6 DE DEZEMBRO DE 1952 185
uma errada adubação devida a aplicação de fertilizantes cujos elementos estão mal combinados ou não são os indicados em relação à constituição do solo.
A actividade agrária é, sob o ponto de vista técnico, extremamente complexa e os problemas que suscita são por vezes tão graves que comprometem profundamente a mais robusta economia.
O ano que decorre veio pôr à prova toda esta ordem de considerações e mostrar como é importante, direi mesmo decisiva, a assistência técnica à lavoura - as doenças das árvores de fruto, das vinhas e de outras plantas, que destruíram completamente colheitas inteiras, fazendo diminuir a nossa produção frugífera e vinícola para cerca de metade da média dos últimos cinco anos, podiam talvez ser em grande parte atenuadas se aos primeiros sintomas o lavrador tivesse a quem recorrer para lhe dar os conselhos e indicações indispensáveis de combate aos fungos e a toda a parasitagem daninha.
Só tarde o lavrador se apercebeu do irremediável e viu perder-se toda uma colheita de fruta e vinho que representa algumas centenas de milhares de coutos. Ele aplicou as caldas cúpricas com as percentagens e nas ocasiões em que costumava fazê-lo, mas o ataque, excepcional pela virulência e pela surpresa, impunha percentagens e um ritmo de aplicações muito diferentes; sem o conselho ou a indicação de um técnico, o lavrador, de surpresa em surpresa, de desespero em desespero, viu, pouco a pouco, destruída a sua preciosa colheita sem atinar com a forma de debelar o mal, de nada lhe servindo a experiência e os cuidados.
A assistência técnica à lavoura não é, devo desde já declará-lo, a panaceia universal para os seus males, mas atenua-os e por vezes evita-os e serve principalmente para indicar ao lavrador a forma mais económica e tecnicamente mais correcta para aumentar a produção.
E eis-nos chegados a um dos aspectos mais importantes, senão o mais importante, da nossa economia e em relação ao qual a lavoura ocupa um lugar que a coloca a unia enorme distância das restantes actividades económicas nacionais.
Logo na abertura das considerações que antecedem as bases do Plano de Fomento se acentua a intensificação, levada a cabo desde que entraram em execução os planos elaborados por força da Lei de Reconstituição Económica, do aproveitamento dos vários recursos nacionais, conseguindo-se apreciável aumento de produção agrícola. Ninguém pode contestar esse aumento real; a verdade, porém, é que ele é devido ao correspondente aumento da área cultivada, e não ao aumento de produtividade unitária, e o aumento de área cultivada corresponde quase sempre ao aproveitamento de terras pouco apropriadas às novas culturas, terras pobres, de fraca produtividade e em muitos casos excelentes para plantação de várias espécies florestais.
O inadequado cultivo destas terras leva, sem dúvida, a um aumento de produção, mas tal aumento conseguido dessa forma não é o que mais se ajusta às nossas necessidades agrárias, não só porque implica a ocupação de terrenos pouco próprios para a cultura e de fraca produtividade, mas também porque rouba essas- terras à floresta, cujo futuro se antolha, em face do Plano de Fomento, cheio de interessantes possibilidades económicas.
Numa época em que os alimentos tom uma decisiva influência na economia, o problema do aumento unitário da produção agrícola tem de ser encarado a sério e com rapidez. Temos de nos lembrar que o aumento da nossa população é da ordem dos 70 000 novos portugueses em cada ano e que praticamente está esgotada a área das nossas terras de cultivo e temos de nos lembrar principalmente que o nível alimentar médio da gente portuguesa é extremamente baixo e é sabido que a má ou deficiente nutrição determina a baixa estatura, o raquitismo, a tuberculose e muitos outros males, isto é, a má nutrição provoca a decadência do homem.
Estes dois factores -aumento da população e necessidade imperiosa de elevação do nível alimentar português - impõe-nos um imediato aumento unitário de produção agrícola, quer no que diz respeito a sentimentos energéticos, quer protectores, e esse aumento de produção só pode ser levado a efeito por meio de uma assistência técnica à lavoura organizada de modo a tornar-se prática, eficiente, e barata.
Para isso creio que importa dar à já existente organização corporativa, da lavoura os meios necessários para poder manter de. forma suficiente e eficaz a assistência técnica do lavrador, com técnicos, laboratórios e tudo quanto seja indispensável a esse fim, instalados nos respectivos grémios.
É curioso sublinhar a relutância- que, os nossos lavradoras a princípio tinham pêlos médicos veterinários, em quem viam apenas homens que se limitavam a quebrar a sua rotina e os seus preconceitos, de que não queriam desprender-se.
A pouco e pouco o médico veterinário foi-se impondo e hoje poucos são os lavradores que o dispensam logo que os seus gados mostram os primeiros sintomas de doença e poucas são as câmaras do País que não criaram o seu partido médico veterinário.
Dada a mentalidade rotineira da generalidade dos nossos lavradores, ele não se desloca da sua freguesia ou do seu concelho para ouvir um técnico sobre a melhor fornia de tratar a vide ou de aplicar o adubo, e muito menos ele se desloca para fazer a análise da sua terra. As brigadas agrícolas, de resto, não estão devidamente equipadas e a maior parte das vezes não possuem um laboratório rudimentar, meia dúzia de provetas e uma lamparina para fazerem as observações mais comezinhas. Além disso estão longe e as deslocações algumas vezes são penosas o são sempre caras.
Essa assistência técnica, além do mais, tem de só adaptar à mentalidade média do lavrador português e assim tem de dar as suas provas, provas cabais e indiscutíveis que quebrem as desconfianças dos primeiros contactos - por isso ela tem de ser competente.
Vocação ou vício, talvez uma e outra coisa, o certo é que a lavoura é um destino; certamente que não é o nosso único destino, mas de tal sorte a lavoura acompanhou o desenrolar da vida económica nacional, de tal sorte se insinua ainda hoje na nossa perplexidade perante tantos e tão graves problemas, de tal sorte se liga à nossa presente conjuntura económica que temos por força de lhe dar o primeiro lugar na hierarquia das nossas actividades.
E, todavia, Sr. Presidente, por um desconcertante contra-senso, por uma destas incompreensíveis situações cuja origem se torna indeterminável, esse primeiro lugar que todos reconhecemos à lavoura redunda, para seu mal e para mal do País inteiro, numa grotesca posição, se a compararmos com outras actividades menos fecundas e menos prestimosas mas incomparavelmente mais lucrativas.
A lavoura nacional sofre neste (momento as consequências funestas - embora não irremediáveis duma inversão de valores económicos que caracterizou um período de dois ou três unos que se seguiu ao fim da última guerra. Durante esta a carência e tudo fez elevar o preço dos produtos agrícolas - e correlativamente o valor da propriedade rústica - a números incomportáveis, o que levou o Governo a uma justa fixação desses preços e da repressão da especulação.
Importaram-se grandes quantidades de produtos agrícolas e assim, em pouco tempo, os preços regressaram