 a população masculina activa agrícola representava 02 por cento da população masculina activa do País, percentagem na verdade notável se a compararmos com a de outros países, designadamente a Inglaterra, que conta apenas com 10 por cento da sua população para as suas actividades agrícolas. A percentagem portuguesa referida, porém, não nos dá a verdadeira fisionomia agrária do nosso país, dado que ela representa tão somente a população masculina activa e não aquela que da lavoura vive mais ou menos directamente, nem a população feminina que activamente se dedica às lides dos campos, e assim não andaremos muito longe da verdade se afirmarmos que 70 por cento da população portuguesa vive da lavoura.
Isto tem, sem dúvida, um significado muito importante - é o de que a actividade fundamental dos portugueses é a lavoura e de que a estrutura económica de Portugal é essencialmente agrária.
É evidente, Sr. Presidente, que não é este o lugar próprio para historiar as várias fases ou épocas da nossa economia ; basta que se diga que a nossa tradição económica é estritamente agrária, não lhe modificando o verdadeiro sentido, nem o surto da nossa expansão ultramarina, nem os ciclos ocasionais do nosso comércio com produtos exóticos, primeiro, e o rendimento quase fabuloso, mas efémero, das minas de ouro do Brasil, depois. Verificasse, de facto, que a única constante da nossa história económica é a lavoura - em boa verdade a lavoura deu-nos um sentido económico e, de certo modo, modelou-nos a alma.
Enquanto por todo o século XVIII se foram formando as indústrias europeias, quase todas elas originárias do pequeno artesanato local, em Portugal perdiam-se as suas poucas tradições industriais em benefício do estrangeiro, que nos comprava o vinho e nos vendia produtos manufacturados. Sob o signo de Metween plantámos as nossas vinhas, fechámos as nossas fábricas de lanifícios, deixámos arruinar a nassa única fundição de ferro, nas proximidades do Zêzere, esquecemos os nossos segredos da fabricação das sedas e dos damascos e, em contrapartida, espalhámos pela Europa, largamente, o ouro que nos vinha do Brasil, circulando pelo Mundo, como dinheiro corrente,, boas moedas com a efígie do nosso senhor rei D. João V! Como seria interessante estudar a contribuição do ouro português na formação das indústrias inglesas ...
George Valois, logo no pórtico da sua formosa Economie Nouvelle, observa que só apelando para as forcas do espírito se pode restaurar uni povo pois os rumos da acção são sempre dados pelo espírito, que projecta os seus pensamentos e as suas imagens diante dos desejos, das paixões e da energia do homem». «Não é o modo de produção -continua o conhecido economista- «que determina as formas da vida moral, política e intelectual: é a vida intelectual, moral e política que determina as forma da vida económica».
Qualquer que seja o sentido da posterior evolução mental e política do famoso economista da Action Française considero inteiramente válida a observação que acabo de reproduzir: «toda a acção tem de ser conduzida por uni pensamento, por uma ideia, por um princípio». Não é possível criar uma economia sem formular uma doutrina económica. Mas teremos nós, Portugueses, uma doutrina agrária?
Teremos nós, Portugueses, um conjunto de ideias fundamentais capazes de imprimir um impulso e determinar um rumo à nossa agricultura?
Creio que, infelizmente, não temos.
Povo rural por vocação, talvez até, como alguém disse, por vício, fazemos da terra um sentimento, e, quer ela nos leve para a abundância, quer nos atire para a miséria, amamo-la sempre com o mesmo amor fiel, incapacitados, como temos estado até aqui, de realizar em relação a ela um pouco mais do que simples e desconexos arroubos líricos. E esse lirismo, esse sentimento quase mórbido, que nos liga à terra e aos seus destinos, esse ruralismo vicioso que não nos deixa ver para além da linha do horizonte, faz-nos aceitar resignadamente três ou quatro afirmações pessimistas que não nos deixam avançar um passo.
Fala-se, por exemplo, das fracas condições agrológicas do solo, fala-se da irregularidade climatérica e da irregularidade da distribuição das chuvas, fala-se até de um vago fatalismo na mediocridade de uma incapacidade inata de transformar os nossos campos, de repositórios, de pitoresco e de folclore, em manancial de riqueza e abundância.
Certo é que, comparando o nosso solo e o nosso clima ao clima e ao solo de alguns países europeus, estamos em situação de manifesta inferioridade, mas países há igualmente pobres, sob o ponto de vista agrológico, o deficientes, sob o ponto de vista climático - e recordo neste momento a Alemanha e a Inglaterra -, que conseguiram com perseverança, com arrojo, com esforço e com imaginação alcançar um nível agrário dos mais elevados em todo o Mundo.
Importa, pois, que essas razões pessimistas se volvam em estímulo para acometermos as realidades com o esforço e com o denodo adequado à sua medida - a hidráulica agrícola, o emprego do fertilizante próprio, a semente melhorada, o barateamento da electricidade, o dry-farming -, e, sobretudo, senhores, uma educação agrária que dê ;à grande massa dos nossos rurais a consciência do valor da sua actividade, educação agrária que dê aos nossos rurais a necessária e adequada mentalidade para transpor os horizontes estreitos da sua vida rasteira e os faça compreender em toda a sua extensão os problemas que lhes são próprios.
Só quem vive em contacto com as nossas massas rurais pode verificar o atraso mental, a ignorância e a incompreensão dos seus próprios problemas. Porque, meus senhores, é preciso que não vejamos a vida das nossas aldeias através do optimismo dos seus arraiais, do lirismo dos seus poetais e do bucolismo da sua paisa-